Fusão Azul-Gol pode não resolver desafio de dívida, diz CEO da Latam Brasil

Jerome Cadier comenta potencial fusão entre concorrentes e afirma que a aviação no país tem margens operacionais saudáveis, mas o desafio é o financiamento dos ativos diante de juros elevados

Crédito: Roberto Setton
31 de Janeiro, 2025 | 11:58 AM
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Bloomberg Línea — O CEO da Latam Brasil, Jerome Cadier, disse que o setor de aviação no Brasil tem margens operacionais saudáveis, mas o desafio é financiar os ativos. Nesse contexto, ele afirmou ter dúvidas de que uma eventual união entre a Gol (GOLL4) e a Azul (AZUL4) resolveria o desafio de dívida das empresas.

“Quando olhamos para as margens operacionais do mercado brasileiro de aviação, são bastante saudáveis, mas o que existe é um nível de dívidas diferente em cada uma das companhias e um desafio de como financiar o ativo com as taxas de juros elevadas”, disse o executivo a jornalistas nesta sexta-feira (31).

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“Tenho dúvidas se uma associação resolve o problema de dívida”, afirmou.

Cadier ressaltou que é cedo para qualquer tipo de avaliação, uma vez que o memorando de entendimento (MOU) assinado pelas concorrentes sobre a fusão é “muito genérico”. “A proposta não está clara sobre como seria a combinação de negócios nem as medidas de mitigação que as duas empresas propõem.”

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O executivo apontou que a eventual fusão criaria uma companhia aérea com estimados 60% do mercado brasileiro de aviação, que atualmente é o quarto maior do mundo.

“Vimos várias tentativas de combinação de negócios de tamanho muito inferior em outros países que foram negadas. Temos certeza que o Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] fará uma análise em profundidade sobre a proposta e vai propor medidas de mitigação”, disse.

Em sua avaliação, as medidas de mitigação deveriam buscar a preservação da competitividade do mercado brasileiro. “Não queremos um mercado mais concentrado, com menos opções para os passageiros, preços mais altos e menor crescimento. Temos que evitar isso”, afirmou.

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Em entrevista recente à Bloomberg Línea, o CEO da Azul, John Rodgerson, afirmou que após uma eventual fusão as duas aéreas devem manter seus certificados operacionais e, portanto, as operações separadas.

O CEO da Azul destacou que os últimos anos têm sido desafiadores, com efeitos da pandemia, desvalorização cambial, problemas na cadeia produtiva de aeronaves e enchentes no Rio Grande do Sul. “Essa é uma maneira de fortalecer o mercado de aviação no Brasil”, disse na ocasião.

Rodgerson disse na ocasião ainda que a sobreposição de malhas da Gol e da Azul é de “apenas 10%”, o que não deveria criar, em sua avaliação, grandes desafios para a aprovação da operação no Cade.

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Para o CEO da Latam, o Cade sempre foi “muito técnico” e deve fazer uma análise com recomendações ponderadas. “Ainda tem muita coisa para acontecer ao longo do ano.”

“É óbvio que há uma tendência de concentração de mercado que precisa ser analisada cidade a cidade, não adianta olhar as métricas agregadas. Em alguns municípios, a concentração pode chegar a 90%”, disse.

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No aeroporto de Congonhas, em São Paulo, o executivo da Latam, que faz parte do Latam Group (formado a partir da fusão da brasileira TAM com a chilena LAN em 2012, LTM), ressaltou que a participação de mercado máxima permitida por companhia aérea é de 45%.

Trata-se de uma regra definida pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e validada pelo Cade. “Existe uma preocupação de concentração excessiva nesse aeroporto, assim como em todos os outros.”

Atualmente, a Gol está em processo de recuperação no Chapter 11 nos Estados Unidos (equivalente à recuperação judicial no Brasil). O grupo Latam aderiu ao mesmo mecanismo em 2020 e concluiu o processo em 2022. “A Latam saiu do Chapter 11 mais forte do que nunca. Se isso [fusão] é inevitável ou não, é difícil dizer agora”, disse Cadier.

Desempenho positivo

O CEO da Latam no Brasil deu as declarações por ocasião da divulgação do resultado trimestral do Latam Group, que encerrou 2024 com lucro líquido de US$ 977 milhões, quase o dobro do reportado no ano anterior, segundo informado nesta sexta-feira. No período, a companhia transportou 82 milhões de passageiros, recorde histórico.

As receitas operacionais somaram US$ 13 bilhões, um avanço de 10,6% sobre 2023. Já o resultado operacional ajustado alcançou US$ 1,6 bilhão em 2024, com margem operacional ajustada de 12,7%, um avanço de 1,5 ponto percentual em relação ao ano anterior. Foi outro recorde anual para o grupo.

“Tivemos resultados financeiros absolutamente recordes no ano - e sustentáveis. Temos uma preocupação quase que paranoica com custos”, disse Cadier.

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Ele apontou que o ambiente é de desafios significativos. “Estamos vivendo com muita volatilidade do câmbio”, disse o executivo, destacando que a companhia trabalha com uma média de dólar para o ano de R$ 5,80. A moeda operava nesta sexta pouco acima desse patamar, depois de ter iniciado o ano acima de R$ 6,00.

Cadier disse que, apesar dos juros altos, o grupo segue com receita “saudável” e custos de operação controlados, com parte importante da receita em dólar, o que acaba se traduzindo em um hedge (proteção) natural. “Estamos confiantes para os indicadores que traçamos para 2025.”

Crise na cadeia aeronáutica

Um grande desafio que afeta não só a Latam mas todo o setor de aviação é a crise global na indústria de motores de aeronaves, o que tem afetado a entrega de novos aviões e até a manutenção dos já existentes.

O CEO da Latam disse que o nível de produção e entregas de grandes players como Boeing (BA) e Airbus não voltou aos patamares pré-pandemia.

“Não só no Brasil como no mundo todo as companhias aéreas gostariam de ter mais aviões. Os motores têm que ser enviados para manutenção mais frequentemente do que antes”, disse Cadier.

Ele esclareceu que não se trata de falta de peças, mas uma longa fila de espera para manutenção dos motores.

Segundo a Latam, o grupo recebeu 16 aeronaves no ano passado, somando uma frota total de 347 aviões.

“Continuamos a buscar aeronaves para atender o nosso crescimento no mercado brasileiro. Começamos a procurar alternativas para além da família A320 [da Airbus] que operamos”, disse o executivo.

“Não descartamos eventualmente buscar frotas novas, seja da Embraer, seja o A220 [também da Airbus]. Ainda estamos analisando isso”, acrescentou o CEO da Latam no Brasil.

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Juliana Estigarríbia

Jornalista brasileira, cobre negócios há mais de 12 anos, com experiência em tempo real, site, revista e jornal impresso. Tem passagens pelo Broadcast, da Agência Estado/Estadão, revista Exame e jornal DCI. Anteriormente, atuou em produção e reportagem de política por 7 anos para veículos de rádio e TV.