Bloomberg — Em um ano desolador para as exportações da China, duas categorias se destacaram por seu rápido crescimento: carros e encomendas de baixo valor enviadas diretamente para o consumidor.
Os dois segmentos cresceram 29% e 69%, respectivamente, no ano passado, e representam a expansão mais rápida entre os setores com um valor de exportação de pelo menos US$ 10 bilhões, de acordo com uma análise dos dados aduaneiros chineses feita pela Bloomberg News.
O ritmo explosivo, que vai contra a tendência geral de queda nas exportações chinesas - que recuaram pela primeira vez em sete anos em 2023 -, destaca como a pressão geopolítica e a desaceleração global moldaram a trajetória do que é mais demandado pelos vastos complexos de fabricação da China.
Um boom global na demanda por veículos elétricos e um bloqueio ocidental à Rússia se traduziram em aumento nas exportações de carros fabricados na China.
Ao mesmo tempo, consumidores ávidos por produtos mais baratos e atentos ao orçamento em todo o mundo estão impulsionando cadeias de e-commerce de baixo custo, alavancando empresas como Shein e Temu, que na maioria das vezes enviam as compras diretamente dos armazéns chineses aos consumidores. O valor dessas exportações somaram US$ 62 bilhões em 2023 (veja gráfico abaixo).
A busca por produtos baratos tem sido particularmente forte nos Estados Unidos. Cerca de 2 milhões de pacotes avaliados em US$ 800 ou menos - ou seja, que não estão sujeitos a tarifas alfandegárias - entram no país todos os dias, mais de 30% dos quais são apenas da Temu e da Shein, segundo uma estimativa de um comitê americano.
No Brasil, o aumento de compras de encomendas de baixo valor levou o governo brasileiro a discutir em 2023 o fim da isenção de impostos de importação para compras de até US$ 50 por pessoas físicas, mas a medida foi abandonada depois de reação negativa de consumidores em redes sociais.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu optar por um novo regime tarifário que isenta o imposto de importação de tais encomendas de empresas aderentes a um programa da Receita Federal.
O crescimento simultâneo de carros e produtos baratos diretos para o consumidor também destaca uma transição de longo prazo em curso na segunda maior economia do mundo.
A China delineou planos ambiciosos para se afastar de ser uma grande produtora de produtos de baixo custo e se tornar uma potência global em indústrias de alta tecnologia voltadas para o futuro, como veículos elétricos. Mas a popularidade contínua de itens de baixo custo e sua importância para o setor de exportação mostram o quão difícil essa transformação provavelmente será.
“Esses artigos de baixo valor são exatamente os mesmos produtos tradicionais que fazem da China a fábrica do mundo”, disse Dongshu Liu, professor assistente especializado em política chinesa na City University of Hong Kong.
“O aumento mostra a vantagem de custo da China na produção de produtos de baixo orçamento, mas algumas outras indústrias de maior valor estão em declínio, o que não é um bom sinal”, disse ele.
Mas as indústrias em expansão do ano passado enfrentam ventos contrários substanciais que provavelmente prejudicarão o crescimento em 2024.
A incerteza econômica tem pesado sobre o mercado automotivo global e as exportações de veículos elétricos da China correm o risco de serem prejudicadas por uma investigação da União Europeia sobre se elas se beneficiam injustamente de subsídios governamentais generosos. Isso poderia resultar em tarifas provisórias impostas aos envios para o bloco ainda neste ano.
Ao mesmo tempo, as regras mais rígidas dos EUA sobre a obtenção de materiais para baterias miram justamente o país asiático, enquanto gigantes do setor, como General Motors (GM) e Ford (F), alertaram que o entusiasmo dos americanos para comprar veículos elétricos está diminuindo.
Os pacotes baratos também podem se encontrar em destaque nos EUA, especialmente à medida que a gigante do fast fashion Shein se aproxima de sua tão esperada oferta pública inicial (IPO).
Isso está gerando intenso escrutínio em torno de sua privacidade e segurança de dados. Legisladores americanos também instaram o governo a fechar a brecha que permite que Shein e Temu evitem que seus pacotes enfrentem algumas inspeções alfandegárias devido ao baixo valor do que enviam.
Mas 2024 pode não ser só de desgraça e melancolia e, em comparação com um colapso do mercado imobiliário e a queda da confiança do consumidor chinês, as exportações podem ser relativamente resilientes.
Em termos de dólares americanos, as exportações deste ano podem estar alinhadas com o nível de 2023, segundo Larry Hu, chefe de economia da China do Macquarie Group. Uma recuperação na demanda por eletrônicos está prevista para ajudar o setor, ainda que as tensões nas relações internacionais, como as que cercam as indústrias de novas energias e automotiva, sinalizem que ainda há muita incerteza pela frente.
“Novas barreiras comerciais são um risco negativo não negligenciável em 2024″, disse Hu. “É imprevisível se e quando isso acontecerá.”
Informações de metodologia
A Bloomberg News calculou a variação ano a ano no valor das exportações para cada uma das 98 categorias comerciais mais amplas no banco de dados aduaneiros da China. O agrupamento segue os Códigos do Sistema Harmonizado regulados pela Organização Mundial das Alfândegas.
Esta reportagem da Bloomberg News se refere à categoria HS 98 - tecnicamente denominada “98-Mercadorias Não Classificadas de Acordo com o Tipo” - como “principalmente pacotes de baixo valor” porque mais de 98% do valor das exportações pertence à subcategoria “9804 - Artigos de Baixo Valor em Procedimentos Aduaneiros Simplificados”.
Essa é uma categoria que a agência aduaneira da China usa para o comércio cross border, incluindo compras diretas de consumidores no exterior.
Esta reportagem também nomeia a categoria HS 87 - definida tecnicamente como “87-Veículos, Exceto Ferroviários ou Trilhos, e Peças etc.” como simplesmente “veículos” ou “carros” porque carros de passeio e suas partes representam a maior parte dessa categoria.
- Com informações da Bloomberg Línea.
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