Fundos de pensão aguardam novas regras para definir o destino de R$ 32 bi em imóveis

Norma federal obriga as entidades a venderem todos os ativos imobiliários até 2030, mas setor reivindica mudança alinhada com prática internacional para fins de diversificação de portfólio

Vista de São Paulo: Previc defende flexibilização das normas para permitir investimentos em imóveis no limite de até 8% da carteira de fundos de pensão (Foto: Paulo Fridman/Bloomberg)
28 de Janeiro, 2025 | 05:29 AM

Bloomberg Línea — Fundos de pensão com cerca de R$ 32 bilhões em imóveis aguardam uma mudança na regulamentação em 2025 para decidir o futuro de seus ativos imobiliários e de seus investimentos no segmento.

A expectativa do setor é que pode haver uma mudança nas regras, com liberação para que os fundos, que administram hoje cerca de R$ 1,29 trilhão, invistam novamente em imóveis de forma direta depois de seis anos e meio de restrição, segundo executivos do segmento entrevistados pela Bloomberg Línea.

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A Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar), autarquia do governo que supervisiona o setor, defende uma flexibilização das normas e apresentou em abril do ano passado ao Ministério da Fazenda uma proposta de uma revisão.

Em entrevista à Bloomberg Línea, o diretor-superintendente do órgão, Ricardo Pena, disse que há uma sinalização de dentro do governo para que o tema possa ser tratado já nas próximas reuniões do Conselho Monetário Nacional (CMN).

“Não estamos defendendo que os fundos imobilizem o capital, mas que eles tenham a opção no cardápio, como outros fundos no mundo, de investir em imóveis”, disse o diretor-superintendente.

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Uma resolução editada pelo CMN em 2018, e atualizada em 2022, proíbe as entidades fechadas de previdência complementar de manter investimentos diretos em imóveis e terrenos em carteira.

A norma estabelece prazo de 12 anos (até maio de 2030) para que os fundos de pensão vendam os ativos ou constituam um fundo imobiliário. Antes de a regra ser adotada, os fundos tinham permissão para ter um “portfólio de tijolo” no limite de até 8% da carteira total.

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A regra foi adotada em 2018 junto de uma série de medidas com o objetivo de aumentar a transparência, melhorar a gestão e evitar conflitos de interesse.

As medidas foram tomadas na esteira da Operação Lava Jato, da Polícia Federal em conjunto com a Justiça, após investigações apontarem suspeitas de influência política em decisões de investimento de fundos de pensão que causaram prejuízos, a exemplo das participações de entidades no estaleiro Sete Brasil.

Mudanças propostas

A Previc defende a volta do limite de 8% para as entidades classificadas como S1 e S2 (as maiores) e de 5% para as que se enquadram como S3 e S4 (as menores), além de uma extinção do prazo para que os ativos sejam vendidos até 2030.

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A avaliação do órgão é que os fundos de pensão brasileiros têm sido penalizados, uma vez que são impedidos de investir em negócios imobiliários, com potencial de valorização e de geração de renda no longo prazo.

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As entidades são impedidas de serem proprietárias dos imóveis de suas sedes.

Além disso, como parte dos países não apresentam restrições como a do Brasil, fundos de pensão estrangeiros que atuam no Brasil seguem fazendo investimentos imobiliários normalmente, o que cria uma “assimetria” na alocação de ativos, na visão da Previc.

Recentemente, por exemplo, o CPP (Canada Pension Plan) acertou um acordo com a incorporadora Cyrela para criar uma joint venture e atuar no segmento de imóveis de alto padrão no país.

Para o diretor-superintendente do órgão, a obrigatoriedade de vender os imóveis até 2030 é “anti-econômica”, pois pode fazer com que alguns ativos sejam vendidos com prejuízo, apenas para cumprir o prazo.

“Algumas fundações estão conseguindo vender sob as condições de mercado, mas outras, não, porque muitos compradores estão esperando o limite da data, na expectativa de que o preço caia. Isso pode até significar prejuízo para o plano”, disse Pena.

A Abrapp (Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar) também é favorável à revisão da regra e à volta do limite de 8% da carteira em imóveis, segundo Devanir Silva, presidente da entidade que representa os fundos.

“Antes da norma, havia um limite de aplicação de 8% na carteira imobiliária. Na verdade, nós nunca atingimos isso. Em 2017, que foi o ano anterior à norma, nós estávamos em 3,9% do nosso patrimônio”, disse Silva à Bloomberg Línea.

Portfólio estável

Desde que a norma entrou em vigor, em maio de 2018, houve pouca mudança na participação dos investimentos em imóveis por parte dos fundos de pensão, o que sugere que poucos negócios estão sendo concluídos.

Na época, as entidades mantinham cerca de R$ 32 bilhões em imóveis, incluindo R$ 1,8 bilhão em fundos imobiliários, o que representava 3,7% da carteira total do setor, de acordo com dados da Previc.

Atualmente, o valor dos investimentos em imóveis na carteira continua sendo de R$ 32 bilhões, incluindo R$ 4,2 bilhões em fundos imobiliários, o que representa 2,8% da carteira. Os números são de novembro de 2024.

Entre os casos de imóveis que foram alienados no segmento recentemente estão três imóveis vendidos recentemente pela Petros, fundo de funcionários da Petrobras, por R$ 210,9 milhões. Um dos ativos é um edifício no Rio de Janeiro que já funcionou como sede da antiga BR Distribuidora (hoje Vibra Energia) e foi vendido à Petrobras.

Em outro caso, a Funcef, fundo de funcionários da Caixa, vendeu o Vila Galé Eco Resort, em Cabo de Santo Agostinho (Pernambuco), por R$ 62 milhões.

Levantamento da Itajubá Investimentos a pedido da Bloomberg Línea mostra que a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil e o maior do país, lidera o ranking das entidades com mais investimentos em imóveis, com uma carteira de R$ 13,62 bilhões até junho de 2024.

A lista é seguida pela Funcef, com R$ 5,28 bilhões, e pela Petros, com R$ 3,36 bilhões. A Valia, de funcionários da Vale, com R$ 1,14 bilhão, completa o ranking das entidades com mais R$ 1 bilhão na carteira de imóveis (veja o gráfico abaixo).

Para a Abrapp, alguns motivos explicam a lentidão dos fundos de pensão para se desfazer dos imóveis e se adequar à norma.

Em primeiro lugar, alguns ativos de alta performance ainda não atingiram o pico de valorização e de geração de renda, o que ainda é atrativo para mantê-los em carteira. Em segundo, que se relaciona com o anterior, os anos de pandemia e as incertezas sobre o mercado imobiliário fizeram com que muitos preferissem esperar melhores condições de mercado para fechar negócio.

Além disso, a perspectiva de uma possível mudança na norma levou muitas entidades a esperar um desfecho para tomar uma decisão sobre seus ativos imobiliários.

E, no caso da possibilidade de constituição de um fundo imobiliário para gerenciar os ativos, o imposto de transmissão de bens e os custos envolvidos na administração dos FIIs são alguns dos entraves que têm desestimulado as entidades de optar por essa alternativa.

“Depois da norma, de 2018 para cá, aconteceram aquisições. Mas de uma maneira ainda incipiente”, disse Devanir Silva, o presidente da entidade.

Em sua visão, a volta da possibilidade de investir em imóveis seria positivo para os fundos, inclusive em termos de diversificação, dado que as aplicações estão concentradas em títulos públicos.

“Nós temos hoje uma liquidez interessante. Isso ficou claro durante a pandemia. O sistema tinha praticamente 24 meses de liquidez para pagar esses benefícios. Estamos falando em R$ 200 bilhões, que evidentemente vai procurar várias alternativas”, afirmou Silva. “Há musculatura para o investimento nos imóveis, sim.”

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Filipe Serrano

É editor sênior da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.