Bloomberg Línea — Em uma manhã de dezembro, a sede da B3 no centro antigo de São Paulo viveu um clima de comemoração, que poderia remeter aos desavisados a uma festa de Réveillon antecipada. Profissionais vestidos de branco tomaram o saguão principal do prédio da bolsa brasileira. Ali a celebração tinha outra motivação: os cinco anos do IPO da C&A.
“É uma jornada que mexe com as emoções, especialmente quando paramos para pensar nos desafios e nas dificuldades no início, no momento da pandemia, e agora no que estamos conquistando”, disse o CEO da C&A, Paulo Correa, ao tomar o microfone diante de funcionários, executivos e convidados.
Nos últimos dois anos, em particular, a C&A se descolou em parte da narrativa de dificuldades enfrentadas por players relevantes do varejo nacional afetados pelo ambiente macro adverso e pela concorrência com asiáticos, tanto do ponto de vista de crescimento e resultados financeiros como de desempenho da ação.
O papel subiu cerca de 320% desde o fim de 2022 e tem recomendação de compra de sete dos nove analistas que acompanham a empresa de forma atualizada, segundo dados da Bloomberg.
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A confiança de investidores e analistas, por sua vez, tem sido reflexo de resultados sucessivos como o aumento da margem bruta há treze trimestres, crescimento perto de 20% das receitas na base anual, avanço do Ebitda (métrica de geração de caixa operacional) e redução da alavancagem, entre outros.
Ao tomar a palavra, Correa disse que enxerga a companhia hoje mais à vontade com novos processos que envolvem o uso de tecnologia e de inteligência de dados para a tomada de decisões. São processos que fazem parte de um plano estratégico executado de forma mais estruturada há um ano, chamado “Energia C&A” (leia mais abaixo).
Quando a companhia divulgar os resultados do quarto trimestre de 2024, em duas semanas, no próximo dia 26, mostrará se conseguiu manter esse ímpeto de expansão de dois dígitos. “Para que isso aconteça, temos que continuar a evoluir com força”, definiu o executivo, que lembrou da perspectiva mais ampla da economia.
“É óbvio que os ventos contrários macro atrapalham, e atrapalham todo mundo. Mas nós temos que buscar evoluir naquilo que conseguimos controlar, que são as histórias que contamos com os nossos produtos. E é o que temos feito e vamos continuar a fazer”, disse o CEO da C&A à Bloomberg Línea.
Ao se referir ao macro, ele fez uma analogia aos ventos na prática do kitesurfe, esporte do qual é entusiasta.
“Com o vento forte, fica mais fácil velejar e todo mundo vai bem. Mas com o vento fraco você percebe quem está melhor preparado para conseguir velejar”, disse o executivo. “Nós nos preparamos antes do momento atual para os ventos contrários da economia.”
Isso se traduz, segundo ele, em conseguir entregar o produto com o melhor custo benefício para o cliente. “Nós não estamos preocupados em baixar a qualidade para conseguir reduzir o preço. Se o nosso produto é uma boa compra, que compensa pela qualidade, o cliente vai levá-lo mesmo custando um pouco a mais. “Tem que ser uma peça linda e irresistível, que o cliente olhe e pense ‘vale pagar mais’.”
Segundo ele, em uma escala de 0 a 100 em que cem é o máximo do que pode ser realizado, a rede varejista está em 60. E isso em parte porque a régua também avança em razão da tecnologia e da inteligência de dados, o que permite um entendimento cada vez maior do que quer o consumidor.
No período citado de dois anos, a C&A (CEAB3) tem contado uma história de crescimento em cima do que Correa descreve com termos como “aumento de assertividade”, “teste e escala” e “compreensão do cliente”
“Quando olhamos para NPS do consumidor, aumento da base de clientes, frequência de compra... são indicadores que não compartilhamos, mas que mostram um negócio saudável e que tem muita força ainda. E é uma resposta ao que temos conseguido oferecer”, disse o executivo.
Nesse processo, a rede varejista continua a avançar com seu processo de transformação, que inclui ampliar os testes de coleções em lojas antes de expandir para a rede em caso de inputs positivos.
O número de testes tem aumentado de forma significativa ano após ano. Foram cerca de 180 em 2023 e quinze vezes mais, ou perto de 2.700, em 2024. Para este ano, a projeção é multiplicar por dez vezes.
![Executivos da C&A em cerimônia de comemoração pelos 5 anos do IPO na sede da B3 em São Paulo, em 13 de dezembro de 2024 (Foto: Divulgação) Executivos da C&A em cerimônia de comemoração pelos 5 anos do IPO na sede da B3 em São Paulo, em 13 de dezembro de 2024 (Foto: Divulgação)](https://www.bloomberglinea.com/resizer/v2/QFZNPPMCGZEBVFZP2YASAF3AP4.jpg?auth=7375e5b57ec28ea984e97eda43d4467bb0aaa216c244957fee9d54065526dcd7&width=1000&height=666&quality=80&smart=true)
É um processo desenvolvido, segundo contou o executivo, em parceria com a cadeia de fornecedores, que entende que pode se beneficiar de encomendas muito mais assertivas da varejista.
Um dos cases recentes bem-sucedidos é o de jeans, que passou a ter um tratamento diferenciado na oferta, das modelagens à disposição em lojas, com resultados “indiscutivelmente superiores”. Outro case de sucesso é o de coleções à base de linho, tanto femininas como masculinas.
Jornadas dos clientes
Os testes são colocados em prática em certas lojas em conjunto com algoritmos, como um que projeta qual a demanda máxima de determinadas peças ou coleções - cujo modelo é alimentado por milhões de dados e variáveis da própria rede varejista com sua extensa rede de lojas, além do e-commerce.
“Você tem uma capacidade de distribuição mais assertiva, por exemplo, em termos de tamanho, ou seja, de ter aquilo que o cliente quer. Você tem mais informações e dados para construir essas histórias de gestão com produtividade e rentabilidade, que leva a um momento de prosperidade das lojas.”
“Nós vemos pelos números que o cliente vai mais vezes às lojas. Isso nos dá muita confiança de que estamos no caminho certo”, disse Correa. Segundo ele, essa frequência aumentou em dois dígitos.
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“E continuamos a conversar com o cliente e a buscar entender do que ele gosta e do que não gosta, quais são os pontos de atrito, com squads dedicados a eliminá-los. Isso significa entender quais são as diferentes jornadas dos clientes”, disse o executivo.
Melhorar a jornada do cliente é um dos pilares do “Energia C&A”, que foi apresentado ao mercado como plano estratégico no Investor Day em abril passado como norte para as ações tomadas nos próximos anos - e explicado pelo CEO à Bloomberg Línea na ocasião. Outros pilares destacados são o de produto e o de relacionamento com os clientes.
Nos planos para 2025 como parte do investimento na frente de “jornada” está o aumento do número de lojas reformadas.
Sem abrir dados específicos, o CEO da C&A disse que os resultados das que passam pela reformulação são evidentes e revelou uma alta de dois dígitos na conversão em relação às unidades antes da reforma - citou como exemplos a que fica no Shopping Ibirapuera, em São Paulo, e outra em Porto Alegre.
É um processo de evolução constante. Ao mesmo tempo em que mais lojas são reformadas, squads já trabalham no desenvolvimento de novos modelos para 2026 em diante, contou.
“A loja digital subiu a régua, por exemplo, da maneira como o cliente encontra o que procura. E pensamos como podemos melhorar esse atributo das lojas físicas para facilitar a experiência do cliente.” Mudanças potenciais vão da organização e da comunicação até o uso de tecnologia para auxiliar os funcionários.
Energia no que funciona
Tudo isso posto, fez questão de ressaltar, resulta em números globais de crescimento sustentáveis.
“É uma máquina que se auto-alimenta e que permite que a empresa continue a crescer dois dígitos independentemente do baseline menor ou maior”, disse Correa em referência ao fato de que esse momentum de crescimento tem se dado já em cima de trimestres já impactados pelo plano executado.
Segundo ele, o sucesso de vendas de determinadas categorias exige que a companhia tenha um processo perene de busca pela reinvenção, para que o crescimento seja alcançado apesar da base mais alta. “Parece até contraintuitivo dedicar mais energia no que já funciona, mas é o que buscamos fazer.”
Ao citar a ciência por trás de prever as coleções, o executivo se recordou de um caso recente de um vestido cuja demanda foi estimada pelo algoritmo em um volume muito elevado, “quase impensável”.
“Entendemos inicialmente que era um exagero e encomendamos um quarto do que o algoritmo apontou de demanda. Faltaram muitas peças quando levamos para as lojas”, disse, ressaltando que há um aprendizado. Esse vestido vendeu em uma semana o volume inteiro de dois meses da versão anterior.
Correa lembrou que são escolhas que todo varejista de moda precisa tomar, das peças escolhidas à quantidade - de cada tamanho e das cores - e ao preço. E que contam cada vez mais com a tecnologia como aliada, que é utilizada como um instrumento junto com a expertise dos times da companhia e os testes em lojas para que a tomada de decisão sobre coleções seja a mais assertiva possível.
Na frente de relacionamento, Correa disse que a C&A passou a investir mais em inteligência de dados para fazer uso da base construída para buscar conversas mais relevantes e assertivas com os clientes, em substituição a uma comunicação mais genérica com os mesmos.
Há ainda o investimento em fortalecimento de marca, em um processo que ainda está no começo, para que possa servir como um propulsor do que tem sido feito em jornada, produto e relacionamento.
Segundo o executivo, foi uma decisão deliberada de deixar a marca para um momento posterior diante do entendimento de que seria mais importante e legítimo desenvolver melhor as competências citadas.
“No fim do dia, continuamos a buscar entender melhor o cliente, porque é ele quem julga o que estamos fazendo, quando entra na loja e encontra o que procura. E esse é o combustível da prosperidade da companhia.”
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