Bloomberg Línea — Depois de uma retração de quase 10% dos preços do minério de ferro no ano passado, a commodity deve passar por uma nova queda em 2025, diante da continuidade do enfraquecimento da demanda da China, principal mercado consumidor global.
Em paralelo, as incertezas sobre a evolução da agenda de transição energética sob influência do novo governo de Donald Trump nos Estados Unidos pesam sobre o produto de qualidade superior, que garante margens mais elevadas às grandes mineradoras, como a brasileira Vale (VALE3) e a anglo-australiana Rio Tinto (RIO).
Segundo o líder de energia e recursos naturais da EY, Afonso Sartorio, as importações chinesas de minério de ferro bateram recorde em 2024, somando 1,24 bilhão de toneladas, um avanço de 4,9% em relação a 2023. Mas um volume expressivo ficou estocado nos portos, com aumento de 28% em relação ao ano anterior.
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“A demanda chinesa por aço foi impactada pela crise do mercado imobiliário local. Grandes economias como Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul também passaram por baixas no setor da construção”, disse o executivo.
Levantamento da Tendências Consultoria mostra que a cotação média do minério de ferro (teor de 62%) atingiu US$ 109,5 por tonelada no ano passado, uma queda de 9,2% sobre o preço médio registrado em 2023.
A analista de mineração e siderurgia da Tendências, Yasmin Riveli, afirmou que a persistente crise no setor imobiliário chinês e os dados de consumo interno enfraquecido do país têm contribuído para a queda do preço do minério de ferro.
Para este ano, a Tendências projeta uma cotação média de US$ 98 para o minério de ferro, um recuo de 10,9% sobre 2024. Da mesma forma, a EY projeta que os preços da commodity fiquem ligeiramente abaixo de US$ 100 neste ano.
Na avaliação de Riveli, neste ano e no próximo, portanto, o minério de ferro deve seguir afetado pela crise do mercado imobiliário chinês. “Muitas obras ainda precisam ser finalizadas e há uma resistência dos consumidores em iniciar novas compras”, afirmou a especialista.
Ela acrescentou, por outro lado, que as vendas de produtos industriais chineses devem permanecer em níveis elevados, o que acaba sendo um ponto positivo para a demanda.
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Embora os Estados Unidos não sejam o principal player determinante para os preços do minério de ferro, os temores e as incertezas que envolvem a política externa de Donald Trump representam um risco, dado que a taxação mais expressiva de produtos chineses – ou até mesmo uma deterioração da relação entre os dois países – pode levar uma queda dos preços da commodity.
Para Sartorio, há fatores que podem contribuir para um incremento da demanda, como o pacote de investimentos de US$ 1,4 trilhão anunciado pela China nos meses finais de 2024, além da expansão da produção de alto-forno e forno a oxigênio na Índia e nas regiões do Sudeste Asiático.
“Mas são efeitos que não serão refletidos imediatamente, o que limitará a expansão de demanda. Os estoques nos portos chineses, elevados no momento, também agem como limitantes”, disse.
O cenário atual é de enfraquecimento da demanda por aço na China, com uma queda de 4% em 2024 e uma retração de 2,5% em 2025, de acordo com previsões do HSBC - a World Steel Association projeta que houve uma queda de 1,7% no ano passado (veja tabela abaixo).
Mas a expectativa é a de que as importações de minério de ferro pelo país asiático atinjam um novo recorde em 2025. Nesse cenário, muitos comerciantes vão aproveitar o custo reduzido para ampliar os estoques.
As importações de minério de ferro devem aumentar entre 10 milhões e 40 milhões de toneladas, para cerca de 1,27 bilhão de toneladas neste ano, segundo analistas e traders do setor.
Oferta em alta
Do lado da oferta, a produção das principais mineradoras globais, conhecidas como as majors do setor, avançaram de forma significativa. A Vale e a BHP, por exemplo, anunciaram recordes em 2024, de 328 milhões de toneladas e 280 milhões de toneladas, respectivamente.
Sartorio disse que, em 2025, a oferta da Austrália deve crescer em cerca de 20 milhões de toneladas, enquanto a Vale planeja produzir entre 325 milhões e 335 milhões de toneladas de minério de ferro.
Novas capacidades previstas para entrar em operação ainda neste ano também contribuem para o quadro de aumento da oferta global, como o projeto Simandou, na Guiné, liderado pela Rio Tinto.
No Brasil, a Tendências Consultoria prevê um crescimento de 2,7% da produção em 2025, sustentado pela expansão de capacidade da Vale e da CSN (CSNA3).
No entanto o executivo da EY apontou que alguns fatores podem reduzir a velocidade de aumento de oferta global, além da viabilidade dos projetos em termos de acesso a capital e rentabilidade.
Entre os principais riscos estão o tempo e os critérios de licenciamento ambiental, bem como de licença social para operar, além do teor de emissões de carbono.
Esses aspectos relacionados aos princípios ESG, segundo Sartorio, devem elevar a demanda por soluções mais modernas, como, por exemplo, os “briquetes” – mistura de minério e elementos provenientes do tratamento de rejeitos de mineração –, que geram menor impacto ambiental e consumo energético.
“As mineradoras têm buscado reservas e processos que elevam a qualidade de seus produtos”, disse o executivo. Ele lembrou que a Vale começou a investir em plantas de briquetes verdes globalmente e que pretende produzir 50 milhões de toneladas por ano até 2050.
Embora a commodity de teor de ferro mais elevado obtenha margens maiores por tonelada (o chamado prêmio), essa diferença tem se mantido abaixo dos níveis históricos, apontou Riveli. Na média, em 2024, o chamado minério 66% obteve prêmios de aproximadamente US$ 23 por tonelada.
“Muitos produtores de aço têm preferido produtos de menor custo. No curto prazo, essa é uma tendência que vai persistir”, disse a especialista.
A analista acrescentou que as sinalizações e os incentivos no ambiente internacional são negativos para a agenda de transição energética como um todo e, consequentemente, para insumos de maneira geral.
“Tivemos um enfraquecimento recente dos ativos em favor da descarbonização, o que impactou o diferencial de preços do minério de ferro.”
Sartorio observou que, no geral, a demanda por matérias-primas para a produção de aço pode permanecer sob pressão no curto prazo, em razão da limitação da produção global e da desaceleração da economia chinesa.
No longo prazo, entretanto, ele apontou que a demanda por minério de ferro de alta qualidade está prevista para aumentar, com expectativas de avanço dos prêmios. “As mineradoras têm se preparado para ofertar produtos de melhor qualidade.”
“Nos próximos anos, temos a tendência de ampliação dos prêmios do minério de ferro”, concordou Riveli.
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Fusões e aquisições
Recentes tentativas de fusões e aquisições têm movimentado o mercado de mineração. Em maio do ano passado, a gigante anglo-australiana BHP discutiu a aquisição da britânica Anglo American, o que poderia resultar na maior transação do setor em mais de uma década. Mas o negócio não foi à frente.
Em janeiro deste ano, a Bloomberg News reportou que a Rio Tinto e a trader suíça de commodities Glencore discutiam uma combinação de negócios que poderia criar uma gigante de US$ 158 bilhões em valor de mercado.
Na avaliação de Sartorio, os recentes movimentos de M&A têm sido impulsionados pela tendência de diversificação de ativos e de ampliação do portfólio de grandes mineradoras, em razão, por exemplo, da demanda esperada para minerais da transição energética.
O especialista da EY acrescentou que boa parte das grandes reservas minerais no mundo já foi mapeada.
“A estratégia de crescimento das mineradoras passa a ter foco em movimentos inorgânicos”, ressaltou. Adicionalmente, as grandes mineradoras seguem se desfazendo de ativos de carvão metalúrgico para se concentrar em commodities de baixo carbono, o que alimenta o mercado de M&A.
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