Bloomberg — O ex-CEO da Americanas (AMER3) Miguel Gutierrez falou pela primeira vez desde que a empresa teve revelado um rombo contábil da ordem de R$ 20 bilhões e entrou em processo de recuperação judicial: ele “apontou o dedo” para os acionistas bilionários da empresa.
Gutierrez, que trabalhou na varejista por três décadas, das quais as duas últimas no comando, foi apontado, por sua vez, por executivos atuais e antigos como o arquiteto por trás de uma fraude contábil massiva que fez com que a dívida da empresa dobrasse para mais de R$ 40 bilhões. Ele enviou seus comentários em um documento para um tribunal em São Paulo.
Ele disse que nunca participou, autorizou, ordenou, tolerou ou teve conhecimento de qualquer tentativa de manipular as contas financeiras da empresa. ”Tornei-me um bode expiatório a ser sacrificado em nome da proteção de figuras notórias e poderosas do capitalismo brasileiro”, disse ele, em um documento separado enviado a uma comissão do Congresso que investiga o caso.
Os acionistas bilionários são os homens mais ricos do Brasil, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Sicupira, que co-fundaram a empresa de aquisições 3G Capital e foram os arquitetos de grandes fusões e aquisições nas últimas décadas, que resultaram na Anheuser-Busch Inbev e na Kraft Heinz.
O trio, que coletivamente possui fortunas de cerca de US$ 39 bilhões, tem sido acionista líder da Americanas desde os anos 1980, mas afirma que não tinha conhecimento prévio dos problemas contábeis que vieram à tona em janeiro.
Em um dos documentos, Gutierrez disse que os principais acionistas da empresa, Lemann, Telles e Sicupira, têm “enorme e constante interferência em seus negócios, especialmente na área financeira, na qual são especialistas reconhecidos”. Ele disse que as vendas da Americanas eram monitoradas diariamente por Sicupira e Eduardo Saggioro, presidente da Americanas e sócio da LTS Investments, que é um family office dos três.
”Vale ressaltar que os membros do comitê de auditoria e do comitê financeiro, bem como os do conselho fiscal, foram nomeados ou sempre validados” por Sicupira, escreveu Gutierrez. Além disso, o conselho de administração também era responsável por autorizar mudanças nas políticas contábeis da empresa, disse ele.
LTS: ‘não há provas das acusações’
A LTS disse em uma declaração enviada por e-mail que Gutierrez não tem provas para sustentar suas alegações e que os acionistas “foram enganados por uma fraude ardilosa cujos infratores serão responsabilizados pelas autoridades competentes”. A Americanas disse que contesta os argumentos apresentados por seu ex-CEO e reforça sua declaração de junho sobre a fraude.
Em junho, o atual principal executivo da Americanas, Leonardo Coelho, acusou Gutierrez e sua equipe de gestão de fraude por - entre outras coisas - criar alegados falsos contratos de publicidade para reduzir os custos no balanço patrimonial que aumentaram para R$ 21,7 bilhões (US$ 4,5 bilhões) em 30 de setembro de 2022, citando informações de uma investigação independente. Além disso, parte do dinheiro teria sido transferido para contas de fornecedores para cobrir o rombo, disse Coelho.
Na segunda-feira (4), Gutierrez disse que a alegação era falsa e que o comitê independente não teve participação na “acusação” que a empresa fez contra ele. Gutierrez, que também é cidadão espanhol, esteve recentemente naquele país europeu e citou supostos problemas de saúde para explicar por que não pôde retornar ao Brasil para falar com a comissão do Congresso.
A Americanas continua a negociar um plano de reestruturação com os bancos depois de ter entrado em processo de recuperação judicial em janeiro, com uma dívida total de mais de R$ 40 bilhões.
Em nota, a Americanas comentou as declarações do seu ex-presidente.
“A Americanas refuta veementemente as argumentações apresentadas pelo senhor Miguel Gutierrez à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na véspera da apresentação do relatório final. A companhia reitera que o ex-dirigente da Americanas não contestou em nenhum momento os documentos e fatos apresentados à Comissão no dia 13 de junho, que demonstram a sua participação na fraude.”
- Com a colaboração de Daniel Carvalho.
- Matéria atualizada às 14h15 com a nota enviada pela Americanas.
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