Ford abre mão de lucro no curto prazo para tentar resolver uma conta de US$ 4,8 bi

Desafios de qualidade em veículos afetaram a tradicional montadora em outros momentos, mas o aumento do número de recalls se transformou em um peso financeiro bilionário

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Bloomberg — Jim Farley, CEO da Ford (F), está tão cansado de a montadora ter o maior número de recalls nos Estados Unidos que está disposto a abrir mão de dinheiro no curto prazo para tentar solucionar o que se transformou em uma conta de US$ 4,8 bilhões por ano.

Em um futuro próximo, disse Farley, a empresa manterá modelos recém-reprojetados por até seis semanas para verificações extras de qualidade que vão além dos testes extensivos que a Ford já faz em suas fábricas.

Com esse tempo adicional, a montadora de Detroit espera reduzir os acionamentos de garantia que mais do que dobraram em cinco anos. No curto prazo, entretanto, isso significa que a Ford sofrerá um impacto na receita por não enviar imediatamente os modelos aos revendedores.

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“Nossos ganhos podem ser um pouco irregulares”, disse Farley aos analistas na teleconferência de resultados do primeiro trimestre da Ford, em abril. “O que veremos a longo prazo é menos recalls e menores custos com acionamento de garantia devido a esse novo processo.”

No início do ano, Farley foi pioneiro nessa abordagem de “montar e manter” com a recém-reprojetada picape F-150 – o veículo mais vendido da Ford.

Mais de 60.000 unidades totalmente construídas ficaram paradas em estacionamentos em Detroit durante semanas para que os engenheiros pudessem verificar se havia problemas de qualidade.

A Ford relatou uma queda de 65% nos lucros antes de juros e impostos em sua unidade de motores de combustão interna, enquanto mantinha um de seus modelos mais lucrativos sob observação.

Mas as verificações extras de qualidade também permitiram que a montadora evitasse 12 recalls, disse Farley, incluindo falhas de software e problemas de montagem.

Agora, Farley está retendo outro modelo de sucesso, uma versão redesenhada do utilitário esportivo Explorer, para testes adicionais. O executivo planeja uma abordagem semelhante para o final deste ano com edições atualizadas do utilitário esportivo compacto Bronco Sport e da picape pequena Maverick, sucesso de vendas.

Os desafios de qualidade afligiram a Ford ao longo de sua história, mas isso se tornou uma crise nos últimos anos. A empresa está fazendo mais recalls de carros e gastando mais para consertá-los.

No ano passado, a Ford reservou US$ 1.203 para reparos em garantia de cada veículo que vendeu, em comparação com US$ 591 em 2019, de acordo com a revista Warranty Week, que acompanha as despesas corporativas com reparos.

No total, a montadora gastou US$ 4,8 bilhões no ano passado consertando os carros de seus clientes, ou cerca de 4% da receita automotiva – uma taxa aproximadamente três vezes maior que a do setor.

Em geral, as montadoras estão fazendo mais recalls. O aumento da complexidade dos componentes eletrônicos avançados e uma maior propensão a evitar possíveis problemas levaram a um salto de 42% nos recalls de veículos de 2013 a 2023, de acordo com os dados mais recentes da National Highway Traffic Safety Administration.

Ainda assim, os recalls anuais da Ford ultrapassaram os concorrentes: Ela é a montadora com mais recalls nos EUA desde 2020.

“É frustrante para os investidores não ver o problema desaparecer”, disse David Whiston, analista de automóveis da Morningstar, com sede em Chicago. “No mínimo, gostaríamos de ver a Ford em paridade com a GM e se esforçando para estar em paridade com a Toyota, o padrão ouro do setor. Mas ainda há um longo caminho a percorrer”.

A empresa disse que observou uma melhoria de 10% na qualidade dos modelos 2024, com base em medições internas. Sua taxa de defeitos nos últimos lançamentos caiu para 20%, o que, segundo a Ford, está em linha com a média do setor. Estudos independentes mostram que a Ford ainda está abaixo da média entre seus pares.

“Estamos em algum lugar no meio do grupo e, obviamente, não estamos satisfeitos em estar no meio dele”, disse Kumar Galhotra, diretor de operações da Ford, em entrevista. “O objetivo é avançar muito rapidamente para alcançar a Toyota”.

Na lanterna

Farley, que passou as duas primeiras décadas de sua carreira na Toyota Motor (TM), alertou sobre a qualidade da Ford desde que se tornou CEO em outubro de 2020.

A Ford “precisava de uma redefinição muito mais fundamental do que eu havia percebido”, disse o CEO aos investidores na Wolfe Research Global Auto Conference em fevereiro. Ele acrescentou: “todos nós temos arrependimentos e esse é um grande arrependimento para mim. É humilhante”.

Além de testes mais rigorosos, a empresa reformulou a remuneração dos executivos para que os funcionários assalariados não recebam o bônus integral sem atingir as metas de qualidade.

Problemas persistentes de qualidade prejudicaram várias adições recentes à linha de produtos da Ford. Entre os problemas de maior destaque estão uma falha no conector da bateria do crossover elétrico Mustang Mach-e, que fez com que alguns perdessem potência, falhas no motor do utilitário esportivo Bronco e o risco de incêndios no motor da picape híbrida Maverick, que, de outra forma, seria bem recebida.

“Os lançamentos foram muito problemáticos para a Ford”, disse Frank Hanley, diretor sênior que supervisiona a pesquisa de qualidade inicial da JD Power, em uma entrevista. “Eles se recuperam e corrigem esses problemas ao longo do tempo”, disse ele, mas “depois vem o próximo lançamento e o veículo sofre novamente”.

Antes de a Ford começar a reter veículos novos para verificações extras de qualidade, o CEO disse aos investidores, em abril, que a empresa observava um aumento de 70% nas falhas quando lançava novos modelos.

A crescente linha de veículos elétricos da montadora também tende a estar entre os modelos com mais recursos, o que geralmente significa mais falhas. A Ford complica ainda mais as coisas ao lançar no mercado tecnologias avançadas nascentes, como o sistema de direção “hands free” BlueCruise, antes dos rivais asiáticos.

O revendedor da Ford em Columbus, estado de Ohio, Rhett Ricart, disse que reclamou com Farley sobre os crescentes recalls da montadora há cinco anos, antes de o executivo se tornar CEO.

Embora a abordagem atual signifique esperar mais tempo pelos novos modelos, Ricart acha que é uma melhoria.

De modo geral, o lançamento da F-150 este ano resultou em menos defeitos do que o lançamento do Super Duty no ano passado, disse Farley em abril, sem oferecer detalhes específicos.

No entanto, em última análise, consertar os carros depois que eles já foram construídos – e sofrer um impacto nos lucros enquanto eles ficam parados nos depósitos –não é a solução ideal, nem é como as montadoras de maior qualidade operam, dizem os especialistas automotivos.

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