Maxmilhas pede recuperação judicial e põe ‘culpa’ na crise da 123milhas, sua dona

Dívidas chegam a R$ 226 milhões no caso da Maxmilhas, que foi adquirida em janeiro pela 123milhas, que declarou endividamento de R$ 2,3 bilhões

MaxMilhas segue decisão da controladora e pede RJ em Belo Horizonte, após fuga de clientes e bloqueios de valores
22 de Setembro, 2023 | 05:35 PM

Bloomberg Línea — A crise das plataformas de viagem que prometem e vendem passagens aéreas e pacotes com preços muito abaixo da média de mercado ganhou novo capítulo nesta sexta-feira (22) com o pedido de recuperação judicial da Maxmilhas, com dívidas que somam R$ 226 milhões.

Isso significa que a empresa que foi adquirida pela 123milhas no começo do ano quer deixar de pagar os credores, incluindo fornecedores, por um período que pode chegar a seis meses.

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“Ainda que a Maxmilhas tenha uma operação independente, o mercado de agências de turismo online tem sido bastante impactado, o que vem dificultando significativamente a capacidade financeira da Maxmilhas”, reconheceu a empresa em comunicado enviado nesta sexta.

Com dívida total de R$ 2,534 bilhões (somando agora o passivo da Maxmilhas), a 123Milhas suspendeu, no fim de agosto, emissões de passagens e pacotes, o que colocou o mercado online de passagens e pacotes na mira dos ministérios da Justiça e do turismo, com “explosão” do número de queixas de consumidores se dizendo lesados.

As duas empresas, ambas com em Belo Horizonte, protagonizaram, nos últimos anos, uma guerra de preços com players tradicionais do mercado de pacotes turísticos: ganharam espaço no segmento de consumidores de menor renda, majoritariamente da classe C.

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Trata-se de um segmento historicamente dominado por agências de viagem e liderado, em particular, pela CVC (CVCB3), que tem 51 anos de fundação e também enfrenta dificuldades: com dívida bruta de R$ 750 milhões, recebeu recentemente um aporte de R$ 100 milhões da família Paulus, fundadora da companhia.

Com a crise do modelo de negócios do 123milhas e Maxmilhas, a CVC e o concorrente Decolar devem ser favorecidas com a tendência de migração de consumidores.

Dados preliminares das vendas realizadas entre 13 de agosto e 3 de setembro apontaram uma alta na demanda de 64% na Decolar e de 20% na CVC, segundo o Valor Econômico.

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O modelo de negócios da 123milhas foi analisado por Júlio Damião, presidente do IBEF-MG (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de Minas Gerais), em post no LinkedIn em agosto, reproduzido parcialmente em reportagem da Bloomberg Línea no dia 31 de agosto.

“Pensaram [liderança da 123milhas] o negócio de forma escalável (R$ 1,2 bilhão em marketing em 2022 e R$ 2,37 bilhões em marketing em 2021), não priorizando margem, ciclo financeiro e lucro”, disse

“A empresa vendia uma passagem aérea com um preço abaixo do mercado (Programa Promo 123), ficava com o dinheiro e comprava esta passagem (com milhas de outros clientes) dez dias antes da sua viagem, correndo o risco de pagar um preço maior ou menor. Em finanças, isto se chama especulação (opções de ações); em negócios, se chama ‘não fazer hedge’ (fazer importação sem ‘travar’ o dólar, apostando que a cotação não vai subir até o dia do pagamento)”, explicou o especialista em finanças.

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Esse “descasamento” de caixa chegou a R$ 2,3 bilhões, o valor apontado da causa no pedido de recuperação judicial. No aditivo protocolado ontem, esse valor foi retificado para a R$ 2,534 bilhões, incluindo os R$ 226 milhões referentes às dívidas relacionadas à Maxmilhas.

O presidente do IBEF-MG destacou que a 123milhas “financiou a sua operação ineficiente através de juros de recebíveis a 0,3% ao mês, e, quando passou para 1,5% ao mês, ‘a água começou subiu no pescoço’.”

A compra justamente da concorrente Maxmilhas no início do ano - “ganhar escala sem sinergia” - reduziu ainda mais o caixa. “Tentaram fazer o que as fintechs em dificuldades fizeram, buscar um investidor ou fundo para conter a sangria do caixa - “ofereceram 30% da empresa a R$ 100 milhões”. Mas não obteve sucesso.

O que acontece agora

A Maxmilhas disse no comunicado que evitará, se possível, a suspensão de pacotes e viagens. A Justiça ainda não havia divulgado decisão aceitando o pedido de recuperação judicial até às 16h desta sexta.

“A empresa avalia que, desta forma, poderá acelerar a quitação de todos os valores devidos e restabelecer o mais rapidamente possível seu equilíbrio financeiro e operacional”, afirmou.

A companhia disse ainda não ter nenhuma pendência trabalhista entre os débitos contemplados no pedido de RJ e que mantém suas atividades. Em dez anos de atuação, a Maxmilhas afirmou já ter viabilizado mais de 12 milhões de viagens no Brasil e no mundo.

O que diz o pedido de RJ

O documento protocolado na 1 ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte com o pedido de RJ da Maxmilhas identifica como requerentes a MM Turismo & Viagens S.A., referente à Maxmilhas, e a Lance Hotéis Ltda em conjunto com a 123 Viagem e Turismo e a Novum Investimentos Participações. O pedido foi elaborado pelos escritórios TWK e Bernardo Bicalho Advogados.

Ao justificar o pedido, os advogados citaram risco de suspensão das atividades pela Maxmilhas.

“Dada a gravidade da crise que vem sendo enfrentada pelas Requerentes, com diversas determinações de bloqueios, escassez de acesso a crédito e vencimento antecipado de contratos, não lhes restou alternativa que não o protocolo do presente pedido nesta data, sob pena de não conseguirem preservar suas atividades”, escreveram.

A decisão de pedir RJ foi associada à repercussão negativa envolvendo a 123milhas, segundo o documento.

“O noticiado ajuizamento da presente Recuperação Judicial causou grande comoção, sendo publicadas inúmeras matérias jornalísticas sensacionalistas a respeito da situação econômica das Recuperandas, o que contaminou a credibilidade das Requerentes, que compartilham quadros societários”, argumentou a defesa.

O documento detalhou o impacto da recuperação judicial da 123Milhas na contabilidade da Maxmilhas. Após o pedido de RJ da 123milhas, a Maxmilhas reporta que seu faturamento caiu, em 30 dias, 70% na venda de passagens aéreas e 90% na venda de hospedagens.

“Houve o rompimento de contratos e a corrida de entidades para ajuizarem ações judiciais com pedidos liminares de bloqueios de valores, que podem ser fatais”, acrescentou a petição.

Mais de 950 processos

A Maxmilhas poderá ser citada em nova leva de processos. “Foram monitorados, ainda, 959 processos distribuídos nos quais as requerentes ainda não foram citadas, o que demonstra o evidente perigo de dano e risco ao resultado útil do processo no caso em tela”, informou a petição.

Segundo o documento, existem 385 processos de cobrança, dos quais 67 casos com liminares concedidas em seu desfavor.

“Já foram deferidos oito pedidos de constrição sobre as contas das requerentes, relativos a créditos sujeitos ao presente feito, os quais totalizam R$ 84.579,94, tendo a quantia de R$ 34.428,36 já sido efetivamente foi bloqueada”, detalhou.

O Banco do Brasil é apontado como o principal credor da 123milhas (R$ 74,3 milhões) e da Maxmilhas (R$ 18,9 milhões), seguido pela Europlus Viagens e Turismo (R$ 8,2 mllhões), LDS Operadora Turística (R$ 7,4 milhões) e Flytour (R$ 7,3 milhões), citou reportagem do Valor Econômico, que listou ainda como credores Sicoob (R$ 2,1 milhões), Bradesco (R$ 990 milhões) e Santander Brasil (R$ 500 mil).

‘Efeito cascata’

“Não se trata de um pedido autônomo de RJ [recuperação judicial] mas uma emenda ao pedido da 123milhas para inclusão da Maxmilhas e da Lance Hotéis Ltda., em consolidação processual. Segundo a petição, teria havido uma espécie de ‘efeito cascata’, pois o pedido de recuperação da 123milhas teria afetado empresas do grupo que, à época, não estariam em dificuldades”, disse o advogado Leonardo Ribeiro Dias, head de Contencioso, Arbitragem e Insolvência do Marcos Martins Advogados, à Bloomberg Línea.

Na visão do advogado, 123milhas e Maxmilhas perderam acesso a crédito no mercado, não podem receber mútuos intercompany e experimentaram queda de faturamento e de vendas

“As razões para os problemas da 123milhas e de empresas do mesmo grupo são específicas e decorrem principalmente de um modelo de negócios que foi, no mínimo, equivocado e acarretou uma crise de confiança nos consumidores e no mercado em geral em relação à 123milhas, o que atingiu diretamente outras empresas do grupo”, avaliou o Dias.

- Com colaboração de Tamires Vitorio.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.