Na Iguatemi, receita para crescer acima do consenso vai além do portfólio de luxo

Crescimento e aumento de margens são frutos de marcas mais fortes e também de gestão dos complexos e de custos, diz o CFO do grupo de shoppings de alto padrão, Guido Oliveira, à Bloomberg Línea

Fachada do Shopping Iguatemi em São Paulo (Foto: Reprodução/Instagram)
28 de Fevereiro, 2024 | 05:05 AM

Bloomberg Línea — A tese de que o mercado de luxo se beneficia de maneira abrangente da resiliência do consumidor de alta renda tem sido colocada em xeque. Os resultados trimestrais mais recentes mostraram que, enquanto algumas marcas e empresas voltaram a crescer dois dígitos e superar as expectativas de analistas, outras enfrentaram dificuldades que decepcionaram investidores.

Para a Iguatemi (IGTI11), os números recém-apresentados do quarto trimestre e do ano de 2023 e as projeções para o ano vigente corroboram uma estratégia que concilia a aposta em um portfólio cada vez mais “forte” de marcas, muitas das quais de luxo, que vendem mais - e pagam aluguéis mais altos; de adensamento dos locais dos shoppings e de uma gestão em busca contínua de redução de custos, segundo disse o CFO da empresa, Guido Oliveira, em entrevista à Bloomberg Línea.

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Os dados - tanto os que olharam para o ano passado como os que fazem parte das projeções para este ano - estiveram em geral acima do consenso dos analistas de sell side.

“Tivemos uma ocupação um pouco maior do que o mercado esperava e como efeito também receitas com aluguel acima. Além disso, [analistas] não tinham precificado todo o projeto de eficiência que conduzimos ao longo do ano, de redução de custos e despesas”, disse Oliveira.

Na call de resultados com investidores e analistas na última semana, os executivos passaram um soft guidance de que a taxa de ocupação deve continuar a crescer ao longo de 2024 e chegar a dezembro em 97%. A ocupação ficou em 95,1% no fim de 2023, com avanço de dois pontos percentuais no ano.

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“De onde vem essa movimentação? Vem da melhora da ocupação em shoppings do interior, que estão em trajetória crescente. São shopping inaugurados entre 2013 e 2015 e que pegaram uma recessão [em 2015 e 2016] que não foi fácil. E agora estão ‘maturando’ muito rapidamente”, disse o executivo.

Segundo ele, dentro dessa estratégia, o grupo tem reforçado o mix de lojas, citando a inauguração prevista para o fim de fevereiro de uma unidade da rede francesa de cosméticos e beleza Sephora no shopping em São José do Rio Preto (interior de São Paulo), que conta também com marcas como Zara e as que fazem parte do recém-anunciado grupo Arezzo-Soma, além da rede de cinemas Cinépolis.

“Há um pipeline de marcas que serão âncoras de shoppings que serão anunciadas ao longo do ano. Há um movimento de marcas para além do eixo Rio-São Paulo, Brasília e capitais”, disse. “É um trabalho de otimização de portfólio, que melhora a rentabilidade, que fizemos em 2023 e continua em 2024.”

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Segundo o executivo, os shoppings do grupo estão em geral localizados em cidades cujo entorno residencial e comercial estão em crescimento e se apropriam dessa característica - no interior, é o caso de unidades em cidades como Campinas, Sorocaba e Ribeirão Preto, além de Rio Preto.

“Há um trabalho nosso de melhorias do entorno dos nossos shoppings, com adensamento que criamos dentro das nossas propriedades, em modelos mixed used, com torres comerciais e residenciais.”

A estratégia se reflete também na melhora das margens. “O que cumprimos de margem em 2023 é a média da margem que demos de proposta para 2024, o que mostra a mudança de patamar da companhia”, disse o CFO do Iguatemi, citando as projeções de margem Ebitda de 82% a 85% neste ano, depois da entrega de 83,6% em 2023 (versus um guidance daquele ano do intervalo entre 78% e 81%).

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Segundo ele, a empresa está confiante na entrega do guidance deste ano, citando dados já divulgados de alta das vendas de quase 9% em janeiro e da informação de que fevereiro também está próximo do patamar de 10%. O guidance da receita líquida da operação de shoppings prevê crescimento de 4% a 8% neste ano.

Outro destaque não previsto pelo mercado, segundo o executivo, foi o resultado da operação de varejo digital, o Iguatemi 365, que não só chegou ao breakeven no quarto trimestre - “muito analista duvidava disso” - como entregou um Ebitda positivo de R$ 4,7 milhões nesse período.

A operação de e-commerce, como anunciado anteriormente, diminuiu de tamanho e teve o modelo de negócios “revisitado”, o que permitiu a redução de custos; o grupo passou a trabalhar nessa frente apenas com marcas que tivessem margem de contribuição positiva no site, disse o CFO.

O Iguatemi 365 atualmente opera com cerca de 150 marcas, algumas das quais não têm lojas físicas no país, como a Longchamp e a Jonathan Adler, em que o grupo gerencia os negócios, o chamado 1P.

O grupo realizou o outsourcing da operação do e-commerce para a Infracommerce, o que, segundo o executivo, permitiu a redução do headcount (quadro de funcionários) em quase 80%. Além disso, permitiu transferir custos de TI, marketing, manutenção da plataforma, entre outros.

Como contrapartida, a Infracommerce fica com uma fatia - não revelada - do GMV (volume bruto transacionado) na plataforma do Iguatemi 365.

Tiffany: flagship store

Oliveira apontou ainda o processo de busca de eficiência na operação de shoppings, que ainda responde por mais de 95% das receitas da companhia.

Ele citou a redução de áreas da empresa que naturalmente tiveram que crescer durante a pandemia, como o jurídico, em razão de atrasos de pagamento e pedidos de renegociação de contratos por lojistas no momento em que havia restrições ao funcionamento; e o comercial, dada a queda na ocupação.

“Houve uma redução de 10% a 15% no nosso headcount, o que fez o nível de despesas voltar a um nível de 23% em relação à receita, enquanto havia chegado a 28% no fim de 2022.″ Segundo ele, a normalidade será ainda mais baixa, da ordem de 20% da receita líquida, embora isso não seja um guidance.

Houve ainda ganhos não recorrentes não dimensionados por analistas, como a venda de uma fração do terreno do shopping Iguatemi Campinas, o que contribuiu com R$ 24,9 milhões para o resultado; e um ganho também da ordem de R$ 24 milhões com a revenda de ponto no shopping Iguatemi em São Paulo para a nova loja da Tiffany, que será a primeira flagship store da marca de jóias de alto luxo no Brasil. Ao todo, tais negócios contribuíram com ganhos perto de R$ 70 milhões no ano, segundo ele.

A previsão é que a flasghip store da Tiffany, cujas obras envolvem do subsolo ao primeiro e ao segundo piso do Iguatemi, em frente à praça central, seja inaugurada no segundo semestre, afirmou.

“Cerca de 30% da nossa ABL [Área Bruta Locável] é de marcas internacionais e somos a principal porta de entrada para muitas delas no país, com portfólio de produtos comparável ao que se encontra no exterior, mas um atendimento mais personalizado aqui”, disse o CFO do grupo Iguatemi.

Desconto da ação

Diante da evolução dos números, o que ainda falta, na avaliação do CFO da Iguatemi, é o reconhecimento do investidor de que a empresa tem conseguido retomar os seus melhores dias em termos de operação e indicadores financeiros - a despeito de taxas de juros ainda elevadas.

“Temos um desconto hoje [do preço da ação] de quase 30% em relação ao que seria o consenso sem o guidance que anunciamos. E ouvimos de vários analistas que pretendem recalcular o preço-alvo porque o nosso guidance está acima do que eles haviam colocado para 2024″, disse Oliveira.

A unit encerrou a terça-feira (27) negociada a R$ 23,71, com alta de cerca de 23% em 12 meses.

Com um consenso de preço-alvo que pode subir em relação ao patamar pré-guidance de R$ 31, o desconto pode ficar ainda maior.

“O papel tem sido negociado a um múltiplo de 11x o preço de mercado sobre o FFO [fluxo de caixa proveniente das operações] projetado para 2024. E já fomos no passado negociados a 25x. Antes da pandemia, era 18x em média”, afirmou o CFO.

Ele disse que, com a queda dos juros futuros no Brasil, a tendência é que a ação da companhia se beneficie, além da própria redução das taxas também nos Estados Unidos.

Para os analistas Gustavo Cambauva e Elvis Credendio, da equipe de equity research do BTG Pactual, os resultados apresentados, incluindo os operacionais (vendas, taxa de ocupação etc.), foram “sólidos”, o que reforça que “a Iguatemi provavelmente continuará aumentando os aluguéis”.

“Também vemos riscos de upside para nossas estimativas após o guidance recentemente divulgado. A Iguatemi é nossa principal escolha - top pick - entre as ações de shoppings, ostentando um portfólio de shoppings de primeira linha e negociando com um valuation atrativo”, escreveram em relatório a clientes logo depois da divulgação dos números.

“Costumamos dizer que a venda é a cura de todos os males. Quando os lojistas vendem, todo o resto vai muito bem e isso se refletiu ao longo do nosso DRE [Demonstrativo do Resultado do Exercício]”, disse o CFO da Iguatemi.

As vendas do Iguatemi encerraram o ano passado com crescimento de 11,5%, acima da média de todos os shoppings, de 1,7%, segundo a Abrasce.

O Ebitda ajustado, indicador de geração de caixa operacional, chegou a R$ 263,9 milhões no quarto trimestre, com avanço na base anual de 29,4%, e margem Ebitda ajustado de 78,9%.

O FFO, métrica importante do setor de shoppings que mede o fluxo de caixa proveniente das operações, chegou a R$ 177,9 milhões no quarto trimestre (+9,2% na base anual) e a R$ 562,8 milhões no ano inteiro (+33,3% na mesma comparação), acima também do consenso.

“Foi um ano excelente para a companhia, que mostrou a resiliência do nosso portfólio em um ano muito difícil para o varejo, em que muitos grupos tiveram dificuldades, como a própria Americanas”, disse Oliveira.

Portfólio mais saudável de lojas

A segmentação de público nos shoppings do Iguatemi, com alvo na classe AB, resiliente do ponto de vista de renda e das incertezas macroeconômicas, completa a estratégia. É uma tese já comprovada no mercado brasileiro, a exemplo do que ocorreu na recessão de 2015 a 2016, em exemplo recente. “É um portfólio defensivo que cresce mesmo com taxas de juros mais altas e inflação”, disse.

O executivo disse que a empresa é considerada por investidores como uma “cash cow”, em referência a ter seus contratos de locação corrigidos pela inflação quando o indexador - o IGP-M - é positivo. Em momentos em que o indexador está próximo de zero, como acontece atualmente, o objetivo é perseguir o chamado leasing spread, que é a diferença em cima de novos contratos, por exemplo.

“No quarto trimestre, todas as áreas vagas que fechamos tiveram leasing spread positivo. Com vendas melhores e o portfólio performando, conseguimos aluguéis mais altos na renovação, com ganho real sobre a inflação. Continuamos a buscar esse ganho, assim como nas novas locações”, disse.

O CFO do Iguatemi destacou ainda o fato de que o indicador de vendas nas mesmas áreas cresceu em ritmo superior (11,7%) do que o das mesmas lojas (9,4%) no quarto trimestre, “o que mostra que o portfólio de lojistas que tem entrado é mais saudável financeiramente do que o que saiu”.

Com o aumento dos aluguéis de mesmas lojas de 10,1% no ano e o IPCA de 4,62%, isso representou uma diferença de quase 6 pontos percentuais, como se fosse IPCA + 6%, afirmou.

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.