Do Tesouro Direto à Loft: parceria busca alavancar aluguel com títulos como garantia

Governo anunciará nos próximos dias uma solução financeira chamada TD Garantia, que permite o uso de títulos federais como garantia para contratos de aluguel, disseram fontes à Bloomberg Línea

Vista aérea de São Paulo, o maior mercado imobiliário do país: setor privado e governo buscam novas formas de expansão (Foto: Fridman/Bloomberg)
12 de Novembro, 2024 | 07:37 AM

Bloomberg Línea — Um diagnóstico frequente entre agentes do mercado imobiliário do país e especialistas é que o número de transações - aluguel e compra e venda - poderia ser multiplicado caso houvesse mais segurança jurídica e instrumentos financeiros que viabilizassem questões como funding e garantias.

Iniciativas do passado como a instituição da alienação fiduciária para bens imóveis, em 1997, demonstraram a importância de tal arcabouço para o desenvolvimento do mercado. Mais recentemente, em 2023, a aprovação no Congresso do Marco Legal das Garantias foi apontado como novo fator de impulso.

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Uma nova parceria recém-acertada entre o setor privado e o governo federal pretende exercer um impacto relevante para o mercado de aluguel, ao mesmo tempo em que pode ajudar o Estado a endereçar uma questão fundamental para o desenvolvimento do país: a falta de poupança de médio e longo prazo.

O acordo foi acertado entre a Secretaria do Tesouro Nacional, liderada por Rogério Ceron, e a Loft, empresa que opera uma das maiores plataformas digitais de aluguel e compra e venda de imóveis do país, com participação de Banco Central, B3, CVM e Warren, segundo fontes com acesso às negociações disseram à Bloomberg Línea.

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A parceria, que está para ser anunciada oficialmente nos próximos dias, prevê que inquilinos possam utilizar recursos aplicados em uma nova categoria de títulos do Tesouro Direto como seguro de contratos de aluguel, como alternativa à tradicional fiança - como o “cheque caução” - ou ao seguro-fiança.

O Garantia Investe, nome do novo produto, permite que os recursos alocados funcionem exatamente como garantia do pagamento do aluguel, ao mesmo tempo em que renderá o equivalente ao CDI, título de referência para o rendimento da renda fixa que acompanha a Selic, a taxa básica de juros do país.

O investidor inquilino, por sua vez, poderá acompanhar o rendimento do produto em uma conta na Warren, a corretora que entra na parceria para ficar responsável pela custódia do ativo. O fluxo de contratação, por sua vez, foi desenhado para que aconteça em uma única interface (veja mais abaixo).

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O rendimento assegurado pelo Tesouro, por sua vez, elimina uma das principais dores de quem imobiliza capital - em geral um valor equivalente a três meses de aluguel - para servir como seguro fiança: a perda de poder de compra, dado que os recursos não rendem ou só pagam o retorno da poupança.

Ao mesmo tempo, a parceria institui o TD Garantia, que inclui o Gravame, o registro de que determinado ativo - no caso, os títulos do Tesouro Direto - está vinculado a um contrato. Na prática, isso significa que esses valores só poderão ser liquidados em três ocasiões: para exercício da garantia em caso de inadimplência, ao fim do contrato de aluguel ou antecipação desse término com o inquilino em dia com o pagamento.

O registro do gravame ficará a cargo da B3, a bolsa brasileira, responsável pela segurança dos ativos.

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O anúncio oficial estava marcado para segunda-feira (11) na sede da B3 no centro de São Paulo, mas acabou cancelado por questões de agenda dos principais envolvidos, apurou a Bloomberg Línea.

No modelo previsto, a Loft entra com a capacidade de distribuição de sua plataforma que hoje está integrada a quase 10.000 imobiliárias em cerca de mil municípios em todos os estados - ou seja, com a capilaridade que falta ao governo nessa frente -, enquanto o Tesouro Nacional viabiliza os ativos que vão de servir de garantia com a devida rentabilidade como fator de atração.

A Loft, que fornece soluções de tecnologia e dados, além de produtos financeiros, para quem buscar alugar, comprar ou vender um imóvel, tem hoje cerca de 500 mil contratos de aluguel ativos em sua base.

Ao longo dos últimos meses, técnicos da Loft e do Tesouro Nacional realizaram discussões técnicas para desenhar e desenvolver o fluxo de contratação para torná-lo mais acessível, segundo essas pessoas que falaram com a Bloomberg Línea.

O objetivo é que se torne tão ou mais simples quanto apostar em uma bet, justamente para estimular o uso pelas pessoas - segundo uma pessoa que acompanhou as reuniões.

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São dois mercados endereçáveis na casa de dezenas de milhões. O número de pessoas com cadastro no Tesouro Direto é de 29,2 milhões de pessoas, segundo dados recém-atualizados, ainda que o número de investidores ativos represente uma fração menor, de 2,6 milhões de pessoas.

Na avaliação do Tesouro, essa base poderia pelo menos dobrar de tamanho nos próximos anos com essa parceria para estimular o mercado de aluguel, segundo as fontes, que pediram que não fossem identificadas ao tratarem de um assunto que ainda não foi comunicado oficialmente.

Na outra ponta, dados divulgados pelo IBGE no fim de 2023 apontavam que um em cada cinco brasileiros morava de aluguel no ano anterior, o que representaria 43 milhões de pessoas.

Nudge: ‘empurrão’ para a poupança

Ceron, que assumiu como secretário do Tesouro no início de 2023, na equipe comandada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem declarado desde o ano passado que busca desenvolver novos produtos do Tesouro Direto para estimular a poupança de longo prazo dos brasileiros.

Outro objetivo declarado é ampliar o acesso a pessoas de renda mais baixa. Em sua gestão, o Tesouro lançou o Renda+, voltado para quem deseja poupar para complementar a aposentadoria, e o Educa+, que busca estimular o investimento voltado para custear a educação de filhos, netos ou parentes.

São incentivos que funcionam como uma espécie de “empurrão” para o ato de poupar. É um conceito denominado nudge em inglês, estudado e explicado pelo americano Richard Thaler, considerado um dos pais da chamada economia comportamental. Ele ganhou o Nobel em 2017 pela contribuição de seus estudos - e escreveu o livro best-seller de mesmo nome com o também economista Cass Sunstein.

A parceria acertada se enquadra na chamada agenda de reformas microeconômicas, que buscam endereçar questões regulatórias que possam retirar entraves, acabar com distorções ou criar incentivos para os negócios.

No primeiro governo Lula nos anos 2000, sob o comando dos economistas Marcos Lisboa e Bernard Appy, a agenda microeconômica resultou em avanços como a Lei de Falências e a abertura do mercado de resseguros, com efeitos positivos de médio e longo prazo sobre os negócios e a economia brasileira.

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.