IPO da Shein nos EUA entra na mira de Pequim e terá de passar por análise regulatória

Comissão de valores mobiliários do país avalia que a empresa está sujeita às regras sobre aberturas de capital no exterior, mesmo que não comercialize produtos na China

Shein
Por Sarah Zheng, Dong Cao e Pei Li
19 de Janeiro, 2024 | 02:24 PM

Bloomberg — Quando o gigante de fast-fashion Shein consolidou os planos para uma oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês) nos Estados Unidos no final do ano passado, a varejista online esperava não estar sujeita à revisão regulatória na China.

A empresa tinha várias razões para acreditar que poderia evitar o processo: embora tivesse sido fundada no país, a Shein nunca vendeu produtos na China e transferiu a sede global para Singapura anos atrás.

Embora a companhia tenha vastos dados de preferências dos usuários, usados para criar peças de roupas modernas e baratas capazes de concorrer com as vendas da Amazon (AMZN) e da Zara, da Inditex, ela não captura informações sobre compradores chineses.

É algo que eliminaria, em tese, um risco de segurança que Pequim viu no IPO da Didi Global, dona do aplicativo de transporte 99 no Brasil, em 2021 e que levou à sua subsequente retirada da bolsa nos Estados Unidos.

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No entanto, quando a empresa procurou a Comissão Reguladora de Valores Mobiliários da China (CSRC, na sigla em inglês) em novembro em busca de esclarecimentos, o regulador foi claro. A Shein ainda precisaria passar por uma análise sob novas regras que exigem uma avaliação antes de um IPO fora da China.

A revelação lança uma sombra sobre a estreia na bolsa de uma companhia avaliada em cerca de US$ 90 bilhões, que poderia ser o quinto maior IPO de uma empresa de consumo de todos os tempos, e que muitos investidores contavam para impulsionar o estagnado mercado de IPOs asiáticos.

Também revive o temor de que Pequim possa mais uma vez apertar as restrições sobre o capital durante uma recessão econômica, com implicações incertas para empresas fundadas na China com aspirações de IPO.

Essa descrição, fornecida por pessoas familiarizadas com o assunto ouvidas pela Bloomberg News que pediram para não serem identificadas porque não estão autorizadas a falar publicamente, destaca as dificuldades enfrentadas por empresas globais de origem chinesa.

Além da Shein, empresas como TikTok, da ByteDance, e a Temu, da PDD Holdings, têm se esforçado para se distanciar de suas raízes chinesas na esperança de evitar ficar no fogo cruzado geopolítico entre Pequim e governos ocidentais, além da crescente vigilância na China, que pode prejudicar os planos de IPO no exterior. Contudo, a experiência da Shein mostra o alcance dos reguladores chineses.

A Agência de Ciberespaço da China (CAC, na sigla em inglês) investiga agora as práticas de manuseio e compartilhamento de dados da Shein como parte da autorização regulatória que a empresa precisa para ser listada em Nova York, disseram as fontes. O Wall Street Journal já havia noticiado a revisão da CAC nesta semana.

A análise da Shein pode levar meses para ser concluída, o que pode fazer o IPO atrasar, de acordo com especialistas legais. Enquanto isso, legisladores nos EUA instaram a Comissão de Valores Mobiliários (SEC, na sigla em inglês) a interromper o IPO até verificar se a empresa não utiliza trabalho forçado em sua cadeia de suprimentos.

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A CAC e a CSRC não responderam aos pedidos de comentários. Um porta-voz da Shein não respondeu a um pedido de comentário.

Mais escrutínio

Pequim aumentou a fiscalização sobre a segurança de dados entre empresas que buscam abrir capital no exterior após a gigante de transporte por aplicativo Didi prosseguir com uma listagem nos EUA em 2021, apesar do pedido dos reguladores para que fosse adiada devido a preocupações de segurança.

Dois dias após o IPO de US$ 4,4 bilhões, a CAC iniciou uma revisão de segurança cibernética da empresa, que resultou em uma multa de mais de US$ 1 bilhão por violação de leis que colocavam em perigo a segurança nacional. A Didi saiu da bolsa em 2022.

No início de 2022, novas regras emitidas pela CAC e agências governamentais que supervisionam desde a segurança do estado até os mercados financeiros determinaram uma revisão de empresas que detêm os dados pessoais de mais de 1 milhão de usuários antes de solicitarem uma listagem no exterior.

Regras divulgadas pela CSRC em fevereiro de 2023 afirmaram que o regulador valorizará o que chama de substância ao avaliar se uma listagem no exterior merece revisão.

A experiência da Shein, apesar de mudar sua sede para Singapura em 2021 e abrir centros de produção no Brasil, também pode servir como um alerta para outras empresas de tecnologia e comércio eletrônico. TikTok e Temu — ambas imensamente populares em países ocidentais — tendem a achar difícil evitar uma revisão se quiserem vender suas ações fora da China.

“Mesmo com todo o trabalho de relações-públicas e tentativas de abrir lojas fora da China, é preciso pensar em como o governo chinês vê isso”, disse Tiffany Wong, consultora em governança cibernética e dados da China na Albright Stonebridge Group. “Se pensar em como toda a cadeia de fluxo de dados dentro da empresa se conecta, ainda há uma conexão com a China”.

Dentro dos procedimentos

Embora a revisão da Shein pareça estar dentro do normal, a intervenção repentina dos reguladores de dados e do mercado lembra uma das pressões mais elevadas aos IPOs na história corporativa chinesa, quando uma investigação sobre a Didi forçou um campeão nacional a sair das bolsas americanas e amarrou os negócios da empresa em uma espécie de limbo regulatório do qual ela ainda não escapou totalmente.

Ainda assim, a fiscalização não atrapalhará necessariamente o plano de IPO da empresa e pode ser em grande parte processual, disse Tom Nunlist, analista sênior da consultoria Trivium, sediada em Pequim.

A revisão também não indica que a Shein está sendo alvo, especialmente porque a CAC tem sido pressionada nos últimos meses para flexibilizar suas restrições de dados, acrescentou ele.

A China propôs flexibilizar suas rígidas regras para fluxos de dados no exterior em setembro passado, à medida que empresas estrangeiras levantam preocupações sobre o difícil e longo processo para obter uma avaliação de segurança.

As leis de dados têm causado ansiedade para multinacionais, forçando até algumas das maiores instituições financeiras do mundo a isolar suas operações na China.

O país agora tenta atrair de volta investidores estrangeiros em meio a uma desaceleração econômica. As autoridades podem adotar uma postura mais favorável em relação ao IPO da Shein do que poderiam nos dias da repressão da Didi, quando preocupações com segurança de dados envolveram Pequim.

“Contrariamente ao caso da Didi, a Shein é uma empresa de fast fashion e seus dados não são super sensíveis”, disse You Chuanman, especialista em dados da Universidade Chinesa de Hong Kong em Shenzhen.

“Os dados da Shein são principalmente corporativos e dados de cadeia de suprimentos, já que seu negócio visa usuários no exterior, então, embora sejam obrigados a passar por esse processo de avaliação de segurança, isso é apenas parte do novo procedimento regulatório”.

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