Bloomberg — Um dos maiores ataques corporativos já feitos por um short seller nos mercados mundiais pode ter sido uma bênção disfarçada para o bilionário Gautam Adani.
Um ano após a Hindenburg Research ter acusado o Adani Group de fraude e manipulação “descarada” do preço das ações em um relatório considerado bombástico - acusações que o conglomerado nega -, o magnata indiano emergiu mais forte em certas métricas do mundo empresarial.
Seu império que vai de portos a energia reduziu a dívida e o volume de ações dos fundadores colocadas como garantia, conquistou novos apoiadores dos Estados Unidos ao Oriente Médio, assegurou projetos emblemáticos e começou a se comunicar com mais frequência com investidores e credores.
Tem ajudado a transportar um número crescente de passageiros aéreos e contêineres de carga. Também está construindo um novo aeroporto para a capital financeira da Índia, Mumbai, e revitalizando a vasta favela de Dharavi da cidade.
As consequências do relatório da Hindenburg, de Nathan Anderson, ainda persistem. Embora as ações da Adani tenham subido mais de US$ 90 bilhões em relação ao ponto mais baixo do ano passado, ainda estão cerca de US$ 60 bilhões abaixo do pico pré-Hindenburg. Enquanto isso, a maioria dos títulos em dólares do grupo recuperou suas perdas.
Críticos, incluindo partidos políticos de oposição, continuaram a levantar questões sobre uma proximidade percebida com o primeiro-ministro Narendra Modi, bem como uma complexa teia de empresas offshores pouco transparentes.
O auditor dos negócios portuários do grupo renunciou no ano passado, adicionando dúvidas sobre suas práticas contábeis.
Representantes do Adani Group não responderam aos pedidos de comentários.
O conglomerado afirmou que cumpre todas as leis e segue todas as regras contábeis, enquanto o bilionário disse que suas empresas não recebem tratamento preferencial do governo.
Apesar desses problemas, muitos investidores agora acreditam que o império Adani está novamente em ascensão.
Um veredicto da Suprema Corte da Índia rejeitando apelos por uma investigação especial, novos investidores renomados e o financiamento da agência dos EUA “deram maior conforto tanto para investidores institucionais quanto de varejo”, disse Chakri Lokapriya, managing director da RedStrawBerry, uma empresa de gestão de ativos com sede em Chennai, na Índia.
O ano após o ataque do short seller - vendedor a descoberto - “provou ser uma bênção para o Adani Group”, disse Lokapriya.
Grande parte da resiliência do conglomerado vem de seu vasto império de infraestrutura - terminais portuários, linhas de transmissão de energia, aeroportos, data centers, parques solares e fábricas de cimento.
Isso colocou Adani no centro de um boom indiano que os investidores estão ansiosos para aproveitar. A nação do sul da Ásia está emergindo como uma rara história de crescimento em uma economia global estagnada e ávida por alternativas à China.
Abaixo está uma seleção de métricas de negócios no império Adani desde o ataque da Hindenburg Reasearch em 24 de janeiro do ano passado:
Recuperação de US$ 93 bilhões
O relatório da Hindenburg fez as ações da Adani despencarem, erodindo dezenas de bilhões em valor de mercado e deixando os fundadores vulneráveis a chamadas de margem em suas ações empenhadas. Adani e sua família pré-pagaram US$ 2,15 bilhões e reduziram drasticamente suas participações dadas em garantia.
Adani, que naquele momento era a quarta pessoa mais rica do mundo, chegou a perder US$ 112 bilhões do seu patrimônio em uma semana.
O grupo também atraiu quase US$ 5 bilhões em investimentos, a maior parte deles do investidor estrela Rajiv Jain, da GQG Partners, que comprou participações em quatro empresas da Adani em março do ano passado e investiu mais dinheiro desde então.
O valor de mercado combinado de dez empresas listadas da Adani está agora em cerca de US$ 175 bilhões - um salto de cerca de 112% em relação ao mínimo recorde de US$ 82 bilhões em fevereiro do ano passado após o relatório com as acusações. Cinco delas apagaram todas as perdas vistas após o ataque.
O último aumento nos preços nas ações é impulsionado pelo veredicto da Suprema Corte Indiana rejeitando apelos por uma investigação federal ou investigação especial nos negócios da Adani, e um investimento de US$ 553 milhões por uma agência dos EUA nos negócios portuários do grupo no Sri Lanka.
“O lado bom do relatório da Hindenburg foi que investidores que não puderam entrar nas ações da Adani a um bom preço tiveram a oportunidade de comprá-las”, disse Alok Churiwala, managing director da Churiwala Securities em Mumbai.
No entanto o Adani Group ainda precisa reforçar a cobertura de analistas de mercado, que é escassa para a maioria de suas empresas, exceto os negócios de portos e as fábricas de cimento recém-adquiridas. O conglomerado também se beneficiaria expandindo sua oferta pública para evitar oscilações de ações desproporcionais.
Redução da dívida
A dívida líquida do conglomerado caiu 3,5%, para US$ 21,72 bilhões, nos seis meses até setembro passado, de acordo com uma apresentação enviada às bolsas. Sua relação dívida líquida/Ebitda diminuiu para 2,5 vezes em setembro em comparação com 3,3 vezes em março. Essa relação estava em 3,9 para o grupo, disse em agosto de 2022 - a fase pré-Hindenburg caracterizada por uma expansão frenética.
Em 19 de janeiro, 13 dos 15 títulos denominados em dólares do Adani Group estavam acima de 80 centavos no dólar - um nível geralmente considerado como o limite para um título estar em dificuldades. A grande maioria estava sendo negociada a preços mais altos do que os níveis atingidos no ano passado após o relatório, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.
O grupo também conseguiu refinanciar US$ 3,5 bilhões de dívida em outubro, exibindo crescente confiança entre os credores.
Grandes projetos na Índia
Adani, que começou como negociante de diamantes em Mumbai na década de 1980, se recuperou da crise provocada pelo short seller em grande medida porque está construindo ou operando alguns dos maiores projetos de infraestrutura da Índia.
“Se você tirar o rótulo Adani, o próprio negócio de ‘portos para energia’ é uma maneira decente de expressar sua visão sobre a Índia e você realmente não pode encontrar falhas na história de crescimento do país”, disse Xuchen Zhang, analista de crédito de mercados emergentes da Jupiter Asset Management em Londres.
Dados compilados pela Bloomberg mostram que a Adani manuseia quase metade de todos os contêineres de transporte na Índia, um terço de todo o carvão transportado e cerca de um quinto da capacidade privada de energia térmica.
O boom de investimentos em infraestrutura está nos “estágios iniciais” na Índia e “a Adani tem muito combustível no tanque”, disse Jain da GQG à Bloomberg TV no início deste mês.
O magnata também alinha suas estratégias de negócios às prioridades de construção de nação de Modi. “O governo apoia a empresa e ela desempenha funções importantes em áreas-chave da economia”, disse Sabrina Jacobs, portfolio manager para renda fixa, baseada em Londres, na Pictet Asset Management.
Isso também aponta para outra possível falha para o conglomerado - o risco político para Adani, cuja ascensão foi quase paralela à ascensão de Modi ao poder. A Índia realizará eleições nacionais neste ano, nas quais Modi estará em campanha para retornar para seu terceiro mandato como primeiro-ministro.
Uma pesquisa de dezembro de 2023 da ABP News-CVoter disse que a Aliança Democrática Nacional liderada pelo BJP voltaria ao poder confortavelmente neste verão.
Uma das maiores pendências contínuas é a investigação da reguladora do mercado local sobre se o Adani Group violou leis mobiliárias. O principal tribunal da Índia pediu à reguladora em 3 de janeiro para concluir sua investigação em três meses.
Novos investidores
Embora a oferta de ações de US$ 2,5 bilhões da Adani Enterprises tenha sido cancelada - uma grande vítima do relatório da Hindenburg - e, portanto, tenha falhado em expandir a base de investidores, o grupo se beneficiou de novos apoiadores renomados.
Jain, da GQG, é tão otimista que quer ser “um dos maiores investidores no Adani Group” após os fundadores em cinco anos. Investidores anteriores, como o Fundo de Investimento do Catar, a francesa TotalEnergies e a International Holding Co. com sede em Abu Dhabi, reforçaram sua posição nos últimos meses.
A família Adani também está fazendo mudanças. Está em processo de criação de um Veículo de Propósito Especial no centro financeiro internacional de Abu Dhabi, juntando-se a dezenas de outros indivíduos de alto patrimônio líquido que desejam proteger sua riqueza.
No final de fevereiro, o irmão mais velho de Adani, Vinod Adani, com base em Dubai, que a Hindenburg alegou ter desempenhado um papel fundamental em entidades offshores disfarçadas ligadas ao conglomerado, renunciou ao cargo de diretor de três empresas ligadas à controversa mina de carvão da família na Austrália.
Adani “continua enfrentando desafios de reputação, mas os superou e continua a fazer negócios”, disse Michael Kugelman, diretor do Instituto da Ásia do Sul no Wilson Center em Washington.
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