Bloomberg — Em tentativa para que profissionais trabalhem presencialmente no escritório com mais frequência, algumas empresas nos Estados Unidos e no Brasil já chegaram a oferecer cafés especiais, sorvetes, aulas de ioga e até festas com DJ. Mas isso ainda não foi suficiente. Por isso algumas companhias americanas têm oferecido a funcionários um “benefício” mais tradicional: uma mesa própria.
O chamado hot desking ou hoteling, modelo no qual os funcionários compartilham as mesas disponíveis quando estão no escritório, em vez de terem uma permanente para cada um, não era algo inédito, mas “decolou” durante a pandemia como forma de as empresas reduzirem custos na era do trabalho híbrido.
Agora, algumas empresas perceberam que podem ter ido longe demais. Há queixas sobre o compartilhamento de mesas - desde preocupações com a higiene até uma suposta falta de “alma” de escritórios sem espaços personalizados.
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Isso levou a Salesforce (CRM) e outras empresas a verificar se as mesas de uso exclusivo poderiam atrair funcionários ao escritório com mais frequência.
A parcela de mesas de uso exclusivo para funcionários nos Estados Unidos aumentou após vários anos de declínio, de acordo com a empresa de arquitetura de escritórios Gensler.
“Os clientes não querem dar aos funcionários uma desculpa para não irem ao escritório”, disse Caitlin Turner, diretora de interiores da empresa de arquitetura HOK, que projetou escritórios para a Boston Consulting Group e a Honeywell International. “Se você quer que eles compartilhem mesas, os funcionários dizem: ‘Por que deveríamos?’”
Os funcionários não estão se fazendo de difíceis, segundo especialistas.
Haveria um grau de conforto — tanto psicológico quanto físico — derivado do ritual de se sentar à mesma mesa todos os dias. Em uma época em que 77% dos funcionários dizem estar insatisfeitos por um motivo ou outro, de acordo com uma nova pesquisa da Gallup, isso em tese seria importante. “É uma coisa a menos com que se preocupar”, disse Turner.
Fotos de família sobre a mesa lembram aos funcionários por que eles estão no escritório, e uma cadeira ergonômica adaptada às configurações corretas pode ser muito útil (quando a HOK realiza pesquisas com os funcionários sobre o que é mais importante para eles em um ambiente de escritório, as cadeiras estão sempre no topo da lista).
“Meu maior problema com o hot desking é que tenho de procurar uma cadeira que não esteja quebrada”, reclamou um usuário no Reddit. “E depois tenho que reajustar a posição da cadeira e a altura da tela. Então, às vezes, 30 minutos da minha manhã são desperdiçados na preparação do meu ambiente de trabalho antes mesmo de começar a trabalhar.”
Há também o “fator de repulsa” de ter que compartilhar um teclado e um mouse, disse Brian Kirby, de 42 anos, desenvolvedor de software morador da cidade de Charleston, na Carolina do Sul.
E nos dias em que todas as pessoas da empresa precisam comparecer ao escritório, o compartilhamento de mesa pode se tornar uma troca intensa de cadeiras de escritório, com mesas insuficientes para todos, o que deixa alguns trabalhadores acampados na sala de descanso o dia todo.
O Citigroup (C) passou a usar mesas de uso compartilhado há cerca de uma década, mas, quando o gigante do setor bancário chamou os funcionários de volta ao escritório em 2022, surgiram reclamações de que eles não conseguiam encontrar uma mesa às quartas-feiras, quando a maioria das pessoas deveria estar presente.
Desde então, o comparecimento tem se distribuído de forma mais uniforme ao longo da semana.
Isso não acontece apenas em Wall Street. A média de pessoas por mesas em um escritório tem aumentado, de acordo com dados da corretora de imóveis comerciais Jones Lang LaSalle (JLL), à medida que as empresas reduzem a metragem quadrada e as estações de trabalho individuais.
Em 2019, a proporção mais comum de compartilhamento de mesas era de cerca de 1,1 ou 1,2 pessoa por assento disponível, mas, neste ano, a proporção mais citada para empresas em modelo híbrido foi de mais de 1,5 pessoa por assento, segundo a JLL.
Nem todos estão satisfeitos com isso. A JLL observou uma “falta de aceitação do compartilhamento de assentos, tanto pela liderança quanto pelos funcionários”.
A discórdia só aumentou, pois a ocupação de escritórios continua equivalente a cerca de metade dos níveis pré-pandemia em dez grandes cidades dos EUA, de acordo com a empresa de segurança Kastle Systems.
Com andares vazios por toda parte, os empregadores “adotam cada vez mais as mesas próprias”, de acordo com Gabe Marans, vice-presidente da corretora de imóveis Savills.
A Salesforce normalmente faz com que os funcionários se sentem perto de seus colegas de equipe nas chamadas “vizinhanças”, mas tem experimentado mesas permanentes em outros locais, disse Relina Bulchandani, vice-presidente executiva de serviços imobiliários e de local de trabalho, em uma entrevista à Bloomberg News. A empresa não quis dar mais detalhes.
‘Embaixador da felicidade’
As empresas que mantiveram a política de compartilhamento de mesas adotam diferentes medidas para tentar facilitar a vida dos funcionários.
A gigante farmacêutica francesa Sanofi começou a compartilhar mesas em 2017 para utilizar melhor seu espaço. Quando reformulou seu escritório em Cambridge, no estado de Massachusetts, a empresa optou por ter apenas uma mesa para cada dois funcionários. Até mesmo os cientistas da Sanofi precisam compartilhar bancadas de laboratório.
Para ajudar a fazer o modelo funcionar, o escritório da Sanofi tem uma variedade de espaços de trabalho - cabines com privacidade, pequenas salas de reunião, grandes mesas - e até mesmo um “embaixador da hospitalidade” que pode atender às necessidades dos funcionários, de acordo com Fernando Faria, chefe global de transformação do local de trabalho da Sanofi.
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A Spotnana, uma startup de tecnologia de viagens com 300 funcionários, adota a abordagem oposta. Todos os funcionários de seus escritórios em Nova York, Bangalore e Palo Alto, na Califórnia, têm sua própria mesa, de acordo com Jessica Bartlett, vice-presidente de pessoal.
Os empregadores perceberam que as longas horas de trabalho em casa durante o auge da pandemia permitiram que os funcionários flexibilizassem seu espaço em home office, com iluminação de alta qualidade, monitores extras e decorações pessoais, como plantas.
Os designers se referem a isso como a “curadoria do espaço dos olhos” e, à medida que os funcionários voltam para os escritórios, eles querem manter essa sensação de controle sobre suas estações de trabalho.
“Queremos que seja o mais fácil possível levantar de manhã, se arrumar e ir para o trabalho”, disse Bartlett. “Você não quer nenhuma barreira”, sem mencionar o tempo que se leva de deslocamento da casa ao escritório e vice-versa, uma das principais razões usadas por quem defende o home office.
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