Bloomberg Línea — O atendimento ao consumidor tem sido apontado como um dos serviços que mais podem ser afetados pelo advento da Inteligência Artificial (IA) Generativa, com o potencial de substituição de atendentes humanos por agentes de IA com habilidades avançadas. Mas, para o CEO global da Atento, uma das maiores empresas do setor no mundo, esse futuro distópico não se tornará realidade tão cedo.
À frente da empresa de call center de origem espanhola desde 2022, o executivo brasileiro Dimitrius Oliveira disse que que a tecnologia mudará o atendimento humano, mas não acabará com ele.
“Sempre acreditei em um processo híbrido. E, nas conversas com os clientes, nós temos percebido isso cada vez mais”, disse Oliveira em entrevista à Bloomberg Línea.
“Existe uma camada de baixa complexidade, informacional e transacional mais simples, que a tecnologia vai automatizar 80%. Nunca será 100% porque entram questões culturais e regulatórias. E essa é uma fatia que movimenta de 20% a 30% de toda a indústria”, completou.
Leia mais: Fim do emprego com IA? Para Daron Acemoglu, 5% estão realmente sob ameaça
De acordo com o executivo, que trabalha na Atento desde 2018, a companhia está em conversas para a criação de interfaces conversacionais com uso de IA com clientes que representam cerca de 50% da receita do negócio.
A companhia conta com mais de 350 clientes no mundo, mas os resultados financeiros estão concentrados em 18 deles, que respondem por 75% de todo o faturamento, dos quais a Telefónica, controladora da Vivo (VIVT3), e o Itaú Unibanco (ITUB4) estão entre os principais. O Brasil é o principal mercado para a empresa e responde por 38% de participação na receita.
“Eu não acho que o atendimento humano vai acabar, acho que, na verdade, vai mudar”, afirmou o CEO, que tem mais de 30 anos de experiência no mercado de tecnologia, tendo trabalhado em empresas como Nokia, Avaya e Contax.
A transição, segundo ele, passa por uma transformação do tipo de profissional de que a empresa e a indústria precisam.
O setor de call center é conhecido como uma porta de entrada para o mercado de trabalho, a exemplo do McDonald’s, com salários iniciais mais baixos.
Com as mudanças recentes, profissionais mais qualificados como cientistas de dados e engenheiros de prompt começam a ser atraídos para a companhia. “Também convertemos muitas pessoas em desenvolvedores de RPA [automação robótica de processos]”, disse ele.
Renegociação da dívida
O sucesso na implementação de iniciativas para acompanhar as transformações impulsionadas pela onda de AI generativa e seus agentes deve ser definidor para a história da própria empresa, que sai de seu pior momento.
No começo de 2023, a Atento quase entrou em recuperação judicial após uma malsucedida operação financeira. Recém-empossado como CEO global, Oliveira teve que “gastar sola de sapato” para encontrar um caminho para a operação.
O acordo saiu apenas no fim de novembro de 2023, com a transformação dos então credores em acionistas da companhia e um aporte de US$ 110 milhões para girar o caixa da empresa.
Leia mais: Brasileiro busca mais flexibilidade na volta ao escritório, aponta pesquisa
A Atento tinha cerca de US$ 500 milhões em dívida, como resultado de um bond lançado em 2013 logo após a aquisição da companhia pelo fundo Bain Capital - antes, a empresa pertencia à Telefónica.
O papel tinha vencimento em 2026 e a taxa de juros anual era de 8%. Ao longo de quase uma década, a empresa pagou apenas o serviço da dívida, dividido em duas parcelas a cada doze meses, e usava um mecanismo de proteção cambial.
Em 2021, com a taxa de juros em queda no mundo, a companhia optou por fazer uma operação de proteção cambial também para o principal da dívida, por meio de um contrato de swap indexado ao CDI +3,5%. Em pouco tempo, a Selic disparou e chegou a 13,75% ano, contra os 2,50% do período da emissão.
“Em fevereiro de 2023, nós tínhamos que pagar US$ 20 milhões da parcela dos bonds e US$ 30 milhões do hedge. Operacionalmente, era muito difícil gerar esse caixa para pagar esse valor”, afirmou Oliveira.
A dívida da companhia chegou a US$ 760 milhões. Ao converter US$ 663 milhões em participação e trazer credores para o negócio, a Atento saiu de uma alavancagem de 8 vezes para 0,8 vez - esse montante residual é constituído de outras captações e linhas de crédito.
Menos escritórios, mais IA e home office
HPS, GIC, Farallon e KYNA, acionistas que adquiriram a participação detida pela Bain Capital em 2020, foram diluídos com a operação. Entraram fundos como Aquiline Capital Partners, Mundi, Kite Lake, Goldman Sachs e o CPPIB (Canada Pension Plan Investment Board).
A empresa também saiu da Bolsa de Valores de Nova York. Em meio à reestruturação, terminou o ano de 2023 com queda equivalente a 10% do faturamento com a perda de alguns de clientes.
Leia mais: Vantagem dos EUA sobre o mundo vai se ampliar, diz head de estratégia do J.P. Morgan
Passada a turbulência, a liderança passou o ano de 2024 voltada à operação para colocar o negócio nos trilhos, em busca de novos clientes e a entrada em novas geografias como França, Alemanha e Itália, além da adoção de uma nova estratégia para o mercado americano.
Do lado dos custos, a empresa empregou IA para aprimorar processos, reduziu o número de escritórios físicos (sites) e colocou mais pessoas em home office. Dos mais de 105 mil funcionários no mundo, 22% trabalham no modelo remoto.
“Crescemos um pouco em relação a 2023, tivemos uma geração de caixa positivo, o que não aconteceu em 2023, e melhoramos a margem. Em 2023, ela ficou em torno de 5,5%, número que deve chegar a 8% no resultado de 2024. A indústria tem entre 10% e 11%”, disse Oliveira.
Após o ano da recuperação, a ambição é alcançar em 2025 uma retomada acelerada. Os próximos passos miram um plano traçado para 2027.
“A Atento será uma companhia [com receita] entre US$ 1,7 bilhão e US$ 2 bilhões. Quando olhamos para o core do que fazemos hoje, há uma redução, mas teremos crescimento em novas geografias e, importante, em novas tecnologias”, afirmou o CEO.
Aceleração e novas geografias
O negócio da Atento está concentrado na América Latina, com 68% de participação na receita. A Europa representa 24%, e os Estados Unidos, 8%.
A ambição é elevar os percentuais nas duas últimas regiões, em um movimento estratégico para diminuir a dependência em relação às moedas voláteis, além de atuar em mercados mais maduros.
Leia mais: Conheça 10 empresas para ficar de olho em 2025
Oliveira disse que espera que a operação americana represente 30% da receita nos próximos três anos. Para alcançar o objetivo, a empresa contratou profissionais de mercado, promoveu mudanças no time de vendas e desenvolveu produtos específicos para o país.
A Atento tem hoje um serviço com custo de 40% a 50% menor nos EUA, uma vez que as equipes de atendimento ficam agora na América Latina e nas Filipinas.
“Nós olhamos as nossas ofertas em duas dimensões: uma em espanhol para os Estados Unidos e a segunda em inglês para os Estados Unidos a partir dessas regiões”, disse.
Segundo essa projeção, a expansão poderia elevar faturamento no país a US$ 350 milhões em 2027 e posicionaria a Atento entre as dez maiores do setor no Estados Unidos.
O crescimento geográfico também passa por ganhar mercado em países como França, Alemanha e Itália. “São três países com idiomas que têm um volume de negócio importante na Europa e vamos explorar de maneira mais consistente a partir de 2025″, afirmou. As receitas no Velho Continente são alavancadas atualmente pela atuação no mercado espanhol.
Em outra frente, a empresa pretende vender tecnologia, no modelo de Software as a service (SaaS), a partir de serviços e recursos desenvolvidos para apoiar a própria operação.
Um produto que já está na rua, disponível para clientes, é o Atento Smart Recruiter, um sistema com IA generativa que cria personas, com características das vagas disponíveis nas empresas, para ajudar os times de RH na seleção de profissionais.
Outra oferta é o Knowledge Assistant, que permite ao cliente carregar contratos jurídicos, por exemplo, para acelerar análises e obter informações e respostas sobre determinados processos.
“É uma divisão que mexe pouco ainda no ponteiro, mas deve impactar de maneira importante em 2025. A expectativa é a de 5%”, afirmou Oliveira.
No médio prazo, a divisão deve ser oxigenada com a parceria com startups. A Atento tem um programa de aceleração previsto para ser retomado em 2025. São iniciativas que envolvem desde as clássicas mentorias e o apoio ao desenvolvimento tecnológico até a aquisição de participação nesses negócios embrionários. Por outro lado, M&As tradicionais estão fora do radar.
Leia também
OpenAI confirma plano para mudar estrutura e ampliar negócio com fins lucrativos
Buffett ‘perdeu’ US$ 2 bi ao investir em petrolífera. E decidiu ‘dobrar a aposta’
Na era da inteligência artificial, é preciso valorizar o trabalho humano