Bloomberg Línea — O ambiente econômico desafiador que impacta o mercado de fusões e aquisições (M&A) no Brasil tem levado investidores a priorizar setores considerados estratégicos, de acordo com executivos dos principais bancos e escritórios de advocacia que atuam no segmento.
Infraestrutura, energia, saneamento, agronegócio e tecnologia devem continuar a ser as áreas que mais têm se destacado em M&As no Brasil, assim como já ocorreu no ano passado, segundo avaliações de executivos do Itaú BBA, do BTG Pactual, do J.P. Morgan e do Bradesco BBI, além dos escritórios Pinheiro Neto e Mattos Filho, entrevistados pela Bloomberg Línea.
São segmentos cujos negócios geram receitas recorrentes e tendem a ganhar impulso no longo prazo, independentemente dos ciclos econômicos do Brasil, segundo os executivos.
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Operações anunciadas em janeiro e fevereiro são exemplos disso, como a aquisição de uma usina hidrelétrica da Neoenergia por R$ 1,43 bilhão pela francesa EDF e a compra de 50% do capital da produtora de ovos Mantiqueira pela JBS (JBSS3).
Com a Selic atualmente em 13,25% ao ano, com perspectiva de chegar a 15%, o mercado de M&A enfrenta desafios. Para compradores, a taxa de juros elevada reduz a atratividade dos negócios. Para vendedores, fica mais difícil encontrar potenciais investidores interessados, o que tem impacto no preço.
Por outro lado, especialistas destacam uma mudança importante: os players de mercado estão agora mais proativos e não postergam mais decisões à espera de condições econômicas ideais.
Como resumiu Pedro Dias, sócio-diretor do Mattos Filho: “O mercado está cansado de esperar. Independentemente se suba ou não [a taxa de juros], tem se descolado desse compasso de espera”, disse.
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A expectativa para os próximos meses é a de negociações mais ágeis e estruturadas, com foco em operações que gerem valor real para as empresas, mesmo em um ambiente macroeconômico adverso.
Leia a seguir a avaliação dos executivos sobre o cenário para M&As no Brasil:
André Moor, head de investment banking do Bradesco BBI
André Moor, do Bradesco BBI (BBDC4), projetou que o mercado de fusões e aquisições em 2025 no Brasil será influenciado pelo ambiente de juros elevados e desaceleração econômica.
O executivo disse esperar um volume de negócios similar ao de 2024, com destaque para setores menos sensíveis ao ciclo econômico, como infraestrutura e saneamento.
“Existe um pipeline bem robusto de M&A de infraestrutura e saneamento. Também há muito deals de infraestrutura digital em construção, em data center e fibra óptica”, afirmou Moor.
O cenário de juros altos deve motivar negócios especialmente para empresas mais alavancadas, segundo ele.
“Os juros a 15% ao ano acabam acelerando as discussões. Porque se existe uma divergência de preço, cada mês a mais significa um custo alto. É preciso ser rápido nas decisões”, explicou.
Segundo Moor, o ambiente favorece compradores capitalizados: “É um mercado de comprador, como costumamos falar. Tem muitos que precisam do capital e poucos que têm o capital ou que querem colocar o capital para trabalhar.”
O executivo identifica diferentes motivações para as transações em 2025: desalavancagem por meio de venda de ativos ou entrada de novos sócios; fusões em busca de sinergias ou redução de custos; e movimentos oportunistas de players mais robustos que aproveitam o momento de mercado.
Moor disse notar um retorno recente de recursos ao país, influenciado pela percepção de que o Brasil pode se beneficiar relativamente no cenário global, especialmente dado o novo governo de Donald Trump.
Além de infraestrutura e saneamento, Moor mencionou oportunidades em educação, saúde e setores ligados a commodities, que têm dinâmica própria diante da exposição ao dólar.
Para setores mais dependentes da economia doméstica, o executivo apontou que o impacto dos juros altos e a desaceleração econômica serão determinantes para o ritmo de atividade.
Bruno Amaral, managing diretor de investment banking e sócio do BTG Pactual
Bruno Amaral, do BTG Pactual (BPCA11), apontou um panorama otimista para o mercado de M&A em 2025, apesar dos desafios em 2024. Segundo ele, o ano passado foi marcado por turbulências, especialmente no último trimestre, mas ainda assim registrou crescimento em número e em volume de operações.
Os setores mais tradicionais, como infraestrutura, energia, real estate e telecomunicações, foram os protagonistas das transações. Destacam-se operações como a venda da Wilson Sons e da Santos Brasil, privatizações de saneamento e movimentações no setor de energia.
O cenário internacional, especialmente com a transição e o início de governo de Donald Trump nos Estados Unidos, é favorável para o mercado de M&A, em sua visão.
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Ele avaliou que companhias americanas, beneficiadas por potenciais reduções de impostos, podem buscar expansão internacional, enquanto empresas europeias e asiáticas podem ver o Brasil como alternativa para diversificação, em meio às ameaças de tarifas comerciais dos Estados Unidos.
A desvalorização cambial brasileira também tem sido um facilitador para investidores estrangeiros. “Para quem está fora do Brasil, é uma oportunidade de fazer investimento no país com risco menor”, disse Amaral.
Ele antecipou um segundo semestre mais forte, com impulso de uma eventual redução de incertezas fiscais e do potencial estratégico do Brasil em áreas como commodities, transição energética e segurança alimentar.
“O fator principal em que temos que ficar de olho localmente é se haverá alguma melhora na percepção dos agentes com relação ao cenário fiscal”, disse.
Setores como consumo, varejo e tecnologia devem permanecer menos ativos em M&A enquanto as taxas de juros continuarem elevadas. A Selic mais alta, com perspectiva de chegar a 15% ao ano, drena recursos da renda variável para a renda fixa e impacta negativamente o ambiente de investimentos.
Apesar dos desafios, o sócio do BTG mostrou-se cautelosamente otimista e enfatizou que a previsibilidade é fundamental para as negociações de fusões e aquisições.
Carlos Lima, sócio do Pinheiro Neto e líder da prática de M&A
O mercado de fusões e aquisições brasileiro em 2025 apresenta um cenário desafiador, marcado por recuperação tímida e obstáculos econômicos, na visão de Carlos Lima, sócio do escritório Pinheiro Neto e líder da prática de fusões e aquisições.
Ele destacou a taxa Selic elevada como principal barreira, uma vez que desestimula investidores a assumirem riscos em novas aquisições, ainda mais em um ambiente econômico complexo, com inflação elevada e câmbio volátil.
Setores como tecnologia, energia e infraestrutura, no entanto, surgem como áreas que podem se destacar, diante das perspectivas positivas de longo prazo.
“A boa notícia é que todo mundo está olhando para a energia. Inteligência artificial, data centers, criptomoedas, tudo isso demanda um consumo de energia enorme”, disse o sócio do Pinheiro Neto.
As perspectivas para 2025 apontam para um cenário semelhante ao de 2024, quando houve uma recuperação dos negócios, embora com o número e o volume financeiro de operações ainda distantes dos recordes já registrados.
No ano passado, o Pinheiro Neto trabalhou em 138 operações de M&A, segundo o sócio. É um número maior do que os 131 deals de 2023, mas distante do pico de 210 operações em 2021.
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Nesse ambiente, segundo Lima, o mercado deve seguir mais focado em operações locais, com eventuais participações pontuais de investidores chineses e asiáticos.
“Quem está capitalizado hoje em dia dá as cartas”, disse Lima, indicando que empresas com reservas financeiras têm melhores condições de aproveitar as oportunidades no atual contexto econômico.
Marcelo Gaiani, CEO Brasil do J.P. Morgan
O novo CEO do J.P. Morgan no Brasil, Marcelo Gaiani, apresentou uma visão cautelosamente otimista para o mercado de fusões e aquisições em 2025, com base em uma combinação de fatores domésticos e internacionais favoráveis, embora também tenha apontado desafios.
“O Brasil está bem posicionado para aproveitar tendências globais, embora precise lidar com dinâmicas locais do mercado”, afirmou Gaiani, que destacou que empresas brasileiras têm intensificado sua busca por expansão internacional.
Setores em que o Brasil possui vantagens competitivas naturais, como o agronegócio e os de commodities e de energia, continuam a atrair forte interesse de investidores globais, segundo ele, em entrevista à Bloomberg Línea por e-mail.
Um fator importante é o movimento de otimização de portfólio por parte de empresas globais, que estão desinvestindo de ativos não essenciais e colocam foco em aquisições estratégicas. Esse cenário, segundo o executivo, deve contribuir para manter aquecido o mercado de M&A.
Gaiani ressaltou que o atual cenário de juros tem estimulado a busca por soluções menos comnvencionais.
“As taxas de juros, embora apresentem desafios, também incentivam abordagens inovadoras para a realização de negócios e soluções criativas na estruturação de acordos.” Ele mencionou especificamente o aumento de operações estruturadas, como transações de troca de ações.
O interesse internacional em ativos brasileiros permanece consistente, com destaque para áreas específicas.
“Setores como commodities, energia renovável, alimentos e agronegócio permanecem como grandes atrativos para investidores globais”, afirmou o CEO do J.P. Morgan (JPM) no Brasil, que acrescentou que o grande mercado consumidor interno brasileiro também atrai interesse para os segmentos de consumo e varejo.
Fundos soberanos, especialmente do Oriente Médio e da Ásia, são apontados como importantes players nesse mercado.
Entre os fatores que podem impactar negativamente o mercado em 2025, Gaiani citou riscos geopolíticos, mudanças na política tributária, tarifas e preocupações com a inflação.
Por outro lado, a expectativa de maior estabilidade nas taxas de juros globais e uma economia norte-americana mais forte são vistos como elementos positivos que podem reforçar a confiança dos investidores.
O setor de tecnologia é destacado como uma área promissora, com potencial de crescimento por meio de parcerias internacionais. O executivo também destacou o ambiente regulatório bem estruturado para fintechs no Brasil como um fator positivo que deve continuar a atrair investimentos internacionais.
Roderick Greenlees, global head do banco de investimentos do Itaú BBA
O mercado brasileiro de M&A deve manter um bom ritmo em 2025, em linha com tendências observadas em 2024, segundo Roderick Greenlees, global head do banco de investimento do Itaú BBA (ITUB4).
Segundo ele, o pipeline de operações do Itaú BBA está em nível historicamente elevado, indicando perspectivas positivas para M&As em 2025, apesar dos desafios macroeconômicos.
Os setores mais promissores incluem infraestrutura (portos, aeroportos, rodovias, ferrovias etc.), saneamento, energia (geração, transmissão e distribuição) e varejo em suas diferentes vertentes.
Por outro lado, setores como saúde, educação e real estate enfrentam desafios maiores devido às baixas avaliações das empresas listadas, que acabam servindo de referência também para ativos privados.
Duas principais tendências devem continuar em relação a 2024: fusões entre empresas do mesmo setor e grandes operações nas áreas de infraestrutura e energia, segundo Greenlees.
“No ano passado, houve um número grande de fusões entre companhias do mesmo setor, gerando sinergias, ganho de escala e aumento de market share em diferentes setores. Isso tende a continuar”, afirmou Greenlees.
O executivo citou como exemplos a fusão de Soma com a Arezzo no varejo de vestuário, da 3R com a Enauta no setor de óleo e gás e da Petz com a Cobasi no varejo pet, além das negociações, mais recentemente, da Gol com a Azul no setor aéreo.
Na área de infraestrutura e energia, houve a venda da AES Brasil para a Auren, além de duas grandes transações portuárias envolvendo a Santos Brasil e a Wilson Sons. “O Brasil é bastante deficitário na área de infraestrutura. O país demanda ainda muitos investimentos nesta área”, disse o executivo.
O cenário macroeconômico mais desafiador, com juros altos e expectativa de Selic a 15% em 2025, tende a impactar negativamente as avaliações das empresas. Isso dificulta especialmente operações envolvendo empresas listadas em bolsa, já que os acionistas resistem a vender por preços muito descontados.
Pedro Dias, sócio-diretor do Mattos Filho, e Rodrigo Figueiredo, sócio líder da prática de societário/M&A
Segundo Pedro Dias, sócio-diretor, e Rodrigo Figueiredo, sócio da prática de societário e M&A, do escritório Mattos Filho, 2025 deve ser marcado por uma recuperação gradual e mais estruturada dos negócios, embora não se caracterize como um ano de recordes.
Uma mudança fundamental é que compradores ou vendedores se cansaram de esperar uma melhora no ambiente macroeconômico. Isso tem beneficiado o processo de negociação e tem levado deals a evoluir mais rapidamente e a chegar a etapas mais avançadas.
Essa nova dinâmica se traduz em maior proatividade tanto de compradores quanto de vendedores para fechar negócio. “O mercado está cansado de esperar. Independentemente se suba ou não [a taxa de juros], o mercado tem se descolado desse compasso de espera”, disse Dias.
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O sócio-diretor do Mattos Filho destacou que players estão mais dispostos a fazer negócios, mesmo em um cenário não ideal, levando a convergência maior de expectativa entre comprador e vendedor.
A expectativa é que nos próximos três a quatro meses diversos deals em andamento possam ser concretizados, o que pode gerar um “efeito cascata” no mercado. “Esses deals se autoalimentam. Sai o deal, o concorrente avalia como ficou o mercado e pode decidir se movimentar”, afirmou.
Outra tendência é que os fundos de private equity, que estavam concentrados em infraestrutura e energia, começam a olhar novamente para setores tradicionais como saúde, educação, varejo e agronegócio.
A necessidade de capitalização de certas empresas e o custo “atrativo” do capital de fundos em comparação com o mercado de dívida também impulsionam essa movimentação.
Apesar da alta taxa de juros e das incertezas fiscais, ambos enxergam mais oportunidades de negócios. “O Brasil vai continuar. É uma geografia que sempre vai ter M&A”, disse Rodrigo Figueiredo.
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