Como uma mina de ouro em Honduras se tornou chave para esta empresa brasileira

Mina de San Andres, localizada em área montanhosa da América Central, é a segunda mais produtiva da Aura Minerals, mas enfrenta desafios operacionais; próximo passo será a viticultura

Mina de ouro da Aura Minerals em Honduras
24 de Fevereiro, 2024 | 03:57 PM

Bloomberg Línea — Nascido em uma cidade na Serra da Mantiqueira, no interior de São Paulo, o CEO da Aura Minerals (AURA33), Rodrigo Barbosa, afirma que se sente praticamente em casa quando visita a segunda mina de ouro mais produtiva da companhia, localizada no extremo oeste de Honduras, um dos países mais montanhosos da América Central e alvo de multinacionais do setor.

Do helicóptero, ele avista propriedades dedicadas à cafeicultura em uma paisagem de coníferas, que disse lembrar sua terra natal, Espírito Santo do Pinhal, importante município cafeeiro paulista.

A Bloomberg Línea visitou a mina de San Andres na companhia de outros jornalistas, com autorização da subsidiária Aura Minosa. O local de difícil acesso fica no mapa de La Unión, município ermo de 15.000 moradores no estado de Copán, a 210 km de San Pedro Sula, segunda cidade mais populosa (1 milhão de pessoas), atrás da capital, Tegucigalpa (1,6 milhão).

Em 2023, a mina de San Andres só produziu menos para a companhia do que a de Aranzazu, no México, onde também se extrai cobre.

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No Brasil, a Aura opera os depósitos minerais de Apoena (EPP), em Mato Grosso, e de Almas, em Tocantins, cuja operação começou em agosto passado. Em 2025, deve entrar em operação a mina do projeto Borborema, no Rio Grande do Norte, onde na época da Segunda Guerra Mundial (1939-45) houve exploração de tungstênio.

Em Honduras, as riquezas naturais contrastam com a realidade de um país que está na rota de furacões e sofre ondas de êxodo da população. O país carece de mão de obra qualificada e de empreiteiras para tocar projetos de exploração, em meio a ameaças de confisco de licenças de exploração de jazidas.

O ouro extraído da mina a céu aberto é transportado de helicóptero até o aeroporto de San Pedro Sula, em um trajeto que dura cerca de uma hora. Depois, o metal segue em avião para uma refinadora principalmente em Londres, onde ganha a forma de barras para negociação no mercado global.

O CEO da Aura disse que espera uma tendência de alta para o preço do ouro, com base em relatórios de especialistas que citam os riscos de conflitos geopolíticos e incertezas econômicas sobre Estados Unidos e China, as duas maiores economias do mundo.

Historicamente, o ouro se valoriza em momentos assim, dada a sua natureza de servir como um ativo de segurança, uma espécie de porto seguro. No final de 2023, a cotação do metal superou a marca histórica de US$ 2.100 por onça troy (31,1 gramas).

Especialistas chegam a projetar que a cotação da onça chegue à casa de US$ 3.000 neste ano com o contínuo aumento da recomposição de reservas por bancos centrais e corrida de investidores por hedge.

Diante desse contexto e com sua nova mina, a mineradora anunciou uma projeção (guidance) de crescimento entre 3,4% (piso) e 23,7% (topo) para seu volume de produção total em 2024.

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Colonização espanhola

Listada e com ações em negociação na Bolsa de Toronto (Canadá) e com BDRs (recibos dessas ações, AURA33) na B3 desde 2020, a Aura adquiriu a mina de San Andres há quase 15 anos, em agosto de 2009.

A região de Copán, que guarda ruínas da civilização maia, é considerada a primeira descoberta espanhola de ouro em Honduras, com produção inicial datada nos idos de 1500.

O histórico consta em um relatório com um resumo técnico sobre as reservas dessa mina, elaborado pela equipe da Aura em julho de 2014, destinado a potenciais investidores, consultado por Bloomberg Línea no site da SEC (Securities and Exchange Commission, a CVM americana).

Mina de ouro da Aura Minerals em Honduras

A mineradora terceiriza a operação com um contratista hondurenho, que cuida da gestão de uma frota de dezenas de caminhões e tratores que deslocam as rochas dinamitadas.

Segundo o CEO da Aura, a mineração em Honduras possui um número bem menor de empreiteiros e veículos pesados, na comparação com as operações no Brasil e no México.

A logística do transporte também apresenta desafios operacionais, como a existência de apenas uma rodovia, cuja conservação costuma ser realizada pela empresa.

Em Minosa, há dois trituradores para reduzir o tamanho das rochas extraídas, além de um sistema de 3,8 km de correias transportadoras até a planta de processamento químico.

Nas instalações da mina, há infraestrutura com energia elétrica e água, armazéns, instalações de manutenção, laboratório, além de instalações de acampamento para administração, pessoal e empreiteiros, com serviços de comunicação como telefone, internet e televisão via satélite.

Futuro de San Andres: produção de vinhos

A semelhança entre San Andres e o planalto paulista, o que inclui a tradição do café, inspirou o CEO a encomendar estudos de viabilidade sobre outro tipo de cultivo como alternativa econômica às comunidades: a viticultura.

Este engenheiro mecânico, cuja família fundou a vinícola Floresta, em Espírito Santo do Pinhal, disse esperar que uma variedade de uva resista ao clima local, e o vinhedo resulte em uma cooperativa de vinhos made in Honduras nos próximos anos.

“Criamos há dois anos a Fundação San Andres para desenvolver iniciativas assim na região, como custear alunos e professores, a abrir nosso ambulatório aos moradores, fornecendo remédios e tratamentos, além de asfaltar rodovia e fomentar o empreendedorismo feminino. A mineração não pode prosperar se a região não acompanhar a evolução e melhorar”, disse.

Além da assistência aos povoados, Barbosa afirmou que mais de 50% das árvores cortadas são replantadas e que a área da mina poderá ser expandida antes de a atual reserva se exaurir.

A Aura projetou crescimento de até 13,6% na produção de San Andres em 2024, embora o piso do guidance aponte também um cenário base inferior com redução anual de 9%.

A estação chuvosa em San Andres vai de maio a novembro, o que aumenta o risco de prejudicar o trabalho na mina. A partir do terceiro trimestre, também começa a temporada de furacões. Em outubro de 1998, o furacão Mitch foi um dos mais devastadores da história e castigou o território hondurenho com mortes e destruição.

“Embora partes de Honduras estejam dentro do cinturão de furacões, as Terras Altas do Interior ocidental [região onde fica Minosa] geralmente não são afetadas por essas tempestades”, citou o relatório técnico da Aura de 2014.

As condições operacionais melhoraram após a Aura arcar com despesas extras com a mina para o aluguel e a manutenção de equipamentos da planta e grasshoppers (esteiras), além da preparação de novas áreas para o processo conhecido como lixiviação no terceiro trimestre de 2023.

Foi a mina com maior custo de produção (US$ 1.254 por onça), enquanto a do México teve o menor (US$ 825). No quarto trimestre, já apresentou tendência de redução do custo graças às melhorias.

Análises

Analistas de equity research de BTG Pactual, Safra e XP, em relatórios enviados a investidores sobre o balanço de 2023, mantiveram recomendações de compra para os papéis da Aura, destacando o melhor resultado operacional no quarto trimestre, bem como o aumento de 36% da geração de caixa em três meses e de 12% em um ano.

O Ebitda trimestral de US$ 41 milhões superou, por exemplo, a estimativa do Safra (US$ 38 milhões), que apontou os maiores volumes de vendas e de preços como motivos que compensaram o fato de o custo de produção da mineradora ter ficado maior do que o esperado pelo banco no período.

Já a XP citou “resultados decentes” em San Andres, que elevou em 47% o Ebitda em três meses, com um menor “custo caixa” no quarto trimestre. O aumento da produção da mina de Almas, no Tocantins, esperado para 2024 deve impulsionar o volume total da Aura em uma faixa média de 14% no ano, a considerar o guidance divulgado.

O CEO disse que o foco deste ano é operar “bem a mina de Almas, manter a meta de acidente zero e garantir o início da operação do projeto Borborema, na cidade potiguar de Currais Novos, no primeiro trimestre de 2025.

Mina de ouro da Aura Minerals em Honduras

Aquisições e liquidez

Barbosa reafirmou a ambição da Aura de realizar aquisições para aumentar sua produção e alcançar o status de uma mineradora de médio a grande porte, o que a ajudaria a atrair a atenção de grandes fundos de gestão de ativos no mundo. A consequência seria passar a ser negociada com múltiplos mais altos e atingir um patamar de valuation típico de uma major do setor.

“Queremos sair dos atuais 35% de valor teórico para 70% e 80%, como são avaliadas as empresas de alto-médio porte. Imagina dobrar de múltiplo. Isso leva tempo. Gostaríamos de fazer isso nos próximos dois a três anos, chegar a uma produção entre 500 mil e 1 milhão de onças”, disse.

Em 2023, a receita líquida atingiu US$ 416,9 milhões, alta de 6%. Os papéis da Aura têm uma liquidez diária de US$ 1 milhão. “Não é o ideal. Gostaria de estar entre US$ 5 milhões a US$ 10 milhões por dia. Já ouvi os maiores fundos do mundo. Eles gostam do nosso case [de negócios], mas só investem em papel com US$ 20 milhões a US$ 30 milhões de liquidez por dia”, disse o CEO da Aura.

Tirar do papel a estratégia de M&A (fusões e aquisições) não significa, segundo Barbosa, descuidar do nível considerado seguro de endividamento. No quarto trimestre, a dívida líquida somou US$ 85 milhões, com alavancagem de 0,6x (dívida líquida/Ebitda), abaixo do 0,9x do terceiro trimestre.

“Não vamos fazer M&A só porque temos uma meta. Precisamos gerar valor ao acionista. Entendemos que o setor de commodities tem oscilação de preços, logo precisamos trabalhar com uma alavancagem menor do que a média, ou seja, abaixo de 2x”, indicou.

O CEO disse que a Aura mira potenciais reservas de ouro em diversos países das três regiões da América Latina, Canadá e EUA. Além da atratividade dos projetos, ele olha para outros dois aspectos dos locais candidatos a receber investimento da companhia: democracia e segurança jurídica.

A Aura é controlada pela Northwestern Enterprises e pela Conway, da mesma família, que juntas somam 57,84% das ações, segundo dados da B3. O chairman é Paulo Brito, empresário de mineração, energia e agricultura, fundador da Cotia Trading, da Mineração Santa Elina, da Biopalma da Amazônia e da vinícola Guaspari, segundo o site da Aura.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.