Esta empresa brasileira atraiu a DHL para competir no transporte aéreo de carga

A Levu Air Cargo acaba de receber certificação da Anac para operar regularmente e tem investimento inicial de R$ 1 bilhão, conta o CEO e fundador, Rodrigo Pacheco, à Bloomberg Línea

Levu Air Cargo
25 de Novembro, 2024 | 05:35 AM

Bloomberg Línea — O setor do transporte aéreo é considerado um dos mais desafiadores da economia.

Razões não faltam. Ele demanda investimento elevado, possui margens apertadas e depende de fatores relevantes de operação que fogem ao controle de quem comanda o negócio, como custos atrelados ao dólar do leasing da aeronaves e do combustível de aviação. Não à toa, é um setor em que muitas empresas entram com pedido de recuperação judicial diante de dificuldades financeiras recorrentes.

PUBLICIDADE

Mas o transporte aéreo de carga tem diferenças importantes, como a previsibilidade maior de receitas decorrentes de contratos firmes de médio e longo prazos, além de menor judicialização como acontece com o atendimento a passageiros, um risco importante de custos no Brasil.

É nesse ambiente que uma companhia 100% brasileira atraiu uma gigante global do transporte de cargas e logística como parceiro estratégico, a alemã DHL, com ambições de se tornar um player relevante do mercado.

A Levu Air Cargo, dedicada exclusivamente ao transporte de cargas, recebeu neste mês o Certificado de Operador Aéreo (COA) da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o que permite que passe a operar regularmente.

PUBLICIDADE

Leia mais: Com dólar alto, Azul se prepara para cenário persistente de custos mais elevados

A operação não nasceu do zero: vem da experiência de seu fundador e CEO, Rodrigo Pacheco, que há quinze anos atua no setor de logística com o transporte de carga, inicialmente no mercado norte-americano.

Em 2018, ele resolveu abrir uma empresa de logística no Brasil, já com a DHL como principal cliente. À época, Pacheco ainda morava nos Estados Unidos.

PUBLICIDADE

“Foi uma decisão pessoal difícil voltar ao Brasil, pois já estava estabelecido. Mas a proposta de trabalhar com a DHL significava fazer algo que ninguém neste mercado tinha feito”, disse Pacheco em entrevista à Bloomberg Línea.

Pacheco é proprietário da Levu por meio de um family office e tem um contrato de serviço de sete anos com a DHL para prestação de serviços, o que funciona como garantia de demanda. Em paralelo, ele mantém sua empresa nos EUA operando normalmente, mas como entidade distinta.

O projeto prevê inicialmente o arrendamento de quatro aeronaves, com um investimento de cerca de R$ 1 bilhão, dos quais R$ 530 milhões por parte da Levu e R$ 480 milhões da DHL.

PUBLICIDADE

O empresário e executivo disse que o contrato firme e o investimento da empresa alemã acabam funcionando como um selo de confiança. “Montamos toda essa estrutura como uma aliança com a DHL.”

Pacheco não esconde o sonho grande: ele avalia que a Levu Air Cargo terá condições no futuro de liderar o mercado de transporte aéreo de carga no Brasil. Mas não se arrisca a colocar um prazo.

A Levu tem contrato de arrendamento com a SmartLynx, empresa de leasing de aeronaves (“lessor”) com a maior frota de Airbus A321 do mundo. “Só companhias muito grandes operam esse tipo de aeronave. Mas nós conseguimos isso porque temos 15 anos de experiência operando carga ao redor do mundo”, afirmou Pacheco.

A companhia vai enfrentar concorrentes já estabelecidos como as três grandes companhias de transporte aérea de passageiros que também prestam o serviço de cargas: Azul, Latam e Gol.

Leia mais: Para Latam Airlines, ainda há espaço para crescer na América do Sul, diz CEO

Um dos principais diferenciais da companhia, segundo Pacheco, é o modelo de aeronave inicialmente utilizado, um Airbus A321-200 convertido para cargueiro, já em operação.

Trata-se de um avião que consome menos combustível e faz o carregamento em menos tempo, algo crucial para otimizar a operação – menos tempo no chão significa mais carga sendo transportada.

“Com o investimento nessa aeronave, poderíamos ter trazido quatro da Boeing 737. Temos o apoio da Airbus nesse projeto e somos a primeira brasileira certificada a operar com essa aeronave”, disse.

Segundo Pacheco, o plano é conservador. “Temos quatro aeronaves [no cronograma] e já vemos oportunidades para um quinto avião. Mas não vamos entrar em um jogo de rouba monte de mercado”, disse, em alusão ao fato de que pretende operar com contratos firmes, com previsibilidade.

O segundo Airbus A321-200 está previsto para chegar ao país na segunda semana de dezembro. A companhia prevê ainda um A330-300 em julho de 2025 e outro para janeiro de 2026.

As aeronaves terão até a logomarca da DHL, mas o CEO disse que a Levu poderá atender terceiros. “Os clientes vêm do longo relacionamento dos nossos executivos internacionalmente.”

Em um primeiro momento, a Levu deve voar de três a quatro vezes por semana. “Em 2025, vamos expandir a malha com a chegada do segundo avião”, afirmou.

“Diferentemente de outras companhias aéreas, que têm na carga um complemento de receita, nosso principal negócio é justamente transportar carga. Vamos investir tudo nesse negócio e na customização do atendimento”, disse o diretor comercial da Levu, Leandro Pires, um executivo com experiência nas divisões de transporte de carga da Azul (AZUL4) e, muitos anos atrás, da antiga Varig.

“Inicialmente, nosso foco será o B2B, mas aos poucos vamos chegar a toda a cadeia logística, até o last mile”, acrescentou ao se referir às entregas que chegam à casa dos clientes.

Leia mais: Loggi monta malha para PMEs, ganha escala e vai além da geração de caixa, diz CEO

Por ora, o transporte de cargas perigosas e sensíveis a controle de temperatura, que possuem maior valor agregado, deve ser o principal foco.

“No planejamento, já prevemos expansão internacional e a entrada de contas que são clientes globais da DHL, principalmente cargas farmacêuticas”, disse Pacheco.

Apesar da especialidade nesses segmentos, Pires disse que há muitas oportunidades, como embarques para montadoras de automóveis - uma empresa do setor já foi atendida, segundo ele.

Para obter a certificação da Anac, a Levu teve que atender a critérios mais rigorosos da agência reguladora, na esteira da experiência com a ITA, a companhia de transporte aéreo de passageiros da Itapemirim, conhecida pela tradição no setor rodoviário com ônibus, embora também já enfrentasse dificuldades.

A ITA (Itapemirim) estreou no mercado brasileiro em 2021 e durou poucos meses: na época de viagens de Natal e Réveillon daquele mesmo ano deixou na mão milhares de clientes que haviam comprado passagens, em episódio que gerou críticas sobre uma suposta falta de rigor da Anac ao conceder a licença. A ITA teve um pedido de falência decretado no ano passado.

Desafios inerentes

Apesar da ambição, a Levu deve enfrentar desafios inerentes ao setor aéreo, especialmente no Brasil,.

Segundo o sócio-fundador do Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS), Maurício Lima, o mercado de carga aérea no Brasil é pequeno em termos de volume, que chega a 1,4 milhão de toneladas contratadas por ano, dos quais 377 mil toneladas no lado doméstico.

“Grande parte do transporte aéreo de carga ainda é internacional, muito em razão do avião de passageiros”, afirmou Lima.

No Brasil, as companhias aéreas transportam carga majoritariamente na parte de baixo da aeronave – a chamada “barriga” do avião.

Embora a Latam (LTM) tenha cargueiros dedicados, a frequência dos voos é reduzida. Já a Gol (GOLL4) só opera cargueiros dedicados ao Mercado Livre (MELI).

“A vantagem do avião é a velocidade, mas o transit time total, entre a expedição da carga e a chegada ao destino, pode acabar sendo o mesmo do rodoviário nas rotas mais curtas, como Rio-SP”, disse Lima.

Hoje, segundo ele, o maior volume aéreo de carga está na rota entre Manaus - onde fica a Zona Franca - e São Paulo. “O principal do volume de carga aérea ainda está muito ligado às rotas em que o transporte rodoviário é complexo.”

De acordo com o ILOS, neste ano a demanda de carga aérea tem subido 9,3%, mas em 2023 houve queda de 4,5% no mesmo período.

“Existe demanda, mas não é regular para todos os tipos de produtos. O nível de flutuação é grande”, disse Lima.

Por outro lado, ele apontou que a situação é outra para certas cargas de alto valor agregado, como produtos de saúde, medicamentos caros, vacinas, frutas e flores têm exigência de transporte mais rápido. “Esse é um mercado crescente, que acaba tendo demanda constante.”

O diretor comercial da Levu afirmou avaliar que o transporte aéreo de carga tem espaço para companhias dedicadas no país, já que o negócio principal das empresas existentes já citadas é o passageiro.

“Os custos do setor são em dólar, com receita em real. No final, essa conta não fecha. Já as aéreas dedicadas à carga fazem dois dígitos na última linha, são dois mundos diferentes.”

Leia mais: Gigantes de entregas FedEx, UPS e DHL enfrentam obstáculo para adotar frota elétrica

As principais empresas do setor aéreo que operam no Brasil enfrentam ou passaram por desafios financeiros recentemente. Em 2020, a Latam entrou com pedido de Chapter 11 nos Estados Unidos (equivalente à recuperação judicial no Brasil), com conclusão e saída do processo em 2022. Atualmente retomou o processo de crescimento e ganho de market share no transporte de passageiros.

Já a Gol solicitou o mesmo processo em janeiro deste ano. A Azul, por sua vez, realizou negociações com credores nos últimos meses e concluiu uma ampla reestruturação de dívida em novembro.

Experiência no setor

Pacheco faz questão de buscar se diferenciar nesse mercado ao ressaltar a sua experiência de quinze anos no setor de transporte de cargas, a tal ponto que atraiu a DHL como parceira estratégica.

A sua trajetória no segmento vem de seu primeiro estágio, na época não remunerado, em uma empresa no Paraná com 18 anos de idade.

“Minha família não tem pilotos nem ninguém envolvido com aviação, mas desde o primeiro dia de estágio o setor me ‘contaminou’”, disse Pacheco.

Ele relatou que, posteriormente, teve a oportunidade de morar nos Estados Unidos, onde acabou abrindo uma empresa de logística.

“Em 2013, eu já estava trabalhando com o primeiro avião para o transporte de carga e já contratava as horas [para prestar o serviço], com voos nos trechos de Miami-Manaus e Miami-Campinas.”

Leia também

Como a eleição de Trump deve impactar a indústria do petróleo na América Latina

Nosso negócio não está preso a caminhões, diz CEO da JSL sobre diversificação

Como o Mustang se tornou um dos destaques de vendas para a Ford no Brasil

Juliana Estigarríbia

Jornalista brasileira, cobre negócios há mais de 12 anos, com experiência em tempo real, site, revista e jornal impresso. Tem passagens pelo Broadcast, da Agência Estado/Estadão, revista Exame e jornal DCI. Anteriormente, atuou em produção e reportagem de política por 7 anos para veículos de rádio e TV.