Creditas ‘desafia’ alta do juro e acelera crescimento preservando margem, diz CEO

Em entrevista à Bloomberg Línea, Sergio Furio fala das perspectivas da fintech com um modelo em que consegue financiar a sua expansão e que ganha eficiência com o uso de agentes de IA

Sergio Furio, fundador e CEO da Creditas
05 de Março, 2025 | 07:40 AM

Bloomberg Línea — Há cerca de um ano, a Creditas, uma das startups mais valiosas da América Latina, adotou o plano de reacelerar o crescimento depois de ter alcançado o breakeven no fim de 2023, como fruto de uma série de ações que buscaram readequar a operação ao momento de menor liquidez de capital e de encarecimento do custo de capital.

Os resultados começaram a aparecer ao longo do ano passado, mas, como não raro acontece, novos obstáculos macroeconômicos surgiram no meio do caminho, como a trajetória de alta dos juros no Brasil. Para uma fintech que tem no crédito o seu core business, trata-se de uma variável fundamental.

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Mas, a julgar pelos números mais recentes da operação já sob efeito da nova realidade de taxas em elevação, a Creditas não só tem conseguido executar o “plano de voo” como o modelo de negócios se mostra resiliente, segundo o CEO e fundador, Sergio Furio, em entrevista à Bloomberg Línea.

“O retrato da Creditas hoje é uma empresa com mais de R$ 2 bilhões em receitas e quase R$ 1 bilhão em lucro bruto [ao ano], com uma filosofia de negócios com cash flow positivo que nos permite financiar o nosso próprio crescimento”, resumiu Furio.

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O executivo e empreendedor ressaltou a perspectiva de sustentabilidade do modelo e da estratégia, em linha com o plano de reacelerar o ritmo de expansão.

“Estamos em um ritmo de 40% a 50% de aumento no volume de originação [do crédito na base anual] e isso vai se traduzir em mais de 30% de crescimento de receita mais adiante”, disse.

Para 2025, a projeção é crescer acima de 25%, “um pouco mais conservador”, o que se traduziria em chegar ao fim do ano com receitas acima de R$ 2,5 bilhões, com margem bruta na casa de 40% e novamente próximo ao breakeven.

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No quarto trimestre, a expansão da receita foi da ordem de 3% na base trimestral e de 12% na anual, para um total recorde de R$ 530,7 bilhões. Isso aponta para a expectativa de acelerar o ritmo.

O portfólio de crédito, que encerrou o ano em cerca de R$ 6 bilhões, deve avançar pelo menos 25%, segundo ele, dado o ritmo de aumento de originação, o que levaria o volume para R$ 7,5 bilhões.

A originação superou a marca de R$ 800 milhões em cada um dos dois últimos trimestres e avançou 45% na base anual de outubro a dezembro.

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Apesar da trajetória de aumento da taxa Selic, a Creditas tem conseguido preservar as margens brutas acima do patamar de 40% - ficou em 44,6% no quarto trimestre do ano passado.

“O nosso target para a margem bruta no ano de 2025 está no range de 40% a 45%. Com o aumento dos juros, as margens devem comprimir um pouco e se aproximarem de 40%”, afirmou.

Segundo ele, a Creditas conseguido alcançar margens acima de 40%, e agora preservá-las, em razão de uma nova estratégia de monetização adotada há cerca de dois anos, que permitiu esse avanço com um aumento mais gradual e cauteloso do portfólio de crédito.

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O executivo e empreendedor disse que o plano da empresa para 2025 foi montado com base em uma taxa Selic a 16% ao ano - está atualmente em 13,25% ao ano. “Adoraríamos que a Selic ficasse em 14%, mas temos que estar prontos para uma taxa nesse patamar”, afirmou.

Segundo ele, até o momento - tanto em janeiro como fevereiro -, todos os indicadores de crédito da companhia estão positivos e não há motivos para mudanças no ritmo de concessão.

Uma eventual piora dos indicadores de inadimplência em geral é percebida primeiro em modalidades sem colateral, como o crédito pessoal. E só depois chega a modalidades com garantia, segundo Furio.

Esse processo, por outro lado, pode representar uma oportunidade para a Creditas, a exemplo do comportamento observado nas famílias no processo de aperto monetário de 2021 a 2023, em que a taxa Selic passou de 2,00% para 13,75% ao ano.

“O mercado reagiu com restrição e encarecimento do crédito. E consumidores de maior qualidade que foram impactados pelo aumento das taxas de crédito pessoal, por exemplo, começam a pesquisar um pouco mais para entender o que há disponível com juros melhores”, contou.

“Vimos um aumento de demanda no ‘topo do funil’ [de conversão] de consumidores de melhor qualidade. Basicamente, isso se traduziu em redução do custo de aquisição do cliente”, disse Furio.

Como parte da estratégia deliberada e anunciada anteriormente de reacelerar o crescimento, a Creditas tem ampliado gradualmente as despesas, em particular as relacionadas à expansão, que responderam por cerca da metade do total de R$ 288 milhões no quarto trimestre, segundo ele.

São investimentos para ampliar a originação e para a expansão do portfólio cujos efeitos não se restringem apenas aos três meses finais do ano mas que devem repercutir nos próximos trimestres também.

Essas despesas crescem em volume absoluto versus o lucro bruto - que foi de R$ 237 milhões -, mas caem em comparação com o volume de originação.

Emissão de US$ 60 milhões

Em outra frente, o CEO da Creditas destacou o que apontou como um reconhecimento de investidores internacionais ao modelo de negócios e aos resultados da empresa: uma emissão de um título de US$ 60 milhões, com 10,5% de yield e vencimento de três anos e meio.

A colocação do papel representou uma economia com a queda da taxa em relação ao cupom anterior de 13,0%, de uma emissão de US$ 40 milhões em dezembro de 2023 com prazo de três anos.

A Creditas, como consequência, conseguiu quitar metade da emissão anterior (em US$ 20 milhões) e também alongar o vencimento, além de reforçar a liquidez com US$ 40 milhões.

“É uma estratégia que adotamos de capital circulante, lidando com os nossos bonds de maneira eficiente para financiar o nosso crescimento ao mesmo tempo em que conseguimos reduzir os juros, na medida em que nos tornamos um emissor mais recorrente”, disse Furio.

Segundo ele, essa estratégia de otimização da estrutura de funding segue no foco em 2025.

O fundador e CEO da Creditas destacou que, ao longo dos últimos dois anos, em particular, a empresa tem sido conduzida para que a captação de recursos via equity seja uma opção, e não uma obrigação.

“Olhando o longo prazo, temos a ambição de nos mantermos como uma empresa independente, com um crescimento composto e acessando o mercado público eventualmente. Não sabemos quando será esse momento e não temos pressão do nosso lado para que isso aconteça”, disse Furio.

Em sua última rodada, uma Series F anunciada em janeiro de 2022 e liderada pela gigante americana de investimentos Fidelity, a Creditas levantou US$ 260 milhões e foi avaliada em US$ 4,8 bilhões.

Outros investidores no cap table incluem QED Investors, VEF, SoftBank (por meio do Vision Fund 1 e do Latin America Fund), Kaszek, Lightock, Headline, Wellington Management e Advent International.

Avanço em produtos e agentes de IA

O CEO da Creditas destacou que as perspectivas de crescimento são sustentadas também pela frente de produtos, cuja eficiência de processos de contratação tem sido potencializada pelo uso de IA (Inteligência Artificial).

“Temos usado um bloco de agentes de IA para interagir com nossos clientes dentro do funil de contratação. Por exemplo, com o assessor de crédito, para estruturar a operação, diretamente com o cliente na forma de texto em interações por meio do WhatsApp, e também na área de seguros”, disse Furio.

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“Acreditamos muito na interação do humano com o robô. Há tarefas que o robô consegue fazer de maneira mais eficiente e mais rápida: ‘qual a situação do meu crédito? Como fica a cotação do seguro se eu mudar isto ou aquilo?’ E o ser humano consegue agir com empatia e entender melhor o cliente.”

E há também o uso de IA no back office, em atividades como a formalização da contratação do home equity, que exige a análise de muitos documentos, processos cartoriais, verificação de informações etc.

O agente de IA cuida de passos como localização da matrícula do imóvel e checagem de certidões negativas, em auxílio ao assessor que cuida da formalização de contratos.

“As taxas de conversão são semelhantes, mas a produtividade cresceu. Conseguimos ter um mesmo assessor que cuida de diferentes atendimentos ao mesmo tempo”, afirmou.

Por fim, ele apontou o uso de IA na área intrínseca de tecnologia, com o auxílio a desenvolvedores para escrever códigos que são considerados standard, o que acaba agilizando o processo.

Do ponto de vista de produtos em si, tanto o auto equity como o home equity, em que o carro e o imóvel, respectivamente, entram como colateral e permitem a cobrança de juros mais baixos, estão em níveis recordes de originação (no quarto trimestre).

Há ganho de eficiência na operação e redução do custo de aquisição do cliente (CAC) em parte em razão dos avanços citados em tecnologia e de melhoria de processos.

Furio também se disse “empolgado” com as perspectivas para o crédito consignado privado diante das mudanças que entram em vigor em 2025.

O empréstimo passa a ficar disponível a todos os trabalhadores em regime CLT, com unificação das informações em plataforma do governo, em vez de necessitar de um convênio firmado entre cada empresa e uma instituição financeira.

Na frente de seguros, a empresa segue investindo para melhorar a experiência do usuário (UX) e a integração com outros serviços como a oferta de crédito para autos.

Os objetivos para o ano incluem o ganho de escala tanto do produto principal, que é o seguro de carro, como para novos, entre os quais seguro de vida, residencial e saúde.

“É uma operação que já está rentável há quase um ano e que tem um potencial importante para o crescimento do nosso ecossistema com o tempo.”

No documento de resultados, a Creditas apontou ainda para outros negócios potenciais.

“Agora que todos os produtos principais estão gerando resultados positivos, estamos prontos para continuar a investir em novas geografias, incluindo nossa presença atual no México, assim como outras possíveis oportunidades”, apontou a empresa.

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.