De encanador a dentista: private equity amplia foco em negócios à prova de recessão

Pequenas empresas de atividades cuja demanda é resiliente e que permitem consolidação ganham espaço nos negócios perseguidos por fundos especializados

Clínica odontológica em Nova York, nos EUA
Por Michael Sasso
16 de Julho, 2023 | 03:33 PM

Bloomberg — Encanadores e proprietários de lojas de materiais de construção ao redor dos Estados Unidos estão se sentindo um pouco como empreendedores de tecnologia ultimamente — lidando com várias ofertas de empresas apoiadas por private equity que cada vez mais visam negócios familiares.

Wall Street tem comprado empresas fragmentadas da chamada Main Street há anos, com consultórios odontológicos e veterinários entre os alvos favoritos. O movimento atende a uma estratégia de consolidação e ganho de escala - com a expansão agora também para serviços domésticos.

Pequenas empresas representam a maior parte das aquisições por fundos de private equity e suas empresas do portfólio desde o final da década de 2000, de acordo com dados do PitchBook. E essa participação tem crescido nos últimos meses.

São negócios que representaram mais de 61% de todos os acordos de private equity no primeiro trimestre de 2023, em comparação com uma média de cerca de 50% ao longo da última década.

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“Se você compra o suficiente, obtém economias de escala”, disse Tim Clarke, analista líder de private equity do PitchBook. “Você simplesmente continua consolidando, consolidando, consolidando e, antes que perceba, você tem entre 10% e 20% do mercado.”

Uma das razões pelas quais essa abordagem é popular agora, segundo Clarke, é que as taxas de juros mais altas têm reduzido os valuations em geral.

É um fenômeno que se faz presente também no Brasil, em que fundos de private equity de players como a XP Asset têm investido em empresas que atuam com serviços especializados de saúde, como de reprodução assistida e oftalmologia, por exemplo. Um fundo da XP investiu em abril R$ 200 milhões para comprar participação em cinco clínicas da primeira especialidade.

Proprietários que de outra forma considerariam uma venda – sejam companhias de capital aberto ou de private equity – estão mantendo as empresas em seus portfólios. Como resultado, os potenciais compradores estão se voltando para empresas privadas menores, que tendem a ser mais baratas em relação aos seus ganhos - ou seja, com múltiplos mais atrativos.

Além disso, o entusiasmo do private equity por pequenas empresas se expande para setores como encanamento e outros ofícios, que mostraram ser à prova de recessão, mesmo durante a covid-19, e têm espaço para consolidação, uma vez que os mercados são geralmente divididos entre muitos negócios.

Propostas aumentam

Todo esse interesse de Wall Street é uma bênção para alguns proprietários da Main Street que procuram se desfazer de seus negócios. No entanto nem todos veem dessa forma.

Na área de Atlanta, Jay Cunningham disse que recebe várias propostas por semana de empresas apoiadas por private equity que desejam comprar a Superior Plumbing – uma das poucas empresas locais de porte considerável que ainda não foi adquirida por investidores. Ele não está interessado. “Acho que eles são um incômodo”, afirmou Cunningham.

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Em termos de valores, as aquisições de empresas listadas por private equity ou aquelas compradas de outros fundos de private equity ainda representam a maioria dos acordos.

Mesmo assim, as compras de empresas de propriedade de fundadores — que em sua maioria têm valor inferior a US$ 100 milhões cada — estão em alta. Elas representaram mais de 43% do valor total dos acordos no primeiro trimestre de 2023, bem acima dos níveis vistos nos últimos anos, segundo o PitchBook.

Empresas com receita estável, modelos de assinatura e faturamento eletrônico são especialmente atrativas, disse John Wagner, um banker baseado no Novo México que ajuda pequenas e médias empresas a encontrar compradores.

Melhor ainda, segundo ele, é uma empresa local com alta receita e também despesas elevadas — uma oportunidade de reduzir custos, aumentar a eficiência e elevar rapidamente o seu valor.

Na área de Denver, Steve Swinney está constantemente em busca de lojas de materiais de construção, fabricantes de aço, distribuidores de drywall e empresas de móveis de cozinha.

Sua empresa Kodiak Building Partners começou comprando uma companhia de fabricação de aço há 12 anos, após a crise financeira de 2008. Desde então, fez cerca de 40 aquisições e as uniu em uma empresa de materiais de construção com vendas de cerca de US$ 3 bilhões.

Interesse de private equity em empresas fundadas por seus proprietários atinge níveis mais altos desde os anos 2000.

Ao procurar mais empresas familiares para comprar, a Kodiak - que é majoritariamente de propriedade da empresa de private equity Court Square Capital Management, com sede em Nova York - enfrenta muita concorrência.

“Definitivamente, existem muitos outros players por aí”, diz Swinney. “Eu gostaria de estar sozinho.”

John Loud recebe até 30 solicitações por mês para sua empresa de instalação de alarmes com sede em Kennesaw, na Geórgia, a Loud Security Systems, que possui cerca de 60 funcionários e mais de US$ 7 milhões em receita anual.

“É um bombardeio contínuo”, disse Loud, e isso tem acontecido há anos. Ele costumava brincar com os funcionários: “Se você quer segurança no emprego, me salve dessas ligações e e-mails”.

Atualmente, no entanto, Loud tem considerado as ofertas. Seus dois filhos não estão interessados em administrar o negócio da família e, aos 56 anos, ele sente que está mais perto do final de sua carreira do que do começo.

Ele espera continuar na empresa após uma eventual venda e manter 30% de participação nela, mas acredita que os recursos obtidos serão suficientes para que, se as coisas não funcionarem, “eu nunca terei que voltar ao trabalho”.

Seu amigo de longa data, Cunningham, o encanador da área de Atlanta, está confortável por enquanto em manter a Superior Plumbing, que possui cerca de 60 funcionários e receita anual de US$ 10 milhões a US$ 15 milhões.

Há alguns anos, segundo Cunningham, ele enviou um breve resumo financeiro a uma empresa de investimento e o comprador propôs mais de US$ 60 milhões. Mas, ao contrário de muitos colegas, seus filhos têm interesse em assumir o negócio em algum momento.

“Por ora, tenho cinco filhos na minha empresa. Isso é resultado de mais de 60 anos”, disse Cunningham. “Se eu vendesse por US$ 60 milhões, isso não enriqueceria minha vida de forma alguma.”

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