Como o Brasil se tornou fundamental para os negócios da GE Aerospace no mundo

Operação no estado do RJ é a maior oficina de manutenção de motores para aviação da empresa no mundo e projeta expansão de 60% para atender de 800 a 900 equipamentos por ano

Instalações da GE Aerospace/GE Celma, na região de Petrópolis, no Rio de Janeiro, no Brasil
24 de Fevereiro, 2025 | 05:15 AM

Bloomberg Línea — A GE Celma, unidade brasileira da GE Aerospace, projeta crescimento de até 58% do volume de manutenção e reparo de motores de aviação até 2030, como reflexo do maior plano de expansão no Brasil em quase 30 anos, segundo executivos da companhia.

Depois de encerrar o ano passado com um recorde de 570 motores revisados, a empresa projeta atingir capacidade de manutenção de 800 a 900 turbinas por ano até o fim desta década, afirmaram executivos em encontro com jornalistas na sede da empresa na última terça-feira (18).

PUBLICIDADE

Esse cenário tornaria a unidade brasileira uma das maiores oficinas de manutenção, reparo e revisão (MRO, na sigla do setor) de motores de aviação do mundo, de acordo com eles. A operação da GE Celma já é a maior das seis oficinas que a GE Aerospace tem para prestação de serviços de seus motores.

Para 2025, a empresa projeta crescimento anual de cerca de 10% no volume de produção no Brasil, com elevação para 630 dos motores revisados nas plantas na região de Petrópolis, no Rio de Janeiro, segundo Julio Talon, presidente da unidade no país.

“Vamos continuar com essa taxa de crescimento nos próximos anos”, afirmou o executivo, que lidera a operação há 15 anos.

PUBLICIDADE

Leia também: Brasil ganha peso para GE Aerospace em projeto global de R$ 430 milhões

De acordo com Talon, o aumento da capacidade até 2030 deve ser resultado de uma combinação entre investimentos na expansão, aquisição de novos equipamentos, contratação de pessoal qualificado e melhorias de processos de manutenção.

Atualmente, a empresa emprega diretamente 2.800 pessoas nas unidades no Brasil, além de 700 terceirizados. A expectativa é adicionar cerca de 600 novos postos diretos até 2028.

PUBLICIDADE

“Não é crescer por crescer. Temos que crescer de uma maneira produtiva”, disse ele.

Segundo o executivo, globalmente a GE Aerospace realizou a manutenção de aproximadamente 2.500 motores no ano passado. Isso torna a unidade brasileira responsável por cerca de 20% a 25% do volume dos motores revisados no mundo.

Dos equipamentos que passaram por manutenção no Brasil, 95% foram para companhias aéreas estrangeiras, principalmente dos Estados Unidos, da Europa e do Oriente Médio.

PUBLICIDADE

A empresa também atende Azul (AZUL4), Gol (GOLL4) e Latam, além de outras latino-americanas. São cerca de 30 clientes atendidos pela unidade brasileira ao todo.

Instalações da GE Aerospace/GE Celma, na região de Petrópolis, no Rio de Janeiro, no Brasil

Aumento da demanda

De acordo com Luiz Froes, diretor executivo regional e vice-presidente de Relações Governamentais para a América Latina, a empresa prevê aumento da demanda por manutenção nas próximas décadas, o que justifica o investimento no país.

Isso está relacionado aos serviços nos motores vendidos nos últimos quinze anos, que precisarão de reparos, além dos novos que estão sendo instalados em aeronaves.

As metas de redução de emissão de carbono na aviação, segundo ele, são alguns dos fatores que têm levado as companhias aéreas a renovarem as suas frotas e operarem por modelos com menos consumo de combustível.

“Nossas ordens por motores cresceram cerca de 46% no ano passado devido à maior demanda na aviação e, principalmente, à necessidade de os clientes trocarem as frotas”, afirmou Froes.

Leia também: ‘Sell, sell, sell’: o plano da Embraer para superar Airbus e Boeing, segundo o CEO

As operações no Brasil são realizadas em cinco unidades, das quais três em Petrópolis, incluindo a matriz, uma no município de Três Rios, também no Rio de Janeiro, e outra na capital fluminense. A operação funciona 24 horas, em três turnos.

A unidade de Três Rios é atualmente responsável por realizar as provas dos motores CFM Leap e GEnx da empresa, depois que eles passam pela manutenção feita em Petrópolis, a cerca de 60 quilômetros.

O local inclui um galpão com 1.183 metros quadrados, em que os motores dos aviões são içados a uma altura de mais de dez metros e então ligados, para avaliação do desempenho em simulações de situações reais. A planta foi inaugurada em 2018 após um investimento de US$ 55 milhões.

A fábrica passa agora por um processo de expansão com investimento de US$ 85 milhões que irá adicionar um novo galpão de 42.000 metros quadrados, uma área maior do que o espaço disponível na matriz em Petrópolis.

Instalações da GE Aerospace/GE Celma, na região de Petrópolis, no Rio de Janeiro, no Brasil

A inauguração do local está prevista para o terceiro trimestre deste ano. A empresa espera concentrar as operações de desmontagem, montagem e reparos dos motores Leap e GEnx no novo espaço em Três Rios, para assim mantê-los mais próximos do campo de provas.

Atualmente, esse trabalho é feito na planta 14 Bis, em Petrópolis. Essa unidade seguirá responsável pela manutenção de outros motores do restante do portfólio depois que a expansão em Três Rios estiver concluída.

“No terceiro trimestre devemos estar com essa oficina pronta, para começar a operação no quarto trimestre. Nela vamos crescer cada vez mais a capacidade de Leap, que é hoje é o nosso motor de maior sucesso de vendas”, disse Talon.

US$ 20 bi em receitas anuais

Em 2024, o negócio de serviços foi responsável por US$ 19,8 bilhões dos US$ 26,9 bilhões do faturamento anual da unidade de aviação comercial da empresa. O lucro anual da unidade comercial foi de US$ 7,1 bilhão.

No Brasil, a empresa também realiza manutenção e reparo de turbinas para aeronaves militares da Aeronáutica.

Os resultados positivos têm sido recompensados por investidores.

As ações da GE Aerospace (GE) fecharam 2024 com valorização de 66% e acumulam ganho de cerca de 20% neste ano até o dia 21 de fevereiro, o que fez com que a companhia recuperasse o posto de maior empresa do setor industrial em valor de mercado nos Estados Unidos - perto de US$ 215 bilhões.

Leia mais: Para a 3M, Brasil pode passar de polo regional a hub global de exportações

A GE Aerospace é a empresa remanescente da General Electric depois que o conglomerado industrial americano fez o spin-off de suas operações de saúde e energia, em duas empresas separadas - a GE Healthcare e a GE Vernova, respectivamente -, em processo concluído no ano passado.

Globalmente, a GE Aerospace tem cerca de 45.000 turbinas de aviões comerciais em operação, além de outros 25.000 motores militares.

A empresa é líder do segmento, com cerca de 55% de market share, de acordo com dados compilados pela plataforma Statista. Os principais concorrentes são a Rolls-Royce e a Pratt & Whitney.

Ganhos de produtividade

Segundo os executivos brasileiros, um dos diferenciais da subsidiária no país é a capacidade de realizar o serviço de manutenção em um prazo competitivo de 80 a 85 dias em média, o que inclui toda a desmontagem, a limpeza, a verificação, o reparo ou a substituição de peças, a remontagem e a simulação em nos campos de provas.

Após os investimentos e a expansão, a expectativa é que o tempo de serviço possa ser reduzido.

“Para o CFM Leap, que é o nosso maior volume hoje, fazemos consistentemente abaixo de 80 dias. Neste ano nós vamos revisar quase 350 CFMs. Mas a GE caminha para uma redução [do tempo]”, disse Talon.

“Temos condição em dois ou três anos de entregar a revisão de motores maiores consistentemente em 75 dias. E motores menores a partir de 70 dias. É isso que buscamos com os investimentos, a capacitação de mão de obra e o novo sistema operacional da GE, que é o Flight Deck.”

Hoje as operações no Brasil têm capacidade para trabalhar em serviço de 150 motores simultaneamente, em diferentes etapas de manutenção. Depois da expansão, a expectativa é que esse número suba para cerca de 200.

Leia mais: Na Boeing, encargos na divisão de defesa realçam desafios além da aviação comercial

Um motor de uma aeronave comercial tem uma vida útil de cerca de 40 anos e pode passar por até três a quatro manutenções detalhadas nesse período, além de outros serviços menos complexos de reparo e substituição de peças.

Isso faz com que a maior parte do faturamento e do lucro da GE Aerospace venha da área de serviços.

Instalações da GE Aerospace/GE Celma, na região de Petrópolis, no Rio de Janeiro, no Brasil

Os motores CFM Leap e GEnx são alguns dos mais utilizados atualmente em voos comerciais no mundo.

Enquanto o CFM Leap é utilizado em aeronaves narrow-body, de um corredor entre as fileiras de assentos de passageiros como o Boeing 737-Max e o Airbus A320neo, o GEnx equipa grandes aviões de dois corredores usados em voos transatlânticos (wide-body), como o Boeing 787 Dreamliner e o Boeing 747-8.

O investimento no Brasil faz parte de um plano global da companhia para atender a maior demanda prevista de manutenção desse tipo de motor, para aeronaves que foram vendidas nos últimos anos.

Quando a nova fábrica estiver em operação, segundo os executivos, ela também será capaz de atender a manutenção de outros motores das novas gerações, como GE9X.

As operações da GE Celma têm origem em uma fabricante de equipamentos eletroeletrônicos fundada em Petrópolis em 1951. Ainda na década de 1950, a Celma foi comprada pela Panair do Brasil e passou a fazer a manutenção dos motores da antiga companhia aérea, que entrou em falência em 1965.

O então governo militar estatizou a operação da Celma e a utilizou para fazer a manutenção de motores dos aviões da Força Aérea Brasileira (FAB).

Em 1991, já no governo do ex-presidente Fernando Collor, a estatal foi privatizada e vendida para um consórcio que incluiu os bancos Safra e Boavista. A GE, que adquiriu uma participação minoritária na privatização, assumiu o controle da companhia em 1996.

Leia também

GE Healthcare traz ex-GM da Baxter como novo CEO para a América Latina

As ‘jabuticabas’ que levaram a Unilever a faturar € 1 bi com a Omo no Brasil

Filipe Serrano

É editor sênior da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.