Bloomberg — A transição para os carros elétricos em detrimento dos veículos com motores a combustão poluentes tem encontrado um novo obstáculo no mercado global: os motoristas não querem comprar elétricos usados, e isso cria dificuldades para o mercado de automóveis zero quilômetro também.
No mercado de usados de US$ 1,2 trilhão, os preços dos carros elétricos têm caído mais rapidamente do que os dos veículos com motores a combustão. Os compradores os evitam devido à falta de subsídios, ao desejo de ter tecnologia melhor e à falta de infraestrutura para recarregar as baterias.
Uma acirrada guerra de preços iniciada pela Tesla (TSLA) e por modelos chineses competitivos têm reduzido ainda mais os valores de carros novos e usados, ameaçando os ganhos de concorrentes como Volkswagen e Stellantis (STLA), dona de marcas como Fiat e Citroën.
Como a maioria dos veículos novos na Europa é vendida por meio de leasing, as montadoras e revendedores que financiam essas transações tentam recuperar as perdas devido à queda vertiginosa nos preços, aumentando os juros.
Isso impacta a demanda em alguns mercados europeus que estavam na vanguarda da transição para longe da propulsão por combustíveis fósseis. Alguns dos maiores compradores de carros novos, incluindo empresas de aluguel, reduziram a adoção de veículos elétricos porque têm perdido dinheiro nas revendas. A Sixt, por exemplo, retirou os modelos da Tesla de sua frota.
“Quando um carro perde 1% de seu valor, eu obtenho 1% a menos de lucro”, disse Christian Dahlheim, que lidera a divisão de serviços financeiros da VW. Os problemas com carros elétricos usados, segundo ele, têm o potencial de destruir bilhões de euros em ganhos para a indústria como um todo.
Os problemas devem se intensificar neste ano, quando vencerem os contratos de leasing de três anos de muitos dos 1,2 milhão de veículos elétricos vendidos na Europa em 2021 e eles entrarem no mercado de usados.
A forma como as empresas enfrentarão esse problema será fundamental para seus resultados financeiros, a confiança do consumidor e, em última instância, a descarbonização — incluindo o plano da União Europeia de eliminar as vendas de novos carros a combustível fóssil até 2035.
“Não há demanda por carros elétricos usados”, disse Matt Harrison, diretor de operações da Toyota na Europa. “Isso prejudica a história do custo de propriedade.”
As empresas podem direcionar os carros elétricos para serviços de mobilidade e startups de compartilhamento de carros, mas há demanda limitada desses negócios.
Carros a combustão indesejados frequentemente acabam na África, onde seu estado precário causa problemas de poluição. Esse mercado está praticamente fechado para os veículos elétricos, pois os países do continente em sua maioria não possuem infraestrutura viável para carregar as baterias.
A China oferece um exemplo de cautela. Subsídios transformaram o país em uma potência de veículos elétricos, mas também produziram cemitérios cheios de veículos elétricos abandonados.
Quaisquer imagens semelhantes na Europa ou nos Estados Unidos podem fortalecer os apelos de políticos conservadores para reduzir a ajuda à indústria, à medida que eleições importantes são realizadas nos EUA e na Europa em 2024.
Sinais de alerta em torno dos veículos elétricos apareceram no início deste ano, quando a Tesla começou a cortar agressivamente os preços para impulsionar as vendas. Isso desencadeou uma guerra de preços, reduzindo a lucratividade para algumas montadoras e aumentando as já acentuadas perdas para outras.
Os preços dos carros elétricos usados caíram cerca de um terço no ano até outubro, em comparação com uma queda de apenas 5% no mercado de usados em geral, segundo dados de vendas do iSeeCars.com, um site que classifica carros e revendedores. Os carros elétricos usados levam mais tempo para vender do que os modelos a gasolina, mesmo após cortes significativos nos preços, disse o grupo.
Na Alemanha, maior mercado automotivo da Europa, a maioria dos veículos novos é inicialmente vendida como carros corporativos ou de frota e depois retorna ao mercado privado de usados um a três anos depois.
Mas, com a redução das encomendas até mesmo para novos veículos elétricos, cada vez mais modelos usados têm ficado nos estandes por mais de 90 dias, o que significa que se tornaram um “inventário de risco”, de acordo com a pesquisadora de mercado Deutsche Automobil Treuhand.
“É necessário reduzir os preços significativamente apenas para fazer com que os clientes olhem para os carros elétricos”, disse Dirk Weddigen von Knapp, que lidera um grupo de revendedores da VW e Audi.
Parte do problema é que a indústria lida com carros elétricos usados pela primeira vez. Enquanto carros a combustão podem ser rapidamente avaliados por sua idade e quilometragem, não há testes em uso generalizado que determinem a qualidade de uma bateria, disse Weddigen von Knapp.
A bateria representa cerca de 30% do valor de um carro elétrico, uma fatia que se espera diminuir nos próximos anos, segundo a BloombergNEF.
É verdade que alguns veículos elétricos estão se saindo bem anos após seu lançamento, com uma degradação de bateria inferior ao esperado, disse Mike Tyndall, analista do HSBC.
Os Teslas podem ser vendidos rapidamente no mercado de segunda mão devido à reputação da marca como líder em tecnologia e suas atualizações regulares de software. O carro elétrico i3 que a BMW AG lançou há uma década até desenvolveu um grupo de fãs.
Ainda assim, a maioria dos consumidores permanece relutante em comprar carros elétricos usados. Os fabricantes já trabalham em novas tecnologias de bateria, incluindo as de estado sólido, que prometem carros mais baratos com alcances mais longos e carregamento mais rápido.
Empresas como Mercedes-Benz e BMW anunciaram planos de lançar vários veículos elétricos de próxima geração por volta do meio da década, enquanto Volkswagen, Stellantis e Renault desenvolvem modelos custando € 25.000 ou menos.
A Ayvens, uma empresa de gestão de frota que lida com cerca de 3,5 milhões de veículos, disse que a incerteza em torno da tecnologia de veículos elétricos convencerá mais clientes a fazer leasing em vez de comprar, acelerando a transição de possuir um carro para dirigir mediante pagamento de uma taxa.
“Os veículos elétricos impulsionam a transição da propriedade para o uso pelos usuários”, disse Annie Pin, diretora comercial da Ayvens.
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