Investimento em vinícola no Brasil não é hobby e vai dar retorno, diz fundador da WNT

Valério Marega Jr. começa a produzir vinho em Uberaba e diz à Bloomberg Línea que vê potencial de ganhar dinheiro com a bebida e com o enoturismo; ‘Ninguém está entrando nessa para perder dinheiro’

Wine grapes during the harvest at a vineyard in Orvieto, Italy, on Tuesday, Sept. 3, 2024. Italy's coalition pledged to get the country's budget deficit back under the European Union's limit by 2026, in a move probably boosted by a revision to pandemic-era data. Photographer: Krisztian Bocsi/Bloomberg
Por Daniel Buarque
23 de Fevereiro, 2025 | 08:29 AM

Bloomberg Línea — Uma piada popular no mundo dos vinhos diz que a melhor forma de fazer uma pequena fortuna com uma vinícola é começar com uma grande fortuna. São tantos custos, riscos e desafios, que não é um investimento simples, e é difícil ter um retorno financeiro satisfatório - em qualquer parte do mundo.

Essa imagem contrasta com o rali que parece acontecer especialmente no Sudeste do Brasil, onde mais de duas centenas de novas vinícolas estão sendo instaladas. Somente na região de Andradas e Espírito Santo Pinhal, entre São Paulo e Minas Gerais, há em torno de 60 novas fazendas plantando uvas para produzir vinhos.

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Para quem olha de fora, pode parecer um gasto com hobby ou em busca de status, uma brincadeira de milionários, já que a perspectiva de ganhar dinheiro seria baixa. Mas essa é uma interpretação errada, segundo Valério Marega Jr., investidor da gestora WNT e dono da vinícola Arpuro, a 50 quilômetros de Uberaba, em Minas Gerais, que acaba de lançar suas primeiras garrafas.

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“Ninguém está entrando nessa para perder dinheiro. Todo mundo está embarcando porque o potencial de ter retorno é muito alto”, disse, durante um almoço em São Paulo, enquanto tomava duas garrafas de um aclamado vinho da vinícola Pioli, de Jacutinga, Minas Gerais.

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“Não é hobby para ninguém. Empresário não entra em negócio para perder dinheiro. Não estamos fazendo vinho como se estivéssemos comprando uma obra de arte, um Monet. Não é coisa de bilionário excêntrico. Vai dar retorno”, disse.

Do lixo ao glamour

Marega Jr. se consolidou no mercado investindo em empresas que passam por problemas. Ele ajuda a recuperar das dificuldades. No dia a dia, “ganho dinheiro com empresas em dificuldade”, diz, em tom de brincadeira.

Durante a pandemia, ele se refugiou na fazenda de criação de gado da família em Uberaba e percebeu que não conseguia fazer churrasco à noite porque fazia muito frio, mesmo que tivesse feito calor durante o dia.

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“Nessa época, percebi que a amplitude térmica seria boa para plantar videiras, e que conheci a técnica da dupla poda, que agora permite fazer bons vinhos no inverno no Sudeste”, disse. “Decidi plantar uva.”

Vinícola Arpuro em Minas Gerais

O empresário se refere a uma técnica que inverte o ciclo natural das videiras para permitir que a colheita ocorra na época mais seca no Brasil, o que rende frutas com maior qualidade para gerar bons vinhos.

Para isso, contou com a experiência da fazenda da família e com a ajuda de especialistas contratados para desenvolver a cultura vinícola no interior de Minas Gerais. Passou a experimentar em uma área de 5 hectares da fazenda, viu que o projeto tinha futuro e ampliou para os atuais 16 hectares dedicados às uvas.

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“O Brasil é o maior exportador de soja, de milho, de carne de porco. Somos os mais eficientes produtores de alimentos do mundo”, disse. “Já tínhamos a área, agora, com a dupla poda, temos uma técnica única, que nenhum outro lugar do mundo tem. E investimos em maquinário novo e moderno, com a melhor tecnologia do mundo.”

A ideia de transformar parte da propriedade em uma vinícola também é uma forma de tentar valorizar a cultura local. “A fazenda de soja tem dificuldade em fazer um sucessor na família. Ninguém quer ficar no campo. Não tem glamour. A vinícola é diferente. A cultura da uva atrai mais os jovens, traz de volta a segunda ou a terceira geração para o campo. A vinícola tem glamour e desafia a soja.”

Retorno múltiplo

Marega Jr. não revela o total investido na instalação da vinícola. Segundo ele, os custos são altos e têm que ser pensados a longo prazo, já que o tempo de plantação até uma colheita de qualidade é longo, e o tempo de preparo e maturação do vinho com qualidade também demora. Segundo ele, entretanto, os gastos oscilam entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão por hectare dedicado ao vinho.

Apesar do foco na produção da bebida, o empresário desde o princípio percebeu que o retorno não viria só da venda da bebida. Ele tem dado atenção especial ao potencial do enoturismo, que tem feito a diferença no investimento em vinícolas no país.

“Por que existem mais de 200 vinícolas em construção? O retorno em enoturismo já é maior do que na venda de vinhos. 14 mil pessoas visitam a Vinícola Goes, em São Roque, todo fim de semana. Todo mundo que está investindo em vinícola pensa no enoturismo”, disse.

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No caso da Arpuro, antes mesmo de ter o vinho pronto para a distribuição, a fazenda já oferecia uma experiência especial de visita à vinícola. Em seu primeiro ano em atividade, a vinícola já recebia em média entre 70 e 80 pessoas por dia nos fins de semana.

Por R$ 390, os turistas podem conhecer a propriedade, experimentar outros vinhos da região (enquanto os da vinícola não estavam prontos), passear, e tirar fotos. “A visita já vale muito antes mesmo de o vinho estar pronto. Não é só o vinho, é a experiência”, afirmou. Somente as visitas já geram um retorno de até R$ 250 mil por mês. “Estou ganhando dinheiro desde antes de ter o vinho para vender”, disse Marega Jr.

No total, segundo ele, o apelo do enoturismo deve responder por 50% do retorno que espera ter com o investimento na vinícola.

Bebida de qualidade

Mas Marega Jr. deixa claro que os vinhos não são coadjuvantes, e que a ideia é produzir uma bebida de alta qualidade na Arpuro.

O primeiro lote da bebida começou a ser envasado na virada do ano. A vinícola começa com quatro variedades de vinhos tintos, brancos e rosés, em um total de mais de 15 mil garrafas. A produção deve incluir espumantes e chegar a 60 mil garrafas por ano no futuro.

A venda deve ocorrer especialmente na própria Arpuro, com foco no público do enoturismo e em quem passa pela região. “Mais de 20 mil carros passam todos os dias pela estrada em frente à fazenda. É um público em potencial para visitar a vinícola e comprar o vinho.”

Um dos principais desafios, segundo ele, é vencer o preconceito de quem não conhece o vinho brasileiro, e muito menos feito no Sudeste. Isso porque muitos consumidores ainda se preocupam com a ideia de status ao beber vinho. Mas, segundo ele, a qualidade que a sua vinícola e outras novas entregam é capaz de convencer quem tiver interesse.

“O que vai virar a chave é a nossa eficiência e a qualidade do produto quando for degustado às cegas, e sem preconceito”, disse. Esse alto nível é garantido, segundo ele, justamente pelo enoturismo, que oferece uma margem de manobra para a vinícola. Eles não precisam produzir grandes quantidades ou fazer vinhos que deem lucro em si, e podem investir na qualidade dos vinhos.

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Daniel Buarque

Daniel Buarque

É doutor em relações internacionais pelo King’s College London. Tem mais de 20 anos de experiência em veículos como Folha de S.Paulo e G1 e é autor de oito livros, incluindo 'Brazil’s international status and recognition as an emerging power', 'Brazil, um país do presente', 'O Brazil é um país sério?' e 'O Brasil voltou?'