Bloomberg — O gigante do e-commerce latino-americano Mercado Livre invade cada vez mais o território de uma empresa que se tornou uma grande história de sucesso da região, o Nubank, em uma disputa por liderança que moldará a indústria financeira nos próximos anos.
Os líderes das duas companhias são rivais amigáveis que surgiram juntos na cena de startups, e ambos minimizam a ideia de que brigam pelo mesmo espaço.
Mas o Mercado Livre (MELI) tem dezenas de milhões de usuários que compram e vendem em sua plataforma e fornecendo dados que podem ser cruzados para ajudar nas decisões de crédito e nas ofertas de produtos como seguros e investimentos. Com isso, avança no terreno do Nubank.
Ambos fazem investidas agressivas com produtos financeiros no México, o que pode determinar quem será o vitorioso na América Latina se ambos conseguirem entrar nesse grande mercado, mas notoriamente difícil.
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Os dois players também competem cada vez mais por usuários brasileiros já acostumados com tecnologia, Pix e cartões de crédito, e ambos estão presentes no mercado colombiano - menos desenvolvido, mas potencialmente interessante.
O Mercado Livre se tornou neste ano a empresa com maior valor de mercado na América Latina e chegou a valer US$ 94 bilhões. O Nubank (NU) ultrapassou o Itaú (ITUB4) para se tornar a maior empresa financeira da região, com market cap de US$ 58 bilhões.
À medida que acumulam clientes e influência, a dupla atrai novos usuários para o sistema bancário da região e pressiona o setor a oferecer mais serviços digitais.
“Precisamos ser mais rápidos do que eles são para acelerar a transição digital”, disse Andre Chaves, que lidera a unidade financeira do Mercado Livre, o Mercado Pago, no Brasil, em alusão ao Nubank.
“Estamos olhando para eles como uma referência, que devemos ultrapassar em velocidade de crescimento, mas não necessariamente superar.”
Osvaldo Gimenez, presidente global do Mercado Pago, coloca de outra forma: “Podemos nos tornar o maior banco digital do mercado latino-americano”.
A corrida entre o Nubank e o Mercado Pago “continua meio empatada”, com o Nubank à frente em crédito ao consumidor, enquanto o Mercado Pago tem um alcance muito maior em pequenas e médias empresas e faz mais empréstimos ao consumidor em sua plataforma digital de vendas, disse Sean Dunlop, analista sênior de ações da Morningstar.
“É improvável que tenhamos um vencedor nos próximos anos, dados os estágios iniciais de crescimento do mercado no Brasil e, particularmente, no México”, disse ele.
O maior desafio do Mercado Pago é que “ele ainda precisa ganhar experiência em crédito, e a curva de aprendizado será volátil, dada a sua natureza arriscada,” disse Neha Agarwala, analista do HSBC.
Estratégias diferentes, diz Vélez
O CEO global e cofundador do Nubank, David Vélez, disse que o Mercado Pago busca um segmento diferente do mercado.
“A maior diferença é que nos tornamos o banco principal para grande parte de nossos clientes”, disse Vélez. “Esse não é o caso do Mercado Pago. Eles são uma carteira na qual você deixa dinheiro e obtém crédito. Há um valor nisso, mas é uma estratégia fundamentalmente diferente.”
O Nubank há muito tempo apresenta a coleta e o cruzamento de dados sobre transações financeiras dos clientes como sua “receita secreta” de sucesso no crédito, uma maneira de determinar quem merece um limite maior ou um novo produto como um plano de celular.
O Mercado Livre tem sua plataforma de varejo online que a empresa usa para obter mais de 3.000 tipos de dados diferentes, insights que são valiosos em lugares em que históricos de crédito de clientes não são fáceis de obter.
Por exemplo, a empresa descobriu que usuários de celulares que mantêm seus dispositivos totalmente carregados são melhores pagadores do que aqueles que deixam os aparelhos descarregarem.
Gimenez, do Mercado Pago, teoriza que é porque as pessoas que são mais diligentes com seus telefones tendem a ser também mais responsáveis com suas finanças.
“Estamos analisando muitas informações”, disse ele. “E é assim que criamos modelos que são diferentes da indústria tradicional.”
O Mercado Livre opera em 18 países, enquanto o Nubank em apenas três até agora, mas o Mercado Pago ainda está em seus primeiros dias como um banco digital.
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O Mercado Pago tinha US$ 8 bilhões em ativos sob gestão no terceiro trimestre e 56 milhões de clientes ativos. Sua carteira de empréstimos aumentou 77%, para US$ 6 bilhões no terceiro trimestre, com a parcela de cartão de crédito quase triplicando em relação ao ano anterior, para US$ 2,3 bilhões.
Em comparação, o Nubank tinha quase 92 milhões de clientes ativos e US$ 28,3 bilhões em depósitos, um aumento de 60% em relação ao mesmo trimestre de 2023. Seu portfólio de crédito saltou cerca de 50% no período para US$ 21 bilhões.
No Brasil, onde o Mercado Pago obtém mais de 50% de sua receita, ele compete cada vez mais com o Nubank. Olhando para o tamanho da sua carteira de cartões de crédito no país, o Mercado Pago está hoje no ponto em que o Nubank estava em 2020, de acordo com analistas do Itaú BBA.
“Os cartões de crédito são a jóia da coroa do mercado bancário do Brasil”, disseram os analistas em um relatório, acrescentando que, sem uma forte presença nesse segmento, tornar-se o principal banco de um cliente é virtualmente impossível.
No negócio de adquirência no Brasil, que permite que os comerciantes cobrem os clientes usando máquinas de cartão, o Mercado Pago luta contra bancos estabelecidos, como a Rede, do Itaú, bem como com fintechs menores, como a Stone e o PagBank, listadas na Nasdaq e na NYSE, respectivamente.
O Mercado Pago aumentou sua participação de mercado de 1,5% em 2018 para 7%, de acordo com analistas do Itaú BBA, e esse crescimento alimenta uma lucratividade que é quase o dobro dos seus rivais.
“Os números mostram que o Mercado Pago está aumentando o volume de transações de pagamento em um ritmo mais rápido, com uma lucratividade maior e que não se reduz ao longo do tempo”, disse Pedro Leduc, analista do Itaú BBA. “Isso significa que eles não precisam pagar para obter participação de mercado, e isso é muito poderoso.”
Nubank e Mercado Pago também brigam cabeça a cabeça no México. O Mercado Pago oferece rendimentos mais altos para pessoas físicas ou jurídicas que deixam seu dinheiro em suas contas, o que dá à fintech acesso a um financiamento barato que o Nubank e outros bancos já têm na região.
Embora o Mercado Pago tenha começado depois no Brasil, ele pode ter uma vantagem sobre o Nubank no México, lar de cerca de 130 milhões de pessoas, por causa de seus dados sobre milhões de clientes pessoas físicas e jurídicas que acessam sua plataforma de varejo.
O México é um mercado atraente para fintechs no momento, de muito potencial, dado que a população continua “viciada” em dinheiro vivo e apenas cerca de 10% das pessoas têm um cartão de crédito com um banco.
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Na Argentina, o Mercado Pago já é a maior empresa em processamento de pagamentos online, com mais de 50% do mercado. O Mercado Livre foi fundado no país e construiu um sistema de pagamentos com uso de QR Code ao longo de vários anos que se tornou uma peça essencial da infraestrutura financeira.
O volume total de pagamentos realizados pelo Mercado Pago na América Latina atingiu US$ 51 bilhões no terceiro trimestre, um aumento anual de 73% considerando-se as taxas de câmbio locais.
Gimenez, que estudou na Universidade de Stanford com o cofundador e presidente do Mercado Livre, Marcos Galperin, iniciou o Mercado Pago no final de 2003 como uma plataforma de pagamentos para o negócio de varejo online do próprio Mercado Livre, que nasceu em 1999.
Mais tarde, o Mercado Pago passou a oferecer serviços de processamento de pagamentos para clientes, crédito para comerciantes e, mais recentemente, empréstimos para pessoas físicas e cartões.
O Mercado Livre e o Nubank se tornaram as principais empresas de tecnologia da América Latina para investidores globais, e seus market cap crescentes tornaram alguns de seus fundadores muito ricos.
Vélez e Galperin estão entre as 10 pessoas mais ricas da região de acordo com o Bloomberg Billionaires Index e até mesmo residem perto um do outro no Uruguai.
Gimenez disse que pensa cinco ou dez anos à frente. “É por isso que temos expandido nosso portfólio tão agressivamente no último ano, e acreditamos que continua a haver muitas, muitas oportunidades em toda a região.”
Seus modelos de crédito foram desenvolvidos na última década com uso de Inteligência Artificial (IA), disse Gimenez.
“Sempre que temos informações, somos agressivos”, disse ele. “Quando não temos informações, estamos dispostos a correr riscos porque estamos confortáveis com a forma como nossos modelos preveem a inadimplência.”
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