Em nova fase, Creditas reinveste todo o lucro para acelerar a expansão, diz CEO

Em entrevista à Bloomberg Línea, Sergio Furio diz que fintech entrou em um ciclo em que clientes que já estão na base ou registrados rentabilizam a operação e reduzem o custo de aquisição

Sergio Furio, fundador e CEO da Creditas
29 de Agosto, 2024 | 10:01 AM

Bloomberg Línea — Os anos recentes de escassez de capital e juros mais altos em 2022 e 2023 significaram um choque de realidade para startups. A busca pela eficiência se tornou um mantra nessa indústria.

Para aquelas que conseguiram atravessar a crise do mercado, o momento é de retomada do crescimento com uma operação mais equilibrada e que eventualmente já dispensa até capital externo novo. É o caso da Creditas, uma das startups com status de unicórnio mais valiosas da América Latina.

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“Estamos em um momento muito positivo, em que fica mais evidente o poder da máquina que criamos”, disse Sergio Furio, CEO e fundador da Creditas, em entrevista à Bloomberg Línea. É uma fase de “reaceleração do crescimento” iniciada neste ano depois que a startup chegou ao breakeven no fim de 2023.

“Desenvolvemos um portfólio de crédito com garantia, principalmente nos últimos dois anos, que tem uma margem muito alta. E essa margem gera cerca de R$ 200 milhões a R$ 220 milhões em lucro bruto por trimestre em cima de cerca de R$ 500 milhões de receita”, disse o empreendedor e executivo.

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Esses recursos têm sido destinados para o pagamento da estrutura decrescente (em termos percentuais) de custos fixos e, principalmente, para ser reinvestido para o crescimento dos negócios. E isso cria um ciclo virtuoso.

“À medida que ganhamos escala e as margens aumentam, sobra mais dinheiro para investir em crescimento.” O lucro bruto no segundo trimestre cresceu 45% na base anual e chegou a R$ 209,4 milhões.

“A nossa mentalidade para os próximos dois anos é: ‘vamos reinvestir qualquer lucro que entre’. Lançamos como despesa para atrair novos clientes e que isso traga mais lucro no futuro’”, disse o CEO da Creditas.

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Isso vai se traduzir em lucros líquidos próximos a zero no período citado e aumento do volume de originação de crédito. Este indicador totalizou R$ 695 milhões no segundo trimestre, com alta de 16,5% sobre o primeiro. O portfólio total ficou em R$ 5,66 bilhões, praticamente estável ao longo do último ano, o que sinaliza que a empresa tem conseguido aumentar o lucro e a geração de caixa com ganho de eficiência.

Nesse sentido, segundo Furio, há dois eixos principais para destinar o investimento: melhorias de experiência para os usuários e automatização de processos.

“No primeiro caso, tem a ver com tirar trabalho do usuário para que ele possa fazer a mesma coisa [no onboarding, na navegação ou na contratação de um empréstimo, por exemplo] e aprender mais sobre o produto”, disse. Essa frente resulta em taxas melhores de conversão, que estão nos níveis mais elevados da história da companhia.

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“No segundo, é a automatização, com uso de tecnologia, como IA [Inteligência Artificial], para ganhar produtividade. O custo unitário de produção do crédito está caindo e no menor patamar histórico. No fim, conseguimos ter uma ‘escalabilidade’ maior do nosso modelo de negócios.”

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Como reflexo da estratégia, desde março, abril, os volumes de receitas começaram a subir de patamar, para R$ 550 milhões [na projeção trimestral], e, no trimestre atual, há um novo salto, segundo ele.

“Estamos crescendo no ritmo de 25% ao ano [na métrica do CAGR, da taxa de crescimento anual composto] sem consumir caixa externo”, resumiu. “E a trajetória é muito clara: vamos acelerar esse crescimento nos próximos trimestres, na faixa de 25% a 50% ao ano.”

Em entrevista à Bloomberg News em abril, Furio disse que o objetivo era crescer a empresa para um patamar de US$ 1 bilhão em receitas anuais, como parte do plano de uma potencial listagem nos Estados Unidos. Esse número poderia ser alcançado em um prazo de 18 a 24 meses, afirmou na ocasião.

Em sua última rodada, uma Series F anunciada em janeiro de 2022 e liderada pela gigante americana de investimentos Fidelity, a Creditas levantou US$ 260 milhões e foi avaliada em US$ 4,8 bilhões, o que a alçou ao status de uma das startups mais valiosas da América Latina.

Outros investidores no cap table incluem QED Investors, VEF, SoftBank (por meio do Vision Fund 1 e do Latin America Fund), Kaszek, Lightock, Headline, Wellington Management e Advent International.

Crescimento dentro da base

O momento de crescimento saudável da Creditas decorre também de outra dinâmica favorável, desta vez relacionada aos canais de aquisição de clientes.

Ao longo dos trimestres e dos últimos anos, a participação de clientes já registrados na Creditas ou que já estão ativos com empréstimos contratados subiu gradualmente a tal ponto que respondem juntos por cerca de 70% da originação de crédito, enquanto a mídia paga hoje responde por cerca de 5% do total (versus mais de 50% em 2018 ou na casa de 20% há três anos, por exemplo).

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Outro dado que reforça a dinâmica de engajamento é o da evolução das “safras” de clientes conforme os anos de relacionamento dentro da base da empresa. Quanto mais tempo passa, mais aprofundado é o relacionamento, o que se traduz em uma receita mais alta por cliente.

É uma base com mais de 12 milhões de clientes registrados, dentro de um mercado endereçável estimado em 70 milhões de brasileiros com propriedade de imóveis ou carros, o que, segundo ele, dá uma dimensão do potencial de aumento de penetração dos produtos da Creditas.

Nessa estratégia, os empréstimos com garantia continuam como core do que é oferecido, mas a oferta de produtos tem sido ampliada em casos relacionados dentro da lógica de jornada.

“Estamos construindo um ecossistema de soluções completo e temos um compromisso estratégico de longo prazo para construir uma plataforma completa em torno dos ativos dos clientes”, disse a Creditas no release de resultados, citando seguros, soluções como benefícios para o trabalhador que toma o consignado e investimentos, de FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios) a fundos imobiliários.

Investimento maior

O reinvestimento na prática é maior do que aparece na demonstração financeira em decorrência da diferença entre o fluxo de caixa e o resultado contábil, segundo o CEO da Creditas.

Furio explicou que, na média, a Creditas concede crédito com prazo de sete anos: em home equity (empréstimo em que o imóvel é dado em garantia em caso de inadimplência), o prazo médio é de 20 anos, em auto equity (em que o carro serve como garantia), de cinco anos, e em consignado privado (o salário do trabalhador), de três anos. E, portanto, recebe margem em cima do financiamento ao longo de sete anos.

No momento da originação do crédito, há despesas relevantes relacionadas ao custo de aquisição do cliente para o produto e de 50% da provisão futura - ainda que esse financiamento com garantia não venha gerar inadimplência -, o que tem efeito negativo para o resultado contábil.

Na prática, isso significa que o fluxo de caixa decorrente do lucro líquido é maior do que o resultado contábil, que antecipa desdobramentos da carteira que ainda não aconteceram.

Nos últimos meses, o que tem acontecido é justamente contrário, uma evolução positiva: a qualidade do portfólio de crédito tem melhorado, o que resultou em redução das provisões para perdas futuras.

Ele explicou que, em home equity, a inadimplência é “extremamente baixa, o que significa que o produto é o mais distante que existe de um crédito tradicional”; em auto equity, tem se mantido nos mesmos níveis dos últimos anos. A diferença para melhor vem do crédito consignado privado, em que o salário do trabalhador serve como garantia. O risco está associado à perda ou à saída desse cliente da empresa.

“Há um turnover em torno de 2%, que é próximo da média do mercado de trabalho. Mas, nos últimos quatro a cinco meses, esse turnover caiu. Além disso, a recuperação dos valores seja por meio do pagamento da dívida com uso de verbas rescisórias ou uma recolocação também aumentou”, afirmou.

Esse cenário benigno está sujeito a um impacto limitado da manutenção da taxa básica de juros no patamar de 10,50% ao ano, segundo Furio, tanto na frente de demanda de clientes como de funding.

No primeiro caso, por causa das características do portfólio colaterizado nas três modalidades de crédito acima citadas; no segundo caso, por causa do acesso ao mercado de capitais, em que a Creditas tem verificado uma demanda aquecida, o que cria condições para a redução dos spreads a cada emissão.

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.