GM encerra divisão da Cruise de robotáxi e vai na contramão de Tesla e Alphabet

Decisão da montadora acontece justamente quando a Waymo, da Alphabet, expande para mais cidades, e a Tesla, de Musk, planeja iniciar seu negócio de robotáxis em 2026

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Bloomberg — A CEO da General Motors, Mary Barra, vestida com sua jaqueta de couro característica e com máscara como nos tempos de pandemia, subiu em um robotáxi da Cruise para sua primeira viagem autônoma há quase três anos.

"Oh, meu Deus", exclamou ela em um momento que a GM promoveu com um vídeo. "Isso é incrível."

Três anos depois, a executiva mais poderosa e respeitada da indústria automotiva decidiu fechar o negócio, citando os altos custos para desenvolver a tecnologia e construir uma frota de carros em várias cidades. A empresa com sede em Detroit se retira de um mercado outrora promissor que se mostrou cheio de armadilhas de reputação.

Em vez disso, Barra incorporará a divisão Cruise às operações da GM com objetivos mais humildes, como o desenvolvimento de sistemas de segurança avançados para os veículos que vende e, um dia, oferecer a direção autônoma como um recurso em modelos futuros.

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Com a decisão de rebaixar o Cruise, a GM abre mão de se transformar em uma empresa de tecnologia multiplataforma que pretendia gerar uma receita de US$ 50 bilhões com tarifas e assinaturas de robotáxis até 2030.

A montadora pretendia dobrar sua receita até 2030 com base nos pilares de autonomia e veículos elétricos. Essa meta agora também parece remota sem o Cruise como um novo negócio e depois que a GM reduziu suas ambições de vendas de veículos elétricos.

“Analisamos a quantidade de dinheiro para implantar um negócio de robo táxis e para manter esse negócio e fazê-lo crescer, é um pouco de capital”, disse Barra aos analistas em uma ligação na terça-feira. “Um negócio de robo táxi não é o negócio principal da GM”.

Embora a GM desenvolva tecnologia autônoma, trata-se de uma grande retração para a empresa. A montadora de Detroit se propôs, há uma década, a se reformular como algo mais do que um mero fabricante de metais, em um ambicioso esforço para se manter competitiva com os gigantes do software do Vale do Silício na corrida pelos táxis autônomos.

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A mudança foi inesperada depois que a Cruise conseguiu sobreviver a um abalo entre as empresas de direção autônoma e a uma crise de robo táxis criada por ela mesma.

Rivalidade entre taxis autônomos

Ao todo, a GM investiu mais de US$ 9 bilhões na Cruise e, em determinado momento, rivalizou com a Waymo, da Alphabet, controladora do Google, pela supremacia do robotáxi em São Francisco e outras cidades.

A reviravolta ocorre no momento em que a Cruise retomou os testes e as operações após um incidente no ano passado em que um de seus carros arrastou e feriu um pedestre.

Antes desse passo em falso, a GM também operava veículos do tipo em Phoenix, Houston e Austin, no Texas, e preparava o terreno em outras cidades.

Agora, a GM recua justamente quando a Waymo expande para mais cidades e a Tesla planeja iniciar seu negócio de robo táxis em 2026.

O CEO da Tesla, Elon Musk, é agora uma das vozes mais influentes nos círculos do presidente eleito Donald Trump e tem pressionado por uma estrutura federal para carros autônomos.

Tanto a Alphabet quanto a Tesla têm capitalizações de mercado de trilhões de dólares que superam a avaliação de US$ 58 bilhões da GM.

Em vez de competir nessa corrida armamentista, Barra planeja combinar o trabalho que a GM fez ao desenvolver seu sistema de direção assistida Super Cruise com a experiência sem motorista.

A ideia é aprimorar ainda mais o Super Cruise, fornecendo um caminho para, eventualmente, lançar um sistema totalmente sem motorista para veículos vendidos a compradores de carros no varejo.

O abandono do desenvolvimento do robotáxi economizará para a GM mais de US$ 1 bilhão em custos anuais, disse a empresa. Ela está recomprando ações da Cruise e, por meio de acordos com outros acionistas, aumentará sua participação de 90% para mais de 97%.

Os investidores demonstraram alívio com a iniciativa da GM de reduzir suas perdas. As ações da montadora subiram 2,7% a partir das 16h26 em Nova York, após o fechamento do pregão regular.

Período tumultuado

Enquanto a GM cultivava o Cruise, ela atraiu bilhões em investimentos adicionais do Softbank, Honda, Microsoft, Walmart e T. Rowe Price.

A GM esperava levar os robôs táxis para dezenas de cidades - incluindo locais no exterior, como Tóquio - e, com a ajuda da Honda, estava desenvolvendo o Origin, um veículo totalmente autônomo que poderia acomodar até seis pessoas.

A GM encerrou o trabalho no Origin no início deste ano, e citou os custos de desenvolvimento e um longo processo para obter a isenção do veículo das regulamentações federais que exigem um volante e pedais de freio.

Um jornal japonês informou que a Honda agora planeja vender de volta sua participação para a GM e encerrar sua parceria de condução autônoma com a montadora.

A retirada encerra um período tumultuado para a Cruise. Um acidente com um pedestre levou a uma forte repressão por parte dos órgãos reguladores, com a Califórnia retirando a licença da Cruise para transportar passageiros e cobrar tarifas. A empresa suspendeu temporariamente sua frota em todo o país.

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Pouco tempo depois do incidente, o fundador da Cruise, Kyle Vogt, pediu demissão e, posteriormente, a empresa demitiu nove executivos de alto escalão e dispensou 25% da força de trabalho.

Vogt criticou a iniciativa da GM de cloroformizar a Cruise em um post na terça-feira (10) na plataforma de mídia social X, chamando seu antigo empregador de “um bando de idiotas”.

O fim do impulso do robo táxi leva a GM de volta ao ponto em que começou, em 1908, como fabricante e vendedora de carros, descartando seus sonhos do século XXI de explorar novos fluxos de receita oferecendo mobilidade como serviço.

Se a Waymo e a Tesla conseguirem criar negócios lucrativos de robotaxi, a GM pode acabar vendo o Cruise como uma oportunidade perdida, da mesma forma que agora vê o carro elétrico EV1. A montadora de Detroit desligou o plugue daquela tentativa revolucionária de um veículo elétrico comercialmente viável em 2003 - o mesmo ano em que a Tesla foi fundada.

"Em algum momento nos últimos 10 anos, eles tinham uma posição de liderança em autonomia que perderam", disse Reilly Brennan, cofundador e sócio da Trucks Venture Capital, que investe em autonomia, em uma entrevista. "Se eles pudessem ter esperado até que a Waymo fizesse seu IPO, teria sido uma ótima estratégia e poderia ter desbloqueado bilhões em valor."

Drenagem de dinheiro

O financiamento se tornou um problema para a Cruise. A GM disse em junho que deu à divisão US$ 850 milhões em dinheiro, o que foi suficiente para mantê-la no primeiro trimestre. A Cruise havia retomado a operação de carros com motoristas de segurança em Dallas e Houston e planejava testar veículos na Califórnia.

A GM disse que conversou com investidores em potencial, mas, mesmo com algum interesse, decidiu que o custo futuro do desenvolvimento de um negócio de robotaxis era maior do que a administração queria gastar.

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