Falta de regras claras e feedback amplia insatisfação no trabalho, diz especialista

Em entrevista à Bloomberg Línea, Tessa West, professora da NYU e autora do livro ‘Job Therapy’, diz como empresas e profissionais podem lidar com a frustração que afeta a produtividade

¿Cómo mantenerse vigente en el mercado laboral después de los 30 y los 40 años?
29 de Setembro, 2024 | 02:59 PM

Bloomberg Línea — A insatisfação no trabalho é uma preocupação crescente de empresas, responsável por aumentar o turnover e por diminuir o engajamento dos funcionários, além de pesar sobre os custos financeiros.

Na vida profissional, funcionários desmotivados afetam a produtividade e os resultados, enquanto, na vida pessoal, os problemas psicológicos se intensificam. O descontentamento, muitas vezes invisível, pode criar um ciclo vicioso que prejudica tanto os demais colaboradores quanto os negócios.

Do ponto de vista de gestores ou de responsáveis pela área de pessoas e cultura, um passo importante é reconhecer os fatores responsáveis por desencadear estresses diários e o impacto que eles têm na saúde mental e no desempenho dos colaboradores.

Essa é a visão da americana Tessa West, especialista em ciência das relações sociais e autora do livro Job Therapy, publicado em julho nos Estados Unidos, no qual ela trata do tema e da importância de identificar a origem da insatisfação.

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Em entrevista à Bloomberg Línea, a autora disse que um dos fatores que podem causar insatisfação nas empresas é a falta de regras claras no ambiente de trabalho, o que pode ampliar as situações de estresse para os trabalhadores.

“As pessoas não se sentem seguras quando não sabem se estão quebrando regras ou quais serão as consequências de suas ações”, afirmou West, que é professora de psicologia da Universidade de Nova York (NYU) e autora do best seller Jerks at Work (sem edição brasileira).

Para a especialista, estabelecer normas claras e fornecer feedback construtivo, especialmente após falhas, são elementos-chave para construir um ambiente de confiança.

Uma pesquisa realizada pela autora, no entanto, apontou que apenas 7% das pessoas que não recebem uma promoção ou um aumento são informadas sobre o motivo, o que pode gerar frustração e desmotivação. E os gestores têm um papel fundamental na resolução desse problema.

“Sabemos que uma comunicação forte e eficaz é essencial no ambiente de trabalho e na vida. A inteligência emocional e a empatia são soft skills que, até recentemente, eram subestimadas como algo sem muita importância. Hoje em dia sabemos que elas importam”, afirmou.

“Mas acredito que ensinar as pessoas a se comunicarem de forma eficaz, mesmo que não sejam naturalmente emocionalmente inteligentes, também é importante”, disse.

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“É preciso fornecer aos gestores as ferramentas e as habilidades necessárias para que eles tenham essas conversas difíceis.”

Tessa West

Infelicidade no trabalho

West afirmou que a insatisfação no trabalho raramente se apresenta de forma clara e que, muitas vezes, não existe um momento decisivo que leve alguém a querer deixar o emprego.

“Nós somos treinados para pensar em felicidade no trabalho de forma muito binária: ou você ama seu emprego ou o odeia. E se você o odeia, um ‘clique’ vai te dizer que é hora de ir embora. Mas isso não acontece com a maioria das pessoas”, afirmou.

“As pessoas tendem a ter sentimentos ambivalentes sobre seus empregos, elas amam e odeiam ao mesmo tempo. Nossos sentimentos sobre a carreira são confusos, até mesmo para quem está relativamente satisfeito.“

É uma situação presente também no Brasil, segundo alguns dos dados disponíveis.

Cerca de 49% dos profissionais brasileiros estão insatisfeitos com o trabalho, de acordo com uma pesquisa realizada pela empresa de benefícios Flash em parceria com a Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP) e o Grupo Talenses.

A especialista disse que uma das soluções que ajudam os profissionais a lidar com esse problema é adotar uma abordagem terapêutica no relacionamento com a própria carreira.

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Ela sugere que uma das melhores formas para resolver a situação é usar uma abordagem psicológica — fazendo um exercício de colocar as relações profissionais no mesmo patamar que as afeticas.

“De muitas maneiras, primeiros encontros amorosos são como entrevistas de emprego: há perguntas que deveríamos fazer uns aos outros para avaliar a compatibilidade [com um parceiro ou um emprego], mas não fazemos porque é desconfortável. Vamos à terapia para lidar com todos os tipos de problemas relacionais. Por que não aplicar uma abordagem terapêutica à sua relação com sua carreira?”, questionou.

Segundo ela, vários fatores podem levar um colaborador a não se sentir mais feliz com a função que desempenha.

Um deles é a sensação de uma crise de identidade com relação à carreira, especialmente para quem já passou alguns anos no mesmo cargo ou na mesma área.

“Muitas pessoas começam a questionar seu comprometimento com um trabalho ao qual se dedicaram por tanto tempo, e isso pode criar uma verdadeira crise de identidade — é como se estivessem ‘desapaixonadas’ pela própria carreira”, afirmou.

Outro motivo pode ser um sentimento de falta de reciprocidade entre o que o funcionário oferece à empresa e o que ele recebe em troca.

“É o caso de pessoas que se veem como estrelas subvalorizadas ou que constantemente ficam em segundo lugar, sem entender por que não estão sendo reconhecidas”, disse.

Às vezes, também de acordo com a autora, as pessoas podem não se sentir totalmente confortáveis com todos os aspectos do trabalho.

Em sua experiência pessoal, ela contou que, embora ame escrever e promover seus livros, a pressão para medir o sucesso por meio de métricas de vendas é algo que a incomoda - e que a desconexão entre gostar de uma carreira e não apreciar certas funções específicas é um dilema comum para muitos trabalhadores.

“Ser autora de livros é uma parte importante de quem eu sou, mas isso nem sempre me traz felicidade”, afirmou.

Mas pedir demissão nem sempre é a única solução para a infelicidade.

Assim como pessoas fazem terapias para tratar problemas pessoais, essa abordagem pode ser aplicada ao trabalho, o que inclui identificar quais aspectos do emprego são mais problemáticos e criar estratégias para lidar com eles, sem que isso necessariamente signifique sair da empresa.

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Tamires Vitorio

Jornalista formada pela FAPCOM, com experiência em mercados, economia, negócios e tecnologia. Foi repórter da EXAME e CNN e editora no Money Times.