Consultoria global prevê enxurrada de litígios em LatAm e vai triplicar equipe

Mudanças regulatórias defendidas por governos de esquerda podem acabar em tribunais de arbitragem, diz Michael Cullen, chefe da FTI Consulting para a área de investigação na região

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Bloomberg Línea — As mudanças regulatórias defendidas e promovidas por presidentes de esquerda na América Latina devem levar a uma enxurrada de casos litigiosos entre empresas e governos locais na Justiça e em tribunais de arbitragem internacional por quebra de contrato nos próximos dois anos.

A avaliação é Michael Cullen, diretor sênior da consultoria especializada FTI Consulting (FCN), responsável pela área de investigação e litígio para a região.

Em entrevista à Bloomberg Línea, Cullen afirmou que a FTI vai triplicar o tamanho da equipe da unidade de investigação na América Latina nos próximos 18 meses, para lidar com o aumento da demanda na região.

“Estamos investindo pesadamente porque acreditamos que haverá grande aumento de atividade na frente de investigação. Isso envolve o trabalho de compliance, envolve business intelligence, due dilligence, e a capacidade de investigação forense. Trazemos não só especialistas forenses mas tecnologias e soluções”, disse Cullen em entrevista no escritório da FTI em São Paulo.

“Nosso CEO e nosso conselho nos deram as capacidades financeiras para ir ao mercado e trazer os melhores talentos do mercado e construir essa equipe dos sonhos, baseada no Brasil, na Colômbia e no México, cobrindo toda a região”, acrescentou o executivo, que lidera a equipe a partir do escritório da empresa em Bogotá, na Colômbia.

Uma das contratações recentes é de Ricardo Indalecio, ex-executivo da KPMG no Brasil e especialista na prática forense, que será managing director para a área de consultoria forense e litigiosa. Ao longo da carreira, Indalecio liderou investigações corporativas envolvendo fraudes, corrupção e casos de demonstrações contábeis que não estavam em conformidade com leis e regulamentos.

‘Onda rosa’

Na visão de Cullen, a chegada de presidentes de partidos de esquerda ao poder na América Latina nos últimos anos - chamada de “onda rosa” por cientistas políticos internacionais - indica que muitos contratos e regulações teriam de ser revistos para levar a frente promessas feitas por eles em campanhas eleitorais.

A maior parte das grandes economias da América Latina é governada por presidentes à esquerda do espectro político, entre eles, o México (com Andrés Manuel López Obrador), o Chile (com Gabriel Boric), a Colômbia (com Gustavo Petro), além de Argentina (com Alberto Fernández) e o Brasil, com Luiz Inácio Lula da Silva.

Cullen afirma que as disputas já estão ocorrendo no México, no Chile e na Colômbia, onde os presidentes chegaram ao poder há mais tempo, e prevê que o mesmo pode se suceder no Brasil durante o governo Lula.

Um exemplo, segundo ele, é o do Chile, onde o governo Boric conseguiu aprovar no fim de maio uma reforma tributária no Congresso que eleva significativamente os royalties de mineração pagos por empresas que exploram o cobre e o lítio no país.

O Chile é o maior produtor e exportador de cobre do mundo e tem uma das maiores reservas de lítio globais, mineral fundamental para a produção de baterias de carros elétricos e visto como uma das fontes de crescimento econômico para o país. As mudanças, segundo o executivo da FTI, podem levar a um aumento do embate litigioso envolvendo as empresas que operam no Chile.

Cullen reconhece que a fragmentação política nos Congressos da região, seja no Brasil seja em outros países, serve como obstáculo para evitar mudanças que podem levar a quebras de contratos e retrocessos regulatórios.

Um exemplo é a resistência da Câmara e do Senado a algumas mudanças defendidas pelo governo Lula, como uma revisão do Marco do Saneamento e da privatização da Eletrobras.

No entanto a defesa do governo desses projetos cria um ambiente de instabilidade no momento em que há grande interesse de empresas estrangeiras em busca de oportunidades de investimento em áreas como energia, infraestrutura e mineração.

“As empresas não estão pensando necessariamente em um prazo de 4 anos ou 5 anos, de uma presidência. Muitos desses projetos têm ciclos de vida de 10, 20, 30 anos. O dinheiro inteligente que tem vindo para a América Latina vê que existe uma oportunidade para fazer negócios, porque os preços em certos mercados estão baixos. É uma boa hora para comprar”, disse o executivo.

Faturamento da FTI na América Latina

A área forense e de litígios representou 21% do faturamento de US$ 3 bilhões da FTI Consulting no ano passado e é a segunda maior unidade de negócio da companhia, atrás apenas da área de finanças e reestruturação corporativa (36%), de acordo com o relatório anual.

A América do Norte é responsável pela maior parte das receitas da empresa, com 65%, seguida das regiões da Europa, Oriente Médio e África (27%) e Ásia-Pacífico (7%). O faturamento da América Latina representa apenas 1% do total.

No primeiro trimestre, o faturamento na América Latina somou US$ 8,58 milhões, uma redução de 3,5% em relação ao quarto trimestre de 2022 e queda de 13% sobre o resultado do mesmo período do ano passado (US$ 9,86 milhões).

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