Adeus, Guinness? Diageo avalia cisão ou venda em revisão do portfólio, dizem fontes

Segundo pessoas ouvidas pela Bloomberg News, a gigante de bebidas estuda alternativas para a marca de cerveja que poderia incluir uma venda ou uma listagem na bolsa

Guinness
Por Sabah Meddings - Ruth David - Dinesh Nair
24 de Janeiro, 2025 | 03:29 PM

Bloomberg — A Diageo iniciou uma revisão de seu portfólio, que inclui a icônica cerveja irlandesa Guinness e uma parceria com a LVMH nos segmentos de champagne e conhaque, à medida que a CEO Debra Crew procura retomar o crescimento da empresa global de bebidas alcoólicas.

A fabricante britânica estuda uma série de possibilidades, que incluem uma possível cisão ou venda da Guinness, que poderia ser avaliada em mais de US$ 10 bilhões, disseram pessoas familiarizadas com o assunto ouvidas pela Bloomberg News.

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A empresa poderia executar um processo duplo para a marca de cerveja, como uma listagem em bolsa e, ao mesmo tempo, o estudo sobre uma venda, se decidir prosseguir, disseram as fontes.

A participação de 34% da Diageo na divisão de bebidas da LVMH, a Moet Hennessy, também está sendo analisada, disseram as pessoas, que pediram para não serem identificadas ao discutir deliberações privadas. Nenhuma decisão final foi tomada, e não há certeza de que as deliberações levarão a quaisquer acordos.

As ações da Diageo saltaram até 6,8% na tarde de sexta-feira (24) em Londres, depois que a Bloomberg News informou sobre a revisão.

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Foi o maior avanço intradiário em mais de quatro anos, após uma queda nas ações desde que Crew assumiu o controle, há um ano e meio.

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A CEO está sob pressão para retomar o crescimento da Diageo depois de um início difícil em seu mandato.

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As vendas caíram devido ao arrefecimento da demanda na China e nos EUA, e a proprietária de outras marcas como Johnnie Walker e Tanqueray surpreendeu os investidores com um alerta sobre os lucros depois de ser surpreendida por grandes estoques no México e no Brasil.

Quando a Diageo divulgar seu resultado trimestral no mês que vem, Crew poderá descartar ou reduzir as metas de crescimento da Diageo para redefinir as expectativas para um nível mais realista, disseram investidores e analistas.

Outros dizem que são necessárias mudanças maiores, dado que o novo diretor financeiro (CFO), Nik Jhangiani, comanda uma empresa cujo portfólio varia de single malts escoceses à citada participação de 34% na divisão de bebidas da LVMH.

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A Diageo poderia ampliar a sua participação no negócio ou sair completamente. Se quiser vender a participação, a LVMH tem a obrigação de comprá-la, embora com um desconto de 20% em relação ao seu valor justo, de acordo com o contrato. A divisão sofre com a demanda há dois anos.

Caso a Diageo busque assumir a propriedade total da joint venture, isso provavelmente exigiria uma oferta de direitos ou a venda de seu negócio de cerveja, disse Trevor Stirling, analista da Bernstein.

O ex-CEO Ivan Menezes sempre afirmou que, se a Moet Hennessy estivesse disponível, a Diageo estaria interessada em comprá-la, acrescentou.

“Eles nunca reconheceram que estariam dispostos a vender a unidade de cerveja - na verdade, sempre negaram”, disse Stirling. “Mas acho que, nesse caso, é algo que eles podem estar dispostos a fazer.”

A Diageo se recusou a comentar seus planos com a Bloomberg News, assim como a LVMH.

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A Diageo já tenta vender a vodca Cîroc, uma marca que já foi apoiada pelo magnata da música Sean “Diddy” Combs, e poderia tentar se desfazer de outros rótulos de menor escala ou de baixo desempenho.

Independentemente do fato de a Diageo procurar reformular o seu portfólio de forma mais ampla, Crew, a primeira mulher a comandar a empresa, não deve estar tranquila. Ex-oficial da inteligência militar dos Estados Unidos, ela foi nomeada CEO um mês antes do previsto, quando Menezes foi hospitalizado e posteriormente faleceu em junho de 2023.

Desde então, a inflação e o aumento das taxas de juros têm afetado o poder de compra dos consumidores em diferentes mercados. Nos EUA, eles cortam gastos ou trocam por bebidas alcoólicas mais baratas, e varejistas e atacadistas ficaram com mais estoque do que precisavam.

A Diageo relatou um declínio nas vendas anuais em julho passado, o primeiro desde a pandemia. Mas não ajustou seu guidance (projeção) de médio prazo para o crescimento das vendas anuais de 5% a 7%, uma meta estabelecida por Menezes em 2021, quando os consumidores esbanjavam em coquetéis caros. Esse é o guidance que os analistas esperam que seja revisado.

“As coisas que eu colocaria na porta da Diageo seriam o excesso de entusiasmo em 2021, quando eles realmente não deveriam ter feito isso”, disse Roseanna Ivory, cogerente do abdrn Global Equity Fund, fundo que detém ações da Diageo.

No início deste mês, o experiente gestor de fundos Terry Smith, conhecido como “Warren Buffett inglês”, se desfez de toda a sua participação na Diageo, há muito tempo considerada um dos pilares do FTSE, o principal índice de ações da Bolsa de Londres.

O gestor citou preocupações sobre a administração e a crescente vulnerabilidade da empresa aos medicamentos para perda de peso, como o Ozempic, que podem reduzir o consumo de álcool.

Nos EUA, o Cirurgião-Geral - cargo que equivale a Chefe da Saúde, Vivek H. Murthy, também causou debate no mercado quando disse que as bebidas alcoólicas deveriam conter avisos sobre suas correlações com a incidência de câncer.

“Cada vez mais pessoas estão deixando de consumir álcool ou, pelo menos, querem reduzir seu consumo”, disse Kai Lehmann, analista sênior de pesquisa da Flossbach von Storch, um investidor da Diageo.

A Diageo não é a única entre as destiladoras a ser atingida por uma queda na demanda, nas vendas e no lucro.

As ações de rivais como a Pernod Ricard, proprietária da vodca Absolut e do gim Beefeater, e a produtora de conhaque Remy Cointreau caíram ainda mais com o fim do boom na pandemia.

E a Diageo pode estar mais bem posicionada para se recuperar do que seus pares. Os números da Nielsen nos EUA mostram que, embora as bebidas destiladas e as cervejas tenham apresentado uma tendência de enfraquecimento em dezembro, a Diageo superou o mercado graças ao forte desempenho da tequila Don Julio e da versão com sabor de amora do uísque canadense Crown Royal.

Crew tomou medidas em resposta ao acúmulo de estoques na América Latina, nomeando um novo diretor para seus negócios no México. Ela também contratou Jhangiani, que anteriormente supervisionava as finanças da Coca-Cola Europacific Partners, a maior engarrafadora de Coca-Cola do mundo, para substituir Lavanya Chandrashekar como CFO.

Entretanto, a recuperação na América Latina tem sido lenta, com as vendas líquidas na região, que inclui o Caribe, caindo 15% no ano até junho passado.

As vendas mais fracas exacerbaram as preocupações com a pilha de dívidas da Diageo, que aumentou para US$ 21,5 bilhões no final de junho. Jhangiani tem feito um tour por todas as principais regiões, enquanto se mantém no controle de um negócio que vendeu mais de US$ 20 bilhões em bebidas no ano passado.

Espera-se que ele traga maior disciplina sobre os custos e um foco renovado no crescimento, lucro e caixa, escreveram os analistas da Jefferies em uma nota no mês passado.

Endividamento da Diageo tem sido um ponto de atenção e de preocupação para investidores nos últimos anos

Crew, Jhangiani e o novo presidente do conselho, John Manzoni, que começa a trabalhar no próximo mês, também terão que avaliar o apetite dos investidores por soluções mais abrangentes, que incluem levantar capital ou, potencialmente, acordos de M&A (fusões e aquisições). Resta saber se os investidores apoiariam uma grande transação.

“A alavancagem está no limite superior do que me deixa confortável”, disse Ivory, da gestora Abdrn. “Eles têm o portfólio mais sólido do setor em um mercado realmente atraente nos EUA, portanto, acho que ‘manter-se firme’ é provavelmente o que eu preferiria ver.”

Quando a empresa publicar os resultados trimestrais em 4 de fevereiro, os investidores também esperam ver a força contínua da marca de tequila Don Julio e da própria Guinness, bem como sinais de que suas propostas de uísque e vodca estão voltando aos trilhos. Ao mesmo tempo, a empresa precisa mostrar como lidará com suas dívidas elevadas.

"Nossa expectativa muito clara é que a dívida seja reduzida novamente", disse Lehmann, que acrescentou que os bilhões de empréstimos estão "corroendo os lucros".

-- Com a colaboração de Angelina Rascouet e Thomas Hall.

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