Bloomberg Línea — A produtividade aquém da esperada de profissionais ou a rotatividade acima do desejado são alguns dos principais desafios de empresas e gestores nos dias atuais. Um novo estudo recém-concluído com mais de 25.000 trabalhadores de algumas das maiores empresas do país acaba de revelar novas informações sobre o que realmente funciona como fatores de engajamento das pessoas, algo que, no fim do dia, se reflete justamente em entregas dentro ou acima do esperado e retenção de talentos.
Os dados são da Talent Academy, uma startup brasileira que atua na área de recursos humanos (RH), em parceria com o Ipefem, uma ONG de educação em saúde mental e gênero para o trabalho decente com base em dados, fundada pela pesquisadora Ana Tomazelli.
A Talent, que já atendeu ou tem como clientes empresas como Raízen (RAIZ4), Itaú (ITUB4), Ambev (ABEV3), Saint-Gobain e Caloi, entre outras, é especializada no desenvolvimento e na gestão de pessoas inseridas no ambiente corporativo.
Os dados revelam que, diferentemente do que poderia sugerir o senso comum, não é remuneração ou promoção o item mais apontado pela maioria dos próprios profissionais no Brasil como aquele que mais funciona como motivação - na verdade, não ficou sequer entre os cinco mais citados.
O levantamento aponta que o principal driver motivacional na ampla maioria dos casos é o desafio que se coloca para o profissional, independentemente de gênero, geração, cargo e escolaridade (veja mais abaixo).
Para 59,3% dos homens e 50,4% das mulheres dos cerca de 25.400 profissionais consultados que trabalham em empresas de diferentes tamanhos, o “desafio” aparece como o principal driver motivacional.
No recorte dos dados por geração, esse fator apareceu como o mais importante para aqueles que pertencem tanto à Geração X (faixa que em geral vai de 42 e 58 anos de idade), com 59,2% das respostas, como à Geração Y ou Millennials (29 a 42 anos de idade), com 58,6%.
“Pessoas com esse perfil têm a percepção de que podem alcançar qualquer coisa que desejam na vida. À medida que se desenvolvem, procuram desafios cada vez maiores, seja no campo pessoal ou profissional”, descreve a Talent Academy sobre como “desafio” pode ser explicado.
“Entender o que motiva um profissional é o ponto de partida para identificar e adotar melhores estratégias para gerir pessoas e equipes, e isso se reflete na produtividade. Se uma pessoa está desmotivada no trabalho e a empresa oferece o que não é importante para ela, isso não funciona”, disse Renata Betti, sócia e cofundadora da Talent Academy, em entrevista à Bloomberg Línea.
A especialista em carreira disse que a revelação de que o dinheiro ou a promoção pode não ser o mais importante para o seu funcionário ainda causa surpresa em muitas empresas.
“A questão é que essa percepção, quando se mostra equivocada diante do que é realidade, contamina muitas práticas corporativas, como dar aumento salarial pensando que somente isso vai segurar o profissional. Pesquisas mostram que isso tem efeito de curto prazo”, disse Renata Betti.
Até mesmo para a Geração Z (13 a 28 anos), que tem padrões reconhecidamente distintos aos dos mais velhos, o componente “desafio” aparece com relevância destacada, sendo citado por 47,3% dos que responderam à pesquisa, praticamente empatado com o fator “propósito” (47,1%).
Essa combinação de drivers também se faz presente entre os executivos C-Level das empresas brasileiras, com 59,5% das menções para desafio, praticamente empatado com propósito, com 59,2%. “Os líderes das empresas buscam mais do que salários altos e benefícios. Eles querem trabalhar com algo que faça sentido para eles e que os desafiem a crescer”, disse a especialista.
A Talent Academy, que foi fundada em 2018 e é liderada pelos empreendedores Mauricio Betti e Renata Betti e a psicóloga Jaqueline Padilha, trabalha com soluções de mapeamento de perfil comportamental inspiradas na filosofia japonesa do Ikigai (propósito de vida), entre outras frentes.
A HRtech recebeu no início do ano uma rodada Seed de R$ 3 milhões liderada pela ACE Ventures.
Além de desafio, propósito e autonomia
No estudo em questão, a Talent Academy buscou analisar quais os drivers emocionais que motivam as pessoas a partir da teoria do psicólogo Edgard Schein (1928-2023), que definiu justamente o que foi apontado como dez “âncoras de carreira”: além de desafio e propósito, o terceiro fator que mais aparece de forma geral em todos os recortes do estudo - seja idade, cargo, gênero etc. - é a autonomia.
“Pessoas com esse perfil preferem projetos claramente delineados, com prazos e metas explicitados, mas com total autonomia para realizá-los”, explica a startup sobre esse perfil.
A sócia da startup ressaltou que os três drivers motivacionais mais diagnosticados contrastam com um modelo mais tradicional de “comando e controle” adotado por muitas empresas e gestores, o que pode se refletir justamente em produtividade menor ou turnover elevado.
“Se as pessoas não têm autonomia, não se sentem conectadas com o propósito da empresa e não são desafiadas profissionalmente, elas não vão ficar. É importante ter essa clareza”, disse.
Outros drivers do estudo incluem qualidade de vida, estabilidade, gestão, empreendedorismo, pertencimento, especialização e conquista (o que inclui remuneração e promoção).
Os dados foram coletados pelo time de people analytics da Talent Academy por meio de um teste de assessment para mapear o perfil comportamental em empresas que fazem parte da base, de forma anônima. E interpretados qualitativamente a partir de uma perspectiva social pelo Ipefem.
Renata Betti explicou que empresas ou áreas específicas podem moldar sua cultura para extrair o melhor de seus funcionários atuais, em vez de ter que mudar boa parte da equipe, se avaliar que esse é de fato um objetivo alinhado com a cultura corporativa.
“Se uma companhia pretende buscar um ambiente mais colaborativo ou com mais autonomia em uma área, por exemplo, o processo começa com o treinamento da liderança para alinhar com o perfil do time que preza essas práticas em vez de competição e microgerenciamento.”
Por outro lado, há casos em que os drivers motivacionais de uma pessoa não são compatíveis com o modelo da empresa, como o de um eventual funcionário que enxergue motivação na busca por estabilidade mas que trabalha em uma startup.
“Startup muda a estratégia o tempo todo, as posições, o que se espera da pessoa. Nesse caso, o driver do empreendedorismo, de quem quer fazer acontecer, quer provocar mudança, ou de autonomia, é o que se encaixa”, exemplificou.
O primeiro passo recomendado para todas as empresas e lideranças, segundo a especialista, é conversar com os seus funcionários para que busquem mais informações e dados sobre as suas motivações. “Visitamos empresas que contam que nunca ‘rodaram’ sequer uma pesquisa de clima internamente”, disse.
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