Bloomberg Línea — “Você viu o meu mandarim? Foi um sucesso de público”, pergunta Eduardo Parente, CEO da Yduqs.
O executivo e professor de gestão que lidera um dos maiores grupos de educação do país fez menção à apresentação de resultados do terceiro trimestre, em que, com o uso de IA (Inteligência Artificial) generativa da EnsineMe, uma das edtechs da holding, falou na língua mais falada da China, e também em francês, espanhol, alemão e nos tradicionais português e inglês.
Ao contar o episódio, mais do que uma anedota, Parente quis reforçar o que ele descreve como momento único da educação, com a transformação de modelos de ensino sob o impacto crescente da tecnologia.
Ele disse acreditar que haverá uma corrida para qualidade no ensino superior. “E isso significa mais preço, algo premium? Não, mas que as escolas terão que entregar muito mais pelo mesmo preço não importa o segmento.”
“Estamos todos trabalhando para que o ensino seja o mais eficiente possível com uso de tecnologia, seja na interação virtual, com o EaD [Ensino à Distância], ou presencial na sala de aula”, disse Parente.
Segundo o executivo, há seis anos à frente de um grupo (YDUQ3) que conta hoje com 1,35 milhão de alunos, atualmente cerca de 30% do seu tempo é dedicado a questões que não terão impacto financeiro nos próximos três anos.
“Pode ter impacto na qualidade do ensino e no NPS [Net Promoter Score, uma métrica global de satisfação] dos alunos, mas não financeiro imediato.”
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Ao longo de sua gestão, Parente conduziu a Yduqs para um reposicionamento de suas principais marcas, da Ibmec, que ele disse hoje estar em condições de igualdade com Insper e FGV como escola de negócios, à Estácio, a sua principal instituição em números de alunos e receitas.
“E isso só foi possível com uso de tecnologia, para dar mais apoio aos professores e melhorar a experiência do aluno”, afirmou.
O executivo apontou que, nesse processo, um dos desafios para as lideranças é entender o que faz mais sentido para os alunos no momento de intensa transformação.
“Muitos falavam ‘vamos entregar o que o mercado quer’. Mas você não entende completamente o que o mercado quer, e a angulação de um curso pode mudar o que o mercado quer.”
Para ele, que durante quatro anos foi professor de gestão na Estácio para calouros, a qualidade passa por conseguir entregar para cada aluno o conteúdo de que ele precisa. O que sempre foi um desafio na medida em que o nível de conhecimento e preparação é diferente entre os alunos - um desafio recorrente mas que é amplificado pelo movimento gradual de acesso mais amplo no país.
“A tecnologia permite que você dê conteúdo a mais para aquele que está mais à frente, que dê um reforço para quem está mais atrás, e a média acaba sendo mais alta do que era antes”, afirmou.
O professor faz paralelo ao processo de aumento da alcance do ensino básico e do ensino médio. “O saudosista chega e diz que o ensino público na sua época era de maior qualidade. Era, mas para muito menos pessoas. Depois da inclusão, o esforço é para aumentar a qualidade.”
No ensino superior, as ferramentas para a melhoria da qualidade já estão disponíveis, o que significa, em sua avaliação, que esse processo acontece ao mesmo tempo do aumento da inclusão.
“A tecnologia inicialmente possibilitou levar conteúdo de elite para as massas, por meio do EaD. A Inteligência Artificial faz o caminho contrário no sentido de que permite você entender quem é quem e personificar coisas que antes só eram possíveis no mundo da exclusividade”, disse Parente.
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Segundo ele, em outro exemplo na Yduqs, a IA tem sido fundamental para entender a evolução e as nuances no desempenho de cada aluno em provas digitais aplicadas para avaliar o que é chamado de grau de aprendizado, com um histórico e as comparações com estudantes de anos passados.
“Nós temos uma cultura de fazer que vem dos tempos de GP [Investimentos] e do Chaim Zaher [principal acionista do grupo], aliada a muito investimento em tecnologia”, disse Parente.
Segundo ele, o capex (investimento) chegou a cair para o equivalente a 4% a 5% da receita no auge da pandemia e voltou a subir e chegou a 12% em 2021, acima dos patamares de concorrentes. “Buscamos um fly to technology que foi muito importante, colocando muitos projetos para testar.”
Muitos desses projetos foram desenvolvidos em parceria com a CI&T, segundo ele.
Parente contou também que tem envolvimento, ainda que em menor grau, segundo faz questão de ressaltar, em um projeto de “matchmaking” que faz uso de IA para ajudar os alunos a encontrar empregos. “Temos que ajudar todos os alunos a encontrarem bons empregos, não apenas os melhores.”
O executivo contou que o LMS (Learning Management System) e o banco de questões são da própria Yduqs, diante do entendimento de que tais questões fazem parte do core business.
Salto de crescimento e consolidação
Parente se recorda da época em que se formou em negócios, nos anos 90. “Você tinha que ter uma visão de longo prazo e não havia muito espaço para errar.”
“Que empresas hoje fazem planos de longo prazo, de dez anos? De infraestrutura, talvez? Empresas de serviços fazem planos de três anos, existe um norte, e ao longo de um ano tomam decisões que podem te levar para caminhos muito diferentes”, disse o executivo.
Antes de chegar à Yduqs, quando ainda se chamava Estácio, Parente trabalhou nove anos na McKinsey e depois fez carreira na indústria de mineração e de infraestrutura: foi presidente da MRS Logística, da Prumo Logística (controladora do Porto de Açu) e da Companhia Siderúrgica do Pecém, além de diretor de projetos especiais da Vale. “Meu mundo é curva de custo”, costuma dizer.
Engenheiro de formação pela UFRJ, com mestrado em administração de empresas pela NYU, em Nova York, ele contou que, ao assumir o grupo de educação, buscou encontrar regressões para identificar eventuais correlações entre captação de alunos com PIB ou taxa de desemprego, para entender melhor a dinâmica do setor. “Não encontrei nada.”
“Depois de um ano, me dei conta de que os grandes crescimentos ou as grandes quedas acontecem a partir de mudanças regulatórias, como foi o caso da entrada ou da redução do Fies”, disse, em alusão ao programa federal de financiamento de alunos do ensino superior.
Outras variáveis externas como a autorização do MEC (Ministério da Educação) para a abertura de polos também favorecem saltos em menor grau de expansão das instituições.
Diante dessa dinâmica, a empresa buscou uma estratégia que hoje combina crescimento orgânico em patamares mais baixos, algo de certa forma natural diante do aumento da base em anos passados, com “três a quatro aquisições de menor porte por ano”.
A mais nova aquisição foi anunciada nesta manhã de segunda-feira (9) ao mercado: a Edufor, do Maranhão, com 118 vagas de gradução em medicina e 2.800 alunos de graduação presencial, por R$ 145 milhões.
Nessa equação descrita, a mensagem endereçada ao mercado se traduz em guidances que projetam um lucro por ação que cresce de 5% a 8% de forma orgânica, com melhora de margem.
“Os meus negócios que mais crescem são os de maior margem: medicina e EaD. Ou seja, a minha margem como um todo tende a subir.”
Segundo ele, com os M&As de menor porte, a Yduqs consegue levar o crescimento do lucro por ação para patamares maiores, acima do guidance. Foi o caso neste ano, por exemplo, da aquisição do Centro Universitário Newton Paiva, em Minas Gerais, por R$ 49 milhões.
“Mas o setor é muito pouco consolidado. Eu posso fazer de três a quatro pequenas aquisições por ano, mas tem que haver a fusão grande. Vai ser na semana que vem ou daqui a três anos? Eu não sei.”
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“Nós vemos muito valor, mas não conseguimos chegar a um consenso quanto ao valuation que fosse atraente entre as duas partes. Todo mundo já conversou com todo mundo”, disse o CEO da Yduqs.
Em setembro, duas notícias separadas publicadas pelo Pipeline e pelo Valor Econômico relataram que o Yduqs estaria em conversas com a Vitru e com a Cogna (COGN3), respectivamente, para possíveis M&As. As companhias não comentaram à época.
Nesse meio tempo, a Yduqs tem ampliado o Ebitda (métrica de geração de caixa operacional), que chegou a R$ 1,42 bilhão nos nove primeiros meses de 2024, e reduzido a alavancagem, que caiu para o equivalente a 1,56x a dívida líquida sobre o Ebitda, mesmo com um programa de recompra de ações, além do custo do passivo.
Diante dos aprendizados, Parente contou que, no momento de chegada do governo atual, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, decidiu não apostar na volta do Fies. “Hoje o setor como um todo não tem mais a dependência do programa como no passado, depois da desorganização que provocou.”
O executivo apontou que, em geral, as grandes instituições de ensino superior crescem naturalmente a taxas menores depois da expansão mais acelerada dos anos 2010, agora com avanço da rentabilidade, um processo que a Yduqs alcançou antes.
“No ensino presencial, os valores das mensalidades estão subindo nas instituições, enquanto o EaD ainda cresce. Existem 30 milhões de alunos do ensino médio e do superior que precisam do EaD e que conquistam um aumento de renda quando conseguem fazê-lo”, afirmou.
O CEO da Yduqs resume o que entende que deveria ser o ponto de vista do investidor: “é como se eu tivesse uma renda fixa contratada pelos próximos três a cinco anos e, no meio do caminho, pode ocorrer um grande evento como uma consolidação ou a retomada do olhar do estrangeiro para emerging markets.”
Em sua visão, por outro lado, muitos investidores estão à espera de um trigger - um gatilho - apesar da promessa do crescimento já contratado. Neste ano, a ação da Yduqs tem queda da ordem de 60%, depois de ter liderado os ganhos dentro do Ibovespa em 2023, com alta de mais de 120%.
- Matéria atualizada às 7h55 desta segunda-feira (9/12), com a informação sobre o impacto que M&As de menor porte podem exercer sobre o crescimento do lucro por ação da Yduqs; e atualizada ao meio-dia de segunda-feira (9/12) com as informações da aquisição da Edufor.
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