Fim do call center humano? Para Atento, IA demanda talentos mais qualificados

Após uma crise e renegociação de dívida de US$ 760 milhões, Atento diversifica atuação e quer se posicionar como empresa tech, diz o CEO, Dimitrius Oliveira, à Bloomberg Línea

Operação da empresa Atento
Por Marcos Bonfim
07 de Janeiro, 2025 | 05:15 AM

Bloomberg Línea — O atendimento ao consumidor tem sido apontado como um dos serviços que mais podem ser afetados pelo advento da Inteligência Artificial (IA) Generativa, com o potencial de substituição de atendentes humanos por agentes de IA com habilidades avançadas. Mas, para o CEO global da Atento, uma das maiores empresas do setor no mundo, esse futuro distópico não se tornará realidade tão cedo.

À frente da empresa de call center de origem espanhola desde 2022, o executivo brasileiro Dimitrius Oliveira disse que que a tecnologia mudará o atendimento humano, mas não acabará com ele.

PUBLICIDADE

“Sempre acreditei em um processo híbrido. E, nas conversas com os clientes, nós temos percebido isso cada vez mais”, disse Oliveira em entrevista à Bloomberg Línea.

“Existe uma camada de baixa complexidade, informacional e transacional mais simples, que a tecnologia vai automatizar 80%. Nunca será 100% porque entram questões culturais e regulatórias. E essa é uma fatia que movimenta de 20% a 30% de toda a indústria”, completou.

Leia mais: Fim do emprego com IA? Para Daron Acemoglu, 5% estão realmente sob ameaça

PUBLICIDADE

De acordo com o executivo, que trabalha na Atento desde 2018, a companhia está em conversas para a criação de interfaces conversacionais com uso de IA com clientes que representam cerca de 50% da receita do negócio.

A companhia conta com mais de 350 clientes no mundo, mas os resultados financeiros estão concentrados em 18 deles, que respondem por 75% de todo o faturamento, dos quais a Telefónica, controladora da Vivo (VIVT3), e o Itaú Unibanco (ITUB4) estão entre os principais. O Brasil é o principal mercado para a empresa e responde por 38% de participação na receita.

“Eu não acho que o atendimento humano vai acabar, acho que, na verdade, vai mudar”, afirmou o CEO, que tem mais de 30 anos de experiência no mercado de tecnologia, tendo trabalhado em empresas como Nokia, Avaya e Contax.

PUBLICIDADE

A transição, segundo ele, passa por uma transformação do tipo de profissional de que a empresa e a indústria precisam.

O setor de call center é conhecido como uma porta de entrada para o mercado de trabalho, a exemplo do McDonald’s, com salários iniciais mais baixos.

Com as mudanças recentes, profissionais mais qualificados como cientistas de dados e engenheiros de prompt começam a ser atraídos para a companhia. “Também convertemos muitas pessoas em desenvolvedores de RPA [automação robótica de processos]”, disse ele.

PUBLICIDADE

Renegociação da dívida

O sucesso na implementação de iniciativas para acompanhar as transformações impulsionadas pela onda de AI generativa e seus agentes deve ser definidor para a história da própria empresa, que sai de seu pior momento.

No começo de 2023, a Atento quase entrou em recuperação judicial após uma malsucedida operação financeira. Recém-empossado como CEO global, Oliveira teve que “gastar sola de sapato” para encontrar um caminho para a operação.

O acordo saiu apenas no fim de novembro de 2023, com a transformação dos então credores em acionistas da companhia e um aporte de US$ 110 milhões para girar o caixa da empresa.

Leia mais: Brasileiro busca mais flexibilidade na volta ao escritório, aponta pesquisa

A Atento tinha cerca de US$ 500 milhões em dívida, como resultado de um bond lançado em 2013 logo após a aquisição da companhia pelo fundo Bain Capital - antes, a empresa pertencia à Telefónica.

O papel tinha vencimento em 2026 e a taxa de juros anual era de 8%. Ao longo de quase uma década, a empresa pagou apenas o serviço da dívida, dividido em duas parcelas a cada doze meses, e usava um mecanismo de proteção cambial.

Em 2021, com a taxa de juros em queda no mundo, a companhia optou por fazer uma operação de proteção cambial também para o principal da dívida, por meio de um contrato de swap indexado ao CDI +3,5%. Em pouco tempo, a Selic disparou e chegou a 13,75% ano, contra os 2,50% do período da emissão.

“Em fevereiro de 2023, nós tínhamos que pagar US$ 20 milhões da parcela dos bonds e US$ 30 milhões do hedge. Operacionalmente, era muito difícil gerar esse caixa para pagar esse valor”, afirmou Oliveira.

A dívida da companhia chegou a US$ 760 milhões. Ao converter US$ 663 milhões em participação e trazer credores para o negócio, a Atento saiu de uma alavancagem de 8 vezes para 0,8 vez - esse montante residual é constituído de outras captações e linhas de crédito.

Menos escritórios, mais IA e home office

HPS, GIC, Farallon e KYNA, acionistas que adquiriram a participação detida pela Bain Capital em 2020, foram diluídos com a operação. Entraram fundos como Aquiline Capital Partners, Mundi, Kite Lake, Goldman Sachs e o CPPIB (Canada Pension Plan Investment Board).

A empresa também saiu da Bolsa de Valores de Nova York. Em meio à reestruturação, terminou o ano de 2023 com queda equivalente a 10% do faturamento com a perda de alguns de clientes.

Leia mais: Vantagem dos EUA sobre o mundo vai se ampliar, diz head de estratégia do J.P. Morgan

Passada a turbulência, a liderança passou o ano de 2024 voltada à operação para colocar o negócio nos trilhos, em busca de novos clientes e a entrada em novas geografias como França, Alemanha e Itália, além da adoção de uma nova estratégia para o mercado americano.

Do lado dos custos, a empresa empregou IA para aprimorar processos, reduziu o número de escritórios físicos (sites) e colocou mais pessoas em home office. Dos mais de 105 mil funcionários no mundo, 22% trabalham no modelo remoto.

“Crescemos um pouco em relação a 2023, tivemos uma geração de caixa positivo, o que não aconteceu em 2023, e melhoramos a margem. Em 2023, ela ficou em torno de 5,5%, número que deve chegar a 8% no resultado de 2024. A indústria tem entre 10% e 11%”, disse Oliveira.

Após o ano da recuperação, a ambição é alcançar em 2025 uma retomada acelerada. Os próximos passos miram um plano traçado para 2027.

“A Atento será uma companhia [com receita] entre US$ 1,7 bilhão e US$ 2 bilhões. Quando olhamos para o core do que fazemos hoje, há uma redução, mas teremos crescimento em novas geografias e, importante, em novas tecnologias”, afirmou o CEO.

Aceleração e novas geografias

O negócio da Atento está concentrado na América Latina, com 68% de participação na receita. A Europa representa 24%, e os Estados Unidos, 8%.

A ambição é elevar os percentuais nas duas últimas regiões, em um movimento estratégico para diminuir a dependência em relação às moedas voláteis, além de atuar em mercados mais maduros.

Leia mais: Conheça 10 empresas para ficar de olho em 2025

Oliveira disse que espera que a operação americana represente 30% da receita nos próximos três anos. Para alcançar o objetivo, a empresa contratou profissionais de mercado, promoveu mudanças no time de vendas e desenvolveu produtos específicos para o país.

A Atento tem hoje um serviço com custo de 40% a 50% menor nos EUA, uma vez que as equipes de atendimento ficam agora na América Latina e nas Filipinas.

“Nós olhamos as nossas ofertas em duas dimensões: uma em espanhol para os Estados Unidos e a segunda em inglês para os Estados Unidos a partir dessas regiões”, disse.

Segundo essa projeção, a expansão poderia elevar faturamento no país a US$ 350 milhões em 2027 e posicionaria a Atento entre as dez maiores do setor no Estados Unidos.

O crescimento geográfico também passa por ganhar mercado em países como França, Alemanha e Itália. “São três países com idiomas que têm um volume de negócio importante na Europa e vamos explorar de maneira mais consistente a partir de 2025″, afirmou. As receitas no Velho Continente são alavancadas atualmente pela atuação no mercado espanhol.

Em outra frente, a empresa pretende vender tecnologia, no modelo de Software as a service (SaaS), a partir de serviços e recursos desenvolvidos para apoiar a própria operação.

Um produto que já está na rua, disponível para clientes, é o Atento Smart Recruiter, um sistema com IA generativa que cria personas, com características das vagas disponíveis nas empresas, para ajudar os times de RH na seleção de profissionais.

Outra oferta é o Knowledge Assistant, que permite ao cliente carregar contratos jurídicos, por exemplo, para acelerar análises e obter informações e respostas sobre determinados processos.

“É uma divisão que mexe pouco ainda no ponteiro, mas deve impactar de maneira importante em 2025. A expectativa é a de 5%”, afirmou Oliveira.

No médio prazo, a divisão deve ser oxigenada com a parceria com startups. A Atento tem um programa de aceleração previsto para ser retomado em 2025. São iniciativas que envolvem desde as clássicas mentorias e o apoio ao desenvolvimento tecnológico até a aquisição de participação nesses negócios embrionários. Por outro lado, M&As tradicionais estão fora do radar.

Leia também

OpenAI confirma plano para mudar estrutura e ampliar negócio com fins lucrativos

Buffett ‘perdeu’ US$ 2 bi ao investir em petrolífera. E decidiu ‘dobrar a aposta’

Na era da inteligência artificial, é preciso valorizar o trabalho humano

Marcos Bonfim

Marcos Bonfim

Jornalista brasileiro especializado na cobertura de startups, inovação e tecnologia. Formado em jornalismo pela PUC-SP e com pós em Política e Relações Internacionais pela FESPSP, acumula passagens por veículos como Exame, UOL, Meio & Mensagem e Propmark