Bloomberg — A frustração superou a exuberância na maior feira de aviação comercial do mundo, em Farnborough, à medida que os executivos das companhias aéreas continuam a enfrentar o quadro de escassez de disponibilidade de novas aeronaves da Boeing (BA) e da Airbus, que não dá sinais de diminuir.
As duas maiores fabricantes de aviões ainda se recuperam da crise enfrentada durante a pandemia de covid-19, que atingiu a cadeia de suprimentos e forçou fornecedores a dispensar trabalhadores com décadas de experiência.
A Airbus freou um ambicioso aumento de produção, enquanto a Boeing enfrenta sua maior crise desde que uma peça da fuselagem de um 737 Max se soltou durante um voo em janeiro, o que minou a produção diante do aumento do escrutínio de autoridades de segurança.
Enquanto aguardam novas aeronaves, as companhias aéreas ansiosas por se expandir se veem obrigadas a reduzir gastos e a cancelar planos de expansão.
“Este é um momento de pura frustração”, resumiu o CEO da FlyDubai, Ghaith Al Ghaith, no Farnborough Airshow, nos arredores de Londres.
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A companhia aérea de baixo custo recebeu apenas 4 das mais de 10 aeronaves 737 Max que estavam programadas para chegar em 2024, e foi informada na semana passada que não haverá mais entregas até o final deste ano. O cronograma de entregas para 2025 não está claro.
“Qualquer que fosse a paciência que tivéssemos, isso era demais”, disse Al Ghaith. “O atraso terá um grande efeito sobre as operações.”
Em conversas com clientes de companhias aéreas, “a prioridade continua sendo a obtenção de aeronaves”, disse John Plueger, o veterano CEO da Air Lease, uma importante locadora de aeronaves. “Não é mais questão de recebê-las no prazo, mas simplesmente recebê-las.”
Novas encomendas
O clima sombrio chegou até mesmo ao negócio mais importante do evento, um compromisso da Korean Air Lines para adquirir 50 jatos dos dois maiores modelos de passageiros da Boeing.
A companhia aérea também havia encomendado o A350-1000 da Airbus no início do ano, o que criou uma espécie de competição sobre qual fabricante de aviões pode entregar primeiro.
"O que chegar a tempo será o nosso carro-chefe", disse o presidente e CEO da companhia aérea, Walter Cho.
As novas encomendas têm sido moderada em Farnborough após o frenesi de negócios pós-covid do ano passado. As carteiras de pedidos para as famílias mais vendidas, do Airbus A320neo e do 737 Max da Boeing, agora se estendem por quase dez anos no ritmo de produção atual, estimou George Ferguson, da Bloomberg Intelligence.
Até quarta-feira (24), a Boeing liderava a concorrência desta semana com 76 pedidos concretos e 22 em avaliação - o que equivale a cerca de US$ 13,7 bilhões em negócios no total, com base nas estimativas de valor de mercado da consultoria de aviação Ishka.
A Airbus registrou um valor estimado de US$ 8,7 bilhões em encomendas, incluindo negócios com a Japan Airlines e a Virgin Atlantic Airways.
Os pedidos de aviões de longo alcance foram dominantes, depois que as companhias aéreas priorizaram seus pipelines de entregas de aeronaves de fuselagem estreita (narrowbody) na última década.
Para os participantes do evento, o foco foi o mercado turbulento, no qual os aviões novos e usados estão cada vez mais escassos e os fornecedores ainda enfrentam dificuldade para entregar peças.
Os chamados gliders, linguagem das companhias aéreas para aviões novos que não ainda não receberam os motores, se acumulam à espera do equipamento, e o fornecimento de turbinas é um grande gargalo.
Pela segunda vez neste ano, a General Electric, conhecida como GE Aerospace (GE), reduziu sua perspectiva de produção dos motores Leap para aviões de fuselagem estreita usados nos jatos da Boeing e da Airbus.
“Estamos tentando progredir a cada semana, mas é um problema de vários anos”, disse o CEO da GE, Larry Culp, em uma entrevista à Bloomberg TV.
Cerca de 400 modelos recentes da Airbus que utilizam um motor diferente da Pratt & Whitney, da RTX Corp, também estão parados, o que reduz ainda mais a disponibilidade enquanto aguardam inspeções para detectar possíveis defeitos.
Tanto a Boeing quanto a Airbus ajudam os fornecedores que enfrentam restrições de mão-de-obra, treinamento e capital. Os piores problemas envolveram peças que requerem o “mais alto grau de manufatura”, disse o vice-presidente sênior da Boeing, Ihssane Mounir, que supervisiona a ampla rede de fornecedores da fabricante de aviões.
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Solução só no final da década
Um dos mais recentes pontos problemáticos envolve interrupções na cadeia de alguns tipos de aço usados em rolamentos e motores, disse Kevin Michaels, diretor administrativo da consultoria AeroDynamic Advisory.
Alguns fornecedores de segundo nível na Europa também têm pagamentos de empréstimos da era da covid-19 a vencer, limitando sua capacidade de investir no estoque de peças e matérias-primas para apoiar o aumento da produção, disse ele.
“Não se trata de uma solução de 18 ou 24 meses”, disse Michaels. “Estamos falando de algo que só vai se solucionar no final da década de 2020. Simplesmente vai levar tempo.”
As questões são complexas e foram criadas há anos. Para a Boeing, eles foram exacerbados por decisões estratégicas, como pressionar os fornecedores a fazer descontos agressivos e transferir a fabricação do 787 Dreamliner para um estado sem sindicatos.
A Boeing reduziu o ritmo de trabalho em suas fábricas no início deste ano para tentar reduzir um problema crônico: a fabricação fora de sequência devido ao atraso na chegada ou a peças defeituosas.
Os órgãos reguladores dos EUA limitaram a produção do 737 até que estejam convencidos de que a Boeing tem um sistema de produção estável e saudável.
Mounir, da Boeing, afirmou que a crise não foi em vão: a fabricante de aviões aproveitou o tempo para implementar os fundamentos para reforçar a qualidade e adicionar ferramentas digitais para fornecer alertas antecipados de problemas emergentes em sua cadeia de suprimentos.
Trabalho jogado fora
“A Boeing trabalha nisso com mais afinco do que eu acho que já os vi trabalhar em qualquer coisa antes”, disse Plueger, da Air Leases.
Os atrasos significam que algumas companhias aéreas têm problemas para planejar as rotas, ou que tipo de interiores os aviões devem ter.
A Emirates, a maior compradora de aeronaves de fuselagem larga (widebody) da Boeing, teve que descartar todos os projetos de cabine que havia imaginado para o modelo 777X porque a entrega da aeronave está atrasada pelo menos cinco anos, disse o presidente da companhia, Tim Clark.
“Tivemos que jogar tudo fora, o sistema de entretenimento, os assentos”, disse Clark. “Tudo foi abandonado, e começamos de novo.”
A Airbus está em melhor situação do que a Boeing, mas a fabricante de aviões europeia teve que recusar pedidos de clientes porque não tem nenhum espaço de produção disponível, de acordo com o CEO, Guillaume Faury.
À medida que a demanda por viagens se acomode depois da rápida retomada que veio com o fim da pandemia de covid-19, qualquer possível desaceleração dará à maior fabricante de aviões do mundo algum espaço para respirar e resolver os problemas.
"No curto prazo, um pouco de alívio seria realmente bem-vindo", disse o chefe comercial da Airbus, Christian Scherer. "Se houver algum enfraquecimento da carteira de pedidos, isso nos ajudará a reduzir os atrasos."
-- Com a colaboração de Siddharth Philip, Brad Skillman e Guy Johnson.
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