Bloomberg Línea — Uma das tendências do ano que se encerra foi o crescimento tanto da oferta como da demanda de brasileiros por serviços em moeda estrangeira. Para um dos players globais que decidiram concorrer nesse mercado, o primeiro ano de operação no país trouxe o entendimento, acompanhado de reorientação de estratégia, de que esse cliente quer também investir em moeda forte, contou Glauber Mota, CEO da Revolut no país, fintech mais valiosa da Europa, em entrevista à Bloomberg Línea.
“Tivemos uma demanda para ampliar a oferta de produtos offshore, principalmente de investimentos, desde conta remunerada em moeda estrangeira até outros ativos. O cliente já mantém o dinheiro fora com a conta global e quer rendimento também”, disse Mota.
O volume de recursos de brasileiros pessoa física no exterior, estimado pelo executivo entre R$ 250 bilhões e R$ 300 bilhões, deve ser multiplicado nos próximos anos com a ampliação não só da oferta como da facilidade de uso, afirmou. “Por qualquer métrica, a oportunidade é muito grande. E por essa razão decidimos priorizar a oferta desses produtos.”
Ao passar a oferecer investimento no exterior para o cliente de varejo, de renda fixa a ações e até commodities nos mercados americano, europeu e asiático, a Revolut vai entrar em um segmento que se tornou um dos mais concorridos do sistema financeiro doméstico.
Enfrentará desde pioneiros no país como a Avenue, que atraiu o Itaú Unibanco (ITUB4) como sócio há um ano e meio, o C6 Bank, o Inter (INTR), a Wise e a Nomad, até nativos do mercado de investimentos, como BTG Pactual (BPAC11) e XP (XP), além de bancos incumbentes como o Bradesco (BBDC4).
Mota disse que a Revolut pretende atrair os brasileiros com aquilo que é considerado, desde a estreia no país, o seu diferencial: experiência do usuário no app, oferta ampla de produtos e custos mais baixos diante da escala de sua operação global - hoje 38 países, incluindo os 30 da chamada Área Econômica Europeia (EEA), além de Estados Unidos, Reino Unido, Japão, Austrália e Brasil, entre outros.
A Revolut alcançou neste ano a marca de 35 milhões de consumidores no mundo, com estimados 400 milhões de transações no ano.
“A maioria das empresas financeiras no Brasil cobra um spread sobre o câmbio que cai na medida em que o volume convertido aumenta. Nós operamos com o mesmo spread e isso permite que pessoas com R$ 10 consigam ter um câmbio competitivo”, disse Mota sobre a estratégia.
O CEO da Revolut no Brasil, que anteriormente foi sócio e COO da área de varejo digital do BTG Pactual, que estruturou junto com Amos Genish, disse que a fintech concorre principalmente com pares especializados em serviços cross-border. No seu entendimento, sem citar nomes, bancos em geral apresentam uma oferta mais limitada de serviços dado que essa não é a sua prioridade.
A Revolut está de olho majoritariamente em três perfis de clientes: aquele que tem planejamento que envolva recursos em moeda estrangeira, como viagem ao exterior; os que têm receitas fora por causa do trabalho, como desenvolvedores; e os que fazem ou recebem remessas para outros países na pessoa física - peer to peer -, algo muito comum na América Latina.
Segundo o executivo, pesquisas da fintech apontam potencial para crescimento no uso da conta global entre brasileiros que viajam para o exterior, com planejamento que chega de três a doze meses, mas que ainda fazem uso de dinheiro - seis em cada dez.
Os primeiros sete meses de operação no Brasil, segundo ele, serviram para consolidar e testar a capacidade de aumento de escala da plataforma no país - os números de clientes e receitas não foram divulgados - e para receber feedback de consumidores.
O volume de demanda surpreendeu para cima, enquanto a frequência ficou abaixo do que se imaginava, sendo mais sazonal ou após certas circunstâncias, como a queda do dólar.
Por outro lado, Mota disse que a base de clientes tem sido mais ampla e diversa do que o esperado, ainda que concentrada nas regiões Sudeste e Sul e naqueles com os casos de uso acima citados. Ele atribuiu a diversidade de público ao custo mais baixo de spread na casa de 2%.
Outra surpresa, segundo ele, foi o volume acima do esperado - ele não abriu os dados - de volume convertido de reais para euros, algo que atribuiu ao número de brasileiros que moram na Europa e ao fato de que o app é particularmente popular no continente. A fintech disse que é o app de finanças mais popular em nove países europeus em número de downloads.
Mota contou que a Revolut chega ao fim de 2023 no Brasil com cerca de 100 profissionais contratados, mais que o dobro do que tinha no início da operação comercial em maio. E que está prestes a mudar de escritório em São Paulo justamente para abrigar mais pessoas.
Novas funcionalidades
Entre os objetivos de 2024 estão incorporar os feedbacks à oferta atual, como permitir que o câmbio possa ser realizado do real para as demais moedas, e não necessariamente a partir do dólar. “Essa é uma demanda que vamos viabilizar a partir do começo do ano.”
A fintech também alterou a forma de pedir documentos necessários com o objetivo de reduzir a fricção dos usuários, além de passar a trabalhar com o limite anual de US$ 120 mil, em vez de mensal de US$ 10 mil, dado que a concentração de casos de uso levava clientes a extrapolar esse teto.
Ao antecipar a oferta de ativos de investimento, a Revolut, por outro lado, vai deixar para um segundo momento outras funcionalidades, como um marketplace de produtos em moeda estrangeira. Outro passo previsto no roadmap, mas não de forma imediata, é a oferta de produtos “locais”, algo possível depois que a fintech obteve a licença para operar como SCD (Sociedade de Crédito Direto) pelo Banco Central.
O executivo contou que a funcionalidade de conversão de valores para dezenas de criptoativos não sobressaiu como esperado e ficou dentro da média global em um contexto de mercado menos aquecido. “Está menos trending do que na época do nosso lançamento.” Isso não significa, no entanto, que será deixada de lado.
“O posicionamento da Revolut é se preparar para o futuro das finanças. Preferimos estar prontos, algo que já acontece, caso isso se torne mainstream daqui a alguns anos, do que correr para desenvolver com pressa. É uma das prioridades da operação global”, disse.
Ele ressaltou que há uma diferença fundamental em relação a outras plataformas estrangeiras que negociam criptoativos no país. “O cliente está inserido no sistema bancário. As negociações são todas registradas em moeda estrangeira, dentro das normas do Banco Central, e a conversão para cripto ocorre no exterior, onde somos regulados pelas autoridades. É um produto a mais, não um substituto.”
O executivo explicou como os novos produtos se alinham com a estratégia de contar com uma operação financeiramente sustentável em um momento em que a competição está cada vez mais acirrada, enquanto o custo de capital segue como um desafio com as taxas de juros ainda elevadas.
“O plano é crescer com produtos que tenham margem bruta positiva, para ganhar dinheiro desde o começo, e com boa experiência do cliente. E com custo baixo de capital, dado que decidimos não iniciar a operação com crédito ou produtos que demandam mais funding”, explicou o CEO.
Os planos da Revolut no país são atualizados no momento em que a fintech abre os números de sua operação global no ano de 2022, além de antecipar alguns dados e indicar expectativas relacionadas a 2023.
Operação global
A fintech britânica chegou a US$ 1,1 bilhão em receita em 2022, com crescimento de 45% na base anual, e espera atingir a marca de US$ 2 bilhões no ano de 2023. Depois de ter alcançado o breakeven em 2021 e 2022, a expectativa é ter uma margem de lucro líquido de dois dígitos em 2023.
“São fatos associados [os números globais e os planos no país]. O storytelling no Brasil tem a ver com a forma como a Revolut banca essa estratégia de expansão. Os números mostram a capacidade de prosseguir com o plano de expansão global e pode viabilizar crédito e outros produtos”, disse o executivo.
Segundo os dados divulgados, em 2022 a fintech investiu US$ 265 milhões para o crescimento, dos quais US$ 80 milhões foram destinado ao desenvolvimento de novos produtos.
Os planos de expansão também incluem a chegada a novos países da América Latina, como o Chile, onde foi lançada inicialmente em meados de 2023 uma espécie de versão light do app, com os serviços de remittance - remessas - e de criptoativos.
Os números da operação brasileira só devem ser conhecidos com a divulgação dos resultados de 2023, ainda sem data prevista. Mota apontou que o país contribuiu com o crescimento da base de clientes global, que estava em 28 milhões em maio, mês de estreia no país, e hoje supera 35 milhões.
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