Ducoco: como o grupo passou de império familiar à recuperação judicial

Grupo fundado pela tradicional família Pinheiro, do Ceará, que chegou a ser a líder do mercado de água de coco, busca reestruturar uma dívida de quase R$ 670 milhões

Grupo Ducoco, de água de coco, entra em RJ, recuperação judicial
21 de Abril, 2025 | 05:15 AM

Bloomberg Línea — Uma tradicional família da elite do Nordeste brasileiro alimentou sua fortuna com extensas plantações de palmeiras de coco verde a partir dos anos 1980. E chegou a liderar o mercado nacional de derivados do coco. Mas uma gestão financeira mal-sucedida, aliada à pressão nos custos dos insumos, levou esse império à recuperação judicial.

Esse poderia ser um breve resumo da longeva trajetória da Ducoco, grupo que entrou com pedido de recuperação judicial em fevereiro, com dívidas declaradas de cerca de R$ 670 milhões.

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A reestruturação da dívida de R$ 667,720 milhões, segundo o pedido de recuperação judicial, atinge duas empresas que formam o grupo: a Ducoco Alimentos e a Ducoco Produtos Alimentícios.

E envolve credores financeiros como a Reit Securitizadora, do Rio de Janeiro, fundos inicialmente geridos pela Quasar Asset Management, que foi adquirida em março de 2024 pela Reag Investimentos, o Itaú Unibanco (ITUB4), maior banco do país, e o estatal Banco do Nordeste.

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Com duas fábricas (uma em Itapipoca, no Ceará, e outra em Linhares, no Espírito Santo), um centro de distribuição e mais de cem produtos em quatro marcas, o grupo disse contar com 966 postos de trabalho diretos e gerar cerca de 1.000 empregos indiretos.

Além da marca que dá nome ao grupo, o portfólio conta com a Menina, também de derivados de coco, e a Frutop e a Chomax, de sobremesas semiprontas e achocolatado em pó.

O processo de recuperação judicial, que tramita na Justiça cearense, está na fase em que corre o prazo para contestação de valores por parte de credores.

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A Bloomberg Línea tentou contato com membros da família Pinheiro, mas não obteve resposta.

Na petição protocolada na Justiça em outubro passado, a Ducoco aponta que o pedido de proteção contra credores foi reflexo de anos de gestão financeira sob pressão, que buscava recursos no mercado de capitais para financiar sua operação, sem geração própria de caixa suficiente, aliada ao que classificou como “falsa premissa” de um dos credores e à escalada dos custos dos insumos (veja mais abaixo).

A origem do grupo remonta a mais de quatro décadas atrás, quando a família Pinheiro, então já influente no Ceará - estado cuja fama inclui um litoral abundante do chamado “ouro verde” -, apostou no negócio agroindustrial e fundou a primeira fábrica da Ducoco em 1982.

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O impulso nos negócios do clã, que frequentava as colunas sociais de Fortaleza, veio nos anos 1990, quando chegou à liderança do mercado e depois começou a exportar para os Estados Unidos em momento de apelo crescente dos derivados como água de coco, leite de coco e coco ralado junto a consumidores.

As atividades empresariais da família Pinheiro, em particular dos três filhos do banqueiro e industrial cearense Jaime Nogueira Pinheiro (1915-1976), Jaime Pinheiro Filho, Norberto Pinheiro e Nelson Nogueira Pinheiro, no entanto, não se restringiram à agroindústria ao longo das décadas.

Eles lideraram bancos de pequeno e médio porte, como BMC, Pine e FPB Bank, este com sede no Panamá, sendo alvo de investigações da Justiça em certas ocasiões - e negaram irregularidades. O BMC acabou sendo vendido para o Bradesco (BBDC4) por R$ 800 milhões em 2007.

A Ducoco, por sua vez, não pertence à família Pinheiro desde 2020, quando foi vendida para a Malibu Holding, uma sociedade anônima de capital fechado, por valores à época não revelados.

“A Ducoco é controlada hoje pela empresa Malibu. [O fundador] Nelson Pinheiro não tem relação com a Ducoco desde 2020, quando vendeu sua participação por meio de uma operação normal de compra e venda. As operações da Ducoco seguem normais desde o início da RJ [recuperação judicial]”, informou a BRS Advogados, que representa o grupo Ducoco, em e-mail enviado à Bloomberg Línea.

Novos donos da Ducoco

Um dos sócios da Malibu Holding é o administrador Rodrigo Camargo Neves de Lucas, da Terra Nova Trading. A empresa é uma operadora de comércio exterior que atua em diversos segmentos, de combustíveis a commodities agrícolas e que apresenta a Ducoco em seu site como sua empresa coligada.

O atual CEO da Ducoco, Frederico Negrão, também figura como sócio administrador da Malibu, cuja matriz fica no Espírito Santo, onde a produtora de coco tem fábrica.

O executivo, que acumula a função de CFO, não quis falar com a Bloomberg Línea sobre a recuperação judicial do grupo, segundo o escritório de advocacia que representa a Ducoco.

Registros mostram que o fundador da Ducoco, Nelson Nogueira Pinheiro, já teve participação acionária na Malibu. Em 2018, ele era controlador da Dec Participações, que detinha 60% da holding, segundo uma reportagem do jornal Valor Econômico publicada em maio daquele ano.

Em novembro de 2020, Eduardo Pinheiro, um dos filhos do fundador, foi destituído como membro do conselho da Malibu Holding, segundo ata da assembleia publicada no Diário Oficial de São Paulo.

O Banco Pine, que tem como acionista controlador um irmão de Nelson, Norberto, não respondeu a pedido de entrevista da Bloomberg Línea. Nelson não faz mais parte oficialmente do banco, segundo uma pessoa que pediu anonimato, pois não tem autorização para tratar do assunto publicamente.

De líder do setor à perda de share

Na petição da recuperação judicial, o grupo lembrou um marco de sua história no ano de 1990, quando chegou a investir US$ 5 milhões e investia em publicidade na TV, com sua primeira campanha à época estrelada pela atriz global Angelina Muniz. Naquela época, era a maior do setor.

“De julho de 1989 a julho de 1990, a Ducoco figurou como líder no mercado nacional de leite de coco, com 20,9% de participação”, recordou a empresa no documento.

A Ducoco se manteve com relevância na indústria nacional ao longo dos anos, ainda que tenha perdido gradualmente participação de mercado para outros players.

Entre 2023 e 2024, por exemplo, em dado mais recente, o market share caiu para 6,8%, o que lhe conferiu a quinta posição do segmento de água de coco.

A categoria tinha a liderança da Sococo (13,1%), seguida por Kero Coco (11,2%), adquirida pela PepsiCo (PEP) em 2009, Puro Coco (9,2%) e Mais Coco (7,3%), segundo dados da consultoria Kantar fornecidos à Bloomberg Línea.

Mais recentemente, o endividamento da Ducoco se agravou com um revés no plano de ingressar no mercado de sucos, néctares e chás por meio de uma parceria comercial com a WOW Nutrition, dona das marcas SuFresh, Soyos, Feel Good, Vitalon, Assugrin, Doce Menor e Gold.

“A operação não se revelou exitosa e resultou em um prejuízo da ordem de R$ 14,111 milhões entre janeiro de 2023 a agosto de 2024″, citou a Ducoco na petição de recuperação judicial.

A escalada dos custos de insumos fundamentais para a agroindústria, notadamente água de coco e coco ralado, cujos valores subiram 238% e 205% desde junho de 2023 até a data da petição em outubro, teria contribuído para pressionar as margens da companhia e, por tabela, os resultados.

“[Isso] prejudicou o fluxo de caixa necessário ao cumprimento das obrigações de curto e médio prazos, dentre eles o pagamento da primeira parcela de amortização das debêntures emitidas em 2023″, apontou a Ducoco no documento à Justiça.

Pressão de credores

Na petição, a Ducoco relatou que sustentava sua operação com o “fornecimento de produtos mediante compromissos de pagamentos futuros, representados por emissão de duplicatas. Diante da necessidade de caixa para melhor conduzir suas operações, as requerentes [da recuperação judicial] passaram a ceder esses títulos de créditos para fundos de investimento”.

A Ducoco disse no documento que três fundos de investimento de direitos creditórios (FIDC) geridos pela Quasar Asset Management (Quasar, Laniakea e Produção) teriam exercido pressão para impedir o grupo de continuar a realizar cessões de seus títulos de dívida para fundos em busca de novos recursos.

Esses fundos pagavam à vista, com deságio, e as empresas da Ducoco usavam o capital para suas atividades.

Esse procedimento funcionou “sem problemas” até 2023, segundo a petição.

Naquele ano, os três fundos da Quasar emitiram um comunicado relevante para alertar investidores de que os créditos cedidos pela Ducoco passariam a ser classificados como “perda”. Essa medida teria, segundo a Ducoco na petição, prejudicado o fluxo de caixa da empresa “sobremaneira”.

“Com o caixa pressionado, as requerentes [as empresas da Ducoco] emitiram 128.000 debêntures para captar recursos, mas boa parte desses recursos foi usada para pagar dívidas, em vez de ser aplicada no fomento da atividade”, explicou o grupo na petição.

Há cerca de um ano, em março de 2024, a Quasar foi adquirida pela Reag Investimentos, de João Carlos Mansur.

Em resposta à Bloomberg Línea, a Reag informou que não se manifestaria sobre a recuperação judicial da Ducoco, pois “a gestão do FIDC Quasar Ducoco e do FIDC Produção I foi transferida da Quasar Asset Managment para a Chimera Capital Asset Management em 24 de setembro de 2024″.

O fundo Quasar Ducoco FIDC é o segundo maior credo financeiro da Ducoco (R$ 89,429 milhões).

Outros FIDCs listados como credores são Bio Stars (R$ 26,324 milhões), New Trade (R$ 16,776 milhões), SB Crédito (R$ 4,545 milhões), Puma (R$ 3,551 milhões), JPI (R$ 2,349 milhões), Lotus (R$ 2,143 milhões), Pontual Brasil (R$ 1,796 milhões), Sifra Plus (R$ 1,714 milhão), IB Sigma (R$ 417.164,16).

Execução de dívida e litígio

A maior credora financeira da Ducoco (R$ 110 milhões) é a Reit Securitizadora, com sede no Rio de Janeiro, segundo uma lista apresentada à Justiça e obtida pela Bloomberg Línea.

Esse crédito é decorrente de uma captação da Ducoco no valor de R$ 128 milhões, na citada emissão de debêntures para financiar suas operações, em momento de rigor maior de bancos na concessão de crédito. Esses títulos tornaram-se o lastro de CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) da Reit.

Em outubro passado, como relatado anteriormente, a Ducoco deixou de pagar as parcelas de amortização e remuneração das debêntures, o que caracterizou o vencimento antecipado automático, segundo comunicado visto pela Bloomberg Línea.

A Reit deu, em vão, à Ducoco prazo de cinco dias para o pagamento de salvo devedor (R$ 146,401 milhões).

Por causa da Ducoco, a Reit também entrou em litígio com a seguradora KOVR e a resseguradora Bezley, que emitiram a apólice, a fim de garantir a cobertura do seguro após a inadimplência. As duas se recusaram, o que levou a securitizadora a engajar escritórios de advocacia no caso.

A Ducoco tinha dado como garantia do contrato de seguro celebrado com a KOVR os recebíveis de exportação de 100 milhões de litros de água de coco para a importadora All Market Singapore, dona da marca Vita Coco, uma das principais no mercado norte-americano.

O contrato de fornecimento, firmado em setembro de 2023, previa embarque desse volume de janeiro de 2024 a dezembro de 2028, em um contrato estimado em R$ 463 milhões.

A Ducoco passou a sofrer ações de execução na Justiça de São Paulo, o que comprometeu ainda mais o fluxo de seu faturamento.

O fundo B2Cycle, gerido pelo Itaú, venceu uma batalha jurídica e garantiu uma penhora mensal de R$ 4,332 milhões, segundo a petição da recuperação judicial. O fundo aparece na lista de credores da Ducoco com um crédito a receber de R$ 5,557 milhões, enquanto o Itaú tem outros R$ 6,559 milhões.

Outro player financeiro envolvido na recuperação judicial da Ducoco é o Banco Planner. Os pagamentos do importador da água de coco (All Market Singapore) seriam realizados em dólares e convertidos para reais, com transferência para a conta garantida no Planner.

O contrato exigia que R$ 11 milhões dos R$ 128 milhões captados com as debêntures fossem depositados nessa conta, mas havia uma cláusula que permitia cancelar o contrato se algo desse errado.

Com o processo de recuperação judicial (RJ) deferido pela Justiça cearense, a Ducoco conseguiu suspender atos de execução determinados por juízes de São Paulo, o que incluiu a liberação de R$ 1,611 milhão depositado pelo Grupo Pão de Açúcar (PCAR3), que comercializa produtos da companhia.

“O GPA é cliente e tem valores para pagar à Ducoco. Diante disso, os credores que estão executando tentam penhorar esses montantes”, explicou o advogado Daniel Báril, coordenador da área de insolvência e reestruturação da Silveiro Advogados, que não possui ligação com o caso.

Na decisão de deferir a RJ, o juiz Daniel Carvalho Carneiro, da 3ª Vara Empresarial de Recuperação de Empresas e de Falências do Judiciário do Ceará, determinou “suspensas todas as execuções ajuizadas contra as devedoras [Ducoco Alimentos e Ducoco Produtos Alimentícios], bem como resta impedida a realização de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão.

A Reit e o GPA não responderam ao pedido de comentário enviado pela Bloomberg Línea. Devido à proteção legal do sigilo bancário, os bancos evitam se manifestar publicamente sobre os casos de clientes.

O crédito a receber detido pelo Banco do Nordeste soma R$ 2,487 milhões. A lista traz ainda como credores financeiros como Bradesco (R$ 32.870,08), Daycoval (R$ 22.391,43) e Sofisa (R$ 13.907,25).

Outra securitizadoras aparecem na lista de credores: Acreditar (R$ 15,792 milhões), IOX (R$ 13,982 milhões), Ophir Capital (R$ 3,249 milhões), Credit (R$ 1,767 milhão), 3MI (R$ 1,593 milhões). A Valorem, que atua com antecipação de recebíveis, aparece com crédito a receber de R$ 3,708 milhões.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.