Na ‘Dubai brasileira’, o céu é o limite para os imóveis mais caros do país

Cidade no litoral de Santa Catarina desponta não só com apartamentos de alto padrão mas também com sete dos dez edifícios comerciais mais altos do Brasil

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Bloomberg — Os imóveis mais caros do Brasil não estão na beira da praia no Rio de Janeiro ou nos condomínios de luxo de São Paulo. Eles ficam em Balneário Camboriú, apelidada de “Dubai do Brasil”.

A cidade litorânea catarinense de 150.000 habitantes se transformou, ao longo dos últimos 50 anos, de uma pequena vila de pescadores em uma experiência sobre o que pode acontecer quando empreendedores privados recebem carta branca.

Lá estão sete dos dez edifícios mais altos do Brasil, incluindo a torre residencial mais alta da América Latina.

Os apartamentos de luxo não param de aumentar de valor. Os compradores incluem o craque Neymar e famílias bilionárias da indústria e do agronegócio.

O resultado é uma cidade que se tornou o destino de férias favorito de muitos, atraídos por vistas panorâmicas, ruas seguras e relativa prosperidade em um país que enfrenta problemas de criminalidade e pobreza.

Mas a falta de preparo para o crescimento desenfreado levou à contaminação da água do mar, saturação da infraestrutura e uma classe média que já não dá conta dos preços dos imóveis.

Para muitos moradores que estão colhendo os benefícios do boom, slogans como “o Brasil que deu certo” são comuns, junto com “o céu é o limite”.

Para outros, as comparações com Dubai, Singapura ou Miami são ridículas. Não existe hotel cinco estrelas. Há uma escassez de moradia acessível e transporte público adequado.

Além disso, muitos dos apartamentos de luxo estão desocupados – muitos deles usados como propriedades de investimento ou de veraneio.

Verônica Alves Teixeira, de 57 anos, vendedora de roupa de praia, mora em Balneário Camboriú há 40 anos e vende mercadorias na praia há 26. Ela nunca se mudou de seu primeiro imóvel porque não consegue comprar mais nada.

“Balneário, é lindo, mas não é essa vida linda e maravilhosa que você está vendo. Quem vive aqui tem que trabalhar”, disse ela. “Balneário não é Brasil.”

Nenhuma empresa é mais responsável pelo crescimento vertical da cidade do que a FG Empreendimentos.

A incorporadora imobiliária familiar é onipresente, desde publicidade no aeroporto até outdoors em terrenos baldios e escritórios de vendas espalhados pela cidade. E há, é claro, as cerca de 60 torres que a FG construiu, nas quais as iniciais da empresa brilham em verde à noite.

A FG detém quase 50% do mercado e constrói em Balneário Camboriú desde a década de 90. Fundada por Francisco Graciola, empresário de origem humilde do município catarinense de Gaspar, agora é administrada por seu filho Jean Graciola, de 44 anos.

Ele e seu pai viajaram pelo mundo, de Dubai a Singapura, Hong Kong, Cidade do Panamá e Nova York para aprender sobre arranha-céus.

Eles construíram a One Tower, a mais alta do Brasil, e agora planejam uma torre de 110 andares, seguida em breve por um edifício de 150 andares que seria o projeto residencial mais alto do mundo.

“A gente cresceu três vezes de 2019 pra cá”, disse Jean em entrevista à Bloomberg News em seu escritório. Antes, “um executivo com 60, 70 anos” comprava um apartamento, mas agora “compra quatro apartamentos, para o pai e para os três filhos.”

O bilionário Luciano Hang, dono da varejista Havan e grande apoiador do ex-presidente da República Jair Bolsonaro, possui várias propriedades em Balneário.

Ele também desenvolve novos projetos com a FG após co-investir em vários lotes no passado.

Famílias industriais ricas de Santa Catarina, muitas vezes de origem alemã e italiana, foram os primeiros grandes impulsionadores dos empreendimentos na cidade, juntamente com compradores do Rio Grande do Sul e do Paraná.

Nos últimos anos, empresários do agronegócio começaram a comprar propriedades em Balneário Camboriú, e as incorporadoras até criaram planos de pagamento que coincidem com o cronograma da safra.

Balneário Camboriú tem o metro quadrado médio mais caro do Brasil, a R$ 12.624 (US$ 2.600), segundo a FipeZAP. A pandemia acelerou a valorização e os preços subiram 11% no ano passado.

Os preços de alguns imóveis à beira-mar subiram mais de 30% após a ampliação da orla marítima com o alargamento da faixa de areia. Foi o setor privado, e não o governo local, que financiou o projeto – uma mostra da influência das incorporadoras na cidade.

Todos no mercado imobiliário pareciam genuinamente surpresos quando perguntados sobre se uma possível bolha imobiliária poderia estourar e causar problemas generalizados à economia local.

Agora, a febre se espalha para além de Balneário Camboriú. As vizinhas Itapema e Itajaí viram os preços dos imóveis subirem 20% e 13%, respectivamente, nos últimos 12 meses, segundo a FipeZAP. Isso torna as três cidades os lugares mais caros para comprar imóveis fora das capitais brasileiras.

O corretor de imóveis Custódio Ribeiro Júnior passou mais da metade de seus 36 anos de mercado tanto como comprador quanto como vendedor.

Ele disse que não faz sentido investir no mercado de ações ou em títulos do governo quando os preços dos imóveis continuam subindo. Em apenas seis meses, ele viu pessoas comprarem e venderem propriedades com lucro, muitas vezes com financiamento das incorporadoras, não de bancos.

Mais de 60% da atividade da sua empresa, a CRI, é para fins de investimento. Um conhecido seu investiu em mais de 20 propriedades.

“Esse tipo de público privado, esse pilar, é muito forte e também cria um caixa infinito”, disse ele. “O céu é o limite e o Plano Diretor não limita a altura. Você pode fazer o prédio mais alto do planeta se tiver terreno hábil e capacidade de engenharia na cidade.”

No extremo sul da praia principal, empreendedores locais se uniram à Pininfarina para construir o Yachthouse, com duas torres de 80 andares.

Lá, o astro do futebol Neymar é dono de uma cobertura de quatro andares avaliada em mais de R$ 80 milhões. Graças ao heliporto da propriedade, os moradores podem entrar no prédio e embarcar em um iate na marina adjacente sem andar pela rua.

Cerca de 10 quilômetros ao norte, na praia Brava, a construção continua ininterrupta, à medida que condomínios privados e algumas das primeiras torres da região são erguidos.

Foi lá que Carlos Trossini desenvolveu o Bravissima, que conta com apartamentos de alto padrão de até 800 metros quadrados e lotes para mansões.

Mas é muito diferente do resto porque envolve a preservação da maior parte da mata nativa nas terras que ele comprou há 30 anos.

Os compradores incluem membros das famílias bilionárias por trás da gigante industrial WEG (WEGE3) e da família Logemann, que controla a SLC Agrícola (SLCE3), segundo Trossini.

Durante uma visita, Trossini mostrou as fotos no Instagram da supermodelo Gisele Bundchen, tiradas na cobertura. Os potenciais compradores precisam ser selecionados 48 horas antes da visita.

Eduardo Zanatta é um dos 19 vereadores de Balneário Camboriú e é o único do Partido dos Trabalhadores. Não é fácil ser de esquerda em uma cidade que votou quase 90% a favor de Jair Bolsonaro nas últimas eleições.

O filho mais novo de Bolsonaro, Jair Renan, agora mora lá e planeja concorrer nas eleições deste ano a uma vaga no câmara municipal.

“Eu converso com muitos jovens aqui da cidade cujos pais há 20, 30 anos financiaram uma casa, compraram um terreno ou um apartamento, e hoje os filhos dessa geração já não veem perspectiva de residir em Balneário Camboriú”, disse Zanatta, de 38 anos.

Mariana Schlickmann é uma delas. A professora universitária escreveu um livro sobre a história da cidade, onde cresceu e viveu grande parte de sua vida. Agora, tomando um café em Itajaí, ela disse que sua renda de classe média torna impossível comprar uma casa lá.

“Tem muita igorância de querer ganhar dinheiro agora e não pensar no futuro da cidade”, disse ela. “É inviável.”

Para os trabalhadores da construção e do setor de serviços, é quase impossível viver perto do trabalho. A cidade de Camboriú, que fica em frente à congestionada rodovia BR-101, é muito mais pobre e parte da contaminação que vai parar na praia decorre da falta de água tratada ali.

Assim como a maioria dos vereadores da cidade, o prefeito de Balneário Camboriú, Fabricio Oliveira, em seu segundo mandato, é de direita.

Durante uma breve entrevista em seu escritório, o homem de 48 anos apontou para programas sociais e ganhos ambientais. Sobre a água contaminada? Um problema a ser resolvido pela cidade vizinha, já que Balneário tem 98% da rede de esgoto conectada.

Ele elogiou as ruas seguras no pequeno enclave patrulhado pela polícia municipal e explicou uma nova campanha que pede às pessoas que não dêem dinheiro aos mendigos nos semáforos. A cidade tem uma política de recolher moradores de rua, alimentá-los e dar-lhes banho e oferecer-lhes passagem para fora da cidade.

“Em vez de dar dinheiro, ligue para a prefeitura, que a prefeitura cuida”, disse ele.

A população da cidade salta para 1 milhão na época de Ano Novo. Neste ano, Abu Dhabi doou drones para um show de fogos de artifício.

A maior parte dos turistas se enquadra em um perfil mais de classe média, contrastando com os altos preços dos imóveis em Balneário Camboriú.

Um enorme navio de cruzeiro ancorado no mar descarrega passageiros, um pequeno grupo de cada vez, devido à falta de um porto.

Os turistas lotam bares e restaurantes enquanto idosos jogam dominó ou bocha. Quiosques que vendem caipirinhas, cerveja, água de coco, milho e churros ocupam o calçadão.

As empreendedoras ainda veem oportunidades inexploradas.

Graciola, da FG, afirma que a empresa tem 3,2 milhões de metros quadrados de terrenos que ainda pode desenvolver.

Sem limites de altura para as torres, a FG não tem planos de expansão fora do seu mercado, mas está em negociações com cadeias hoteleiras globais para estabelecer opções de hospedagem de maior qualidade.

Além de um escritório em Miami, a FG tenta ativamente vender mais para clientes ricos nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O mais recente embaixador da marca é o astro do futebol Cristiano Ronaldo, cuja imagem pode ajudar a vender unidades a compradores europeus, disse ele.

“Com esses lançamentos que vão levar Balneário Camboriú para o mundo, que nem esse prédio, de 150 pavimentos, vamos poder trazer mais clientes de fora também”, disse Graciola. Os estrangeiros “estão começando a enxergar o Brasil de uma forma diferente,” acrescentou.

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