Bloomberg — Quando o petróleo ultrapassou os US$ 90 há poucos dias, as tensões militares entre Israel e Irã foram o gatilho imediato. Mas os fundamentos da recuperação do setor foram mais profundos: choques de oferta global estão intensificando os temores de um ressurgimento da inflação impulsionada pelas commodities.
Uma medida recente do México para reduzir as suas exportações de petróleo bruto está elevando a pressão global sobre o setor, levando refinarias nos Estados Unidos, maior produtor do insumo no mundo, a consumir mais barris nacionais.
As sanções americanas levaram as cargas russas a ficar encalhadas no mar, sendo o abastecimento venezuelano um próximo alvo potencial. Os ataques rebeldes Houthi a petroleiros no Mar Vermelho atrasaram os embarques de petróleo bruto. E apesar da turbulência, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e seus aliados persistem nos cortes de produção.
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Tudo isso contribui para uma magnitude de interrupção da oferta que apanhou os traders de petróleo de surpresa. A crise está impulsionando a recuperação da commodity antes da temporada de verão nos Estados Unidos, ameaçando empurrar o Brent, referência global, para US$ 100 pela primeira vez em quase dois anos.
Isso amplia as preocupações com a inflação que estão pairando sobre as possibilidades de reeleição do presidente americano, Joe Biden, e impactando as decisões dos bancos centrais sobre cortes de juros.
No caso do petróleo, “o maior impulsionador neste momento está do lado da oferta”, disse Amrita Sen, fundadora e diretora da Energy Aspects, em entrevista à Bloomberg Television. “Temos visto alguns pontos de fraqueza na oferta e a demanda, em base global, é saudável.”
Os embarques de petróleo do México, um importante fornecedor das Américas, caíram 35% no mês passado, para o nível mais baixo desde 2019, enquanto o presidente Andrés Manuel López Obrador tenta cumprir as promessas de afastar o país das dispendiosas importações de combustíveis.
As exportações do México -- do tipo pesado e denso que muitas refinarias são concebidas para processar -- deverão agora diminuir ainda mais, uma vez que a empresa petrolífera estatal Pemex cancelou alguns contratos de fornecimento a refinarias estrangeiras, informou a Bloomberg News na semana passada.
Essa decisão abalou os mercados petrolíferos em todo o mundo. O Mars Blend, um petróleo bruto ácido de média densidade da Costa do Golfo dos Estados Unidos, teve um prêmio em relação ao West Texas Intermediate (WTI), mais leve, a referência nacional. O Mars geralmente é negociado com desconto em relação ao WTI.
O Brent atingiu US$ 90 por barril na quinta-feira (04), o maior valor desde outubro, e ampliou os ganhos na sexta-feira (05). O JPMorgan Chase disse que pode atingir US$ 100 em agosto ou setembro.
O petróleo canadense Cold Lake cotado na Costa do Golfo foi negociado com o menor desconto em relação ao WTI em quase um ano. Os principais indicadores do petróleo do Oriente Médio, como os contratos de Omã e do Dubai, também estão subindo.
Antes da decisão do México, houve uma sequência de interrupções no fornecimento, grandes e pequenas. Em janeiro, o frio corroeu a produção de petróleo bruto e os estoques nos Estados Unidos, num período em que normalmente cresceriam, mantendo os estoques abaixo das médias sazonais até ao final de março.
Redução dos fluxos
O México, os Estados Unidos, o Catar e o Iraque reduziram os seus fluxos de produção combinados de petróleo em mais de um milhão de barris por dia em março, mostram dados compilados pela Bloomberg. Bagdá prometeu limitar a produção para compensar o não cumprimento de compromissos anteriores com a OPEP+.
Para aumentar a tensão, os Emirados Árabes Unidos, membro da OPEP, reduziram os embarques do petróleo Upper Zakum em 41% em março na comparação com a média do ano passado, de acordo com dados da empresa de inteligência marítima Kpler. A petrolífera estatal está desviando mais fornecimentos desse petróleo para a sua própria refinaria, disseram traders.
Embora os cortes fossem esperados e a Abu Dhabi National Oil esteja oferecendo aos compradores outro tipo de petróleo bruto como substituto, o declínio nas exportações do Upper Zakum está contribuindo para preços regionais mais elevados no meio da restrição mais ampla da OPEP+.
Entretanto, os mercados de petróleo na Europa foram ainda mais pressionados pelos ataques Houthi no Mar Vermelho, que enviaram milhões de barris de petróleo num desvio em torno de África, atrasando alguns fornecimentos durante semanas.
As perturbações num importante oleoduto do Mar do Norte, a agitação na Líbia e um oleoduto danificado no Sudão do Sul também contribuíram para a recuperação, enquanto as sanções dos Estados Unidos privaram a Rússia de petroleiros que anteriormente transportavam o seu petróleo para compradores, incluindo a Índia.
A crise na oferta poderá se tornar ainda mais aguda nas próximas semanas. Com o presidente da Venezuela Nicolás Maduro sem dar sinais de cumprir as promessas de avançar em direção a eleições livres e justas, a administração Biden poderá reimpor sanções este mês.
O mercado de petróleo mais pesado e mais sujo “está em baixa já há algum tempo, mas este aperto nos mercados de óleo tight e as perspectivas para a temporada de verão nos Estados Unidos sugerem que o mercado está deixando o pior para trás”, disse Samantha Hartke, analista da Sparta Commodities.
É um forte contraste com o de apenas alguns meses atrás, quando o petróleo caiu para mínimas em vários meses, à medida que a produção dos Estados Unidos aumentava e as exportações marítimas de petróleo bruto da Rússia aumentavam apesar das sanções, que desde então foram ampliadas. A autoridade de energia americana, depois de prever que os estoques globais permanecerão inalterados neste trimestre, prevê agora que cairão 900.000 barris por dia. Isso equivale à produção de Omã.
Demanda sazonal
O aperto na oferta ocorre à medida que a demanda aumenta. As refinarias dos Estados Unidos estão se preparando para aumentar a produção de combustível para o verão, quando milhões de americanos pegam as estradas e o consumo de gasolina atinge o pico.
Os estoques de gasolina na populosa Costa Leste estão diminuindo e a atividade industrial americana e na China também sinaliza um aumento no uso de combustível. Na Ásia, as margens de refino são cerca de 50% superiores à média sazonal de cinco anos, sugerindo uma demanda saudável.
A recuperação do petróleo prejudicou os planos da administração Biden de reabastecer as reservas petrolíferas de emergência dos Estados Unidos, que atingiram o mínimo de 40 anos após uma redução sem precedentes após a invasão da Ucrânia pela Rússia.
É também um risco político para Biden, uma vez que os preços dos alimentos e da energia permanecem elevados. O avanço do petróleo ameaça empurrar a gasolina no varejo, agora perto da média diária nacional de US$ 3,60 por galão, para US$ 4. Isso contribui para a preocupação de que as commodities possam reverter o recente abrandamento nos ganhos dos preços ao consumidor.
Os preços do petróleo estão agora impulsionando a inflação nos Estados Unidos. Isso pode ficar novamente evidente no índice de preços ao consumidor de março, previsto para quarta-feira (10), uma vez que o índice global deverá acelerar numa base anual, enquanto a métrica central -- que exclui alimentos e energia -- deverá registar uma queda.
A subida do preço do petróleo poderá, em última análise, forçar a OPEP+ a reduzir alguns cortes de produção, disse Vikas Dwivedi, estrategista global de petróleo e gás do grupo Macquarie. E o petróleo substancialmente acima dos US$ 90 pode levar à destruição da demanda global e, em última análise, à queda dos preços, segundo a JPMorgan. Mas até agora, há poucos sinais de que isso possa acontecer.
“É um mercado com bases sólidas e fundamentais, sem dúvida. Penso que o petróleo a US$ 100 é real, mas apenas requer um pouco mais de precificação do risco sobre o verdadeiro risco geopolítico”, disse Bob McNally, fundador da consultora Rapidan Energy Group e antigo conselheiro da Casa Branca, numa entrevista à Bloomberg Television.
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