Bloomberg Línea — O clima ameno de setembro em Berlim dava ânimo na hora em que Tomás Awad chegou para cumprir a tarefa que havia movimentado seu último ano: correr uma das grandes seis maratonas do mundo, as Majors, como são conhecidas, e com tempo recorde. Recorde ao menos para ele e para a sua equipe de corrida brasileira, a MPR, uma das principais entre os atletas amadores de São Paulo e do Brasil.
A largada da maratona, que começa na avenida que corta o Tiergarten e abriga o Portão de Brandemburgo, cartão-postal da capital alemã, foi ao som de Ivete Sangalo, para surpresa de Awad e seus parceiros de prova, quase todos eles profissionais do mercado financeiro ou de grandes corporações que haviam dividido os meses de 2004 entre as intensas jornadas de trabalho e as de treino para a corrida.
Com a euforia do clima de milhares de fãs do esporte torcendo nas grades laterais, junto a todas as expectativas que trazia, Awad lembra que se saiu muito bem no início. Sentia-se forte, principalmente após o incidente de meses atrás, em que desmaiou durante um “longão” - nome do treino de maior distância da semana dentro do planejamento dos corredores para maratonas.
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Só que foi nesse trecho inicial em Berlim que ele percebeu que tinha algo errado: seu companheiro de treino, Marcelo Apovian, o Lelo, estava prestes a ultrapassá-lo depois de alguns bons minutos de corrida. Se o amigo, que era ex-atleta olímpico e, como lei, sempre teve um desempenho acima do seu, só o alcançava naquele momento, ficava claro que Awad havia cometido um erro: colocou muita intensidade na largada e provavelmente não teria fôlego para terminar bem os 42,195 km.
Estratégico no pensamento, Awad, que justamente naquela época era estrategista de equity no Itaú, foi rápido em calcular que seu desempenho na prova estava comprometido.
Não hesitou em parar para sentar em um bar de esquina ao sentir que seus batimentos cardíacos estavam bem acima do considerado normal para ele àquela altura da corrida. Dali foi uma questão de minutos até ser abordado por uma equipe médica alemã e, então, encaminhado para o hospital - onde prometeu para si mesmo que estaria de volta no ano seguinte, melhor preparado para finalizar a corrida.
“Eu sempre tive muita visão de longo prazo. Isso vale para a corrida, para os negócios e para o que eu faço hoje na Faria Lima. Um entendimento de que o processo às vezes demora mais, mas você chega lá”, disse Awad, que, no ano seguinte, em Berlim, conquistou sua melhor marca até aquele momento: correu a maratona em 2h56min03, abaixo de 3 horas, um marco fundamental que separa os corredores amadores da elite do esporte mundial.
O esporte dos profissionais de alta performance
“Tudo é treino. É uma questão de rotina e que, às vezes, segue um número. A meta ajuda o atleta a ser mais disciplinado para entender o que está acontecendo. Quanto mais ele vê o resultado, mais busca a rotina, e aquilo passa a ser uma prioridade”, disse Marcos Paulo Reis, o MPR, sócio-fundador e diretor técnico da assessoria esportiva em que Awad treina há mais de 30 anos e que reúne alguns dos melhores maratonistas amadores do Brasil, além de atletas profissionais.
Marcos Paulo, que foi treinador da equipe brasileira de triatlo nas Olimpíadas de Sydney (2000) e Atenas (2004), é uma espécie de lenda entre os corredores amadores de São Paulo.
A camiseta “amarela ovo” da MPR, que é vista em pelotões no parque Ibirapuera e na Universidade de São Paulo (USP), surgiu nos anos 1990, quando ele foi um dos pioneiros do modelo de negócios de assessoria esportiva que hoje é febre entre profissionais do mercado financeiro e do mundo corporativo paulistano.
Outro dos pioneiros foi Mario Sergio Andrade e Silva, o Mario Sergio, fundador da Run&Fun há 30 anos, outra das mais tradicionais e maiores assessorias esportivas da capital paulista e do país - e também conhecida pela sua camiseta amarela, mas de tom mais claro.
A Run&Fun se notabilizou pelas parcerias com grandes empresas como Unilever e SulAmérica para prestar o serviço de treinamento de corrida para seus funcionários e, mais recentemente, com a plataforma Gympass (agora Wellhub). Executivos do mercado e C-level estão entre seus alunos também.
Com planilhas para orientar e monitorar a evolução dos treinos e encaminhamento a fisioterapeutas, nutricionistas e outros profissionais da saúde, a assessoria monta os treinos de atletas amadores para encaixá-los às rotinas pessoais e de trabalho.
Dados da Tickets Sports, uma das maiores plataformas de venda de inscrições para eventos esportivos no Brasil, mostram que o número de atletas em corridas de rua teve um salto de 20% entre 2022 e 2023. Na Maratona de Boston, outra das seis principais da modalidade - as demais são Nova York, Chicago, Tóquio e Londres), por exemplo, houve recorde no número de brasileiros inscritos, que chegou a 686.
Entre os praticantes de corrida no Brasil, alguns nomes se destacam, como o fundador e presidente do conselho da XP, Guilherme Benchimol, e a CEO da SAP Brasil, Cristina Palmaka.
E um dos motivos para esse interesse entre profissionais em cargos de alta performance, segundo os entrevistados, são os benefícios para a vida que a corrida proporciona, não somente no trabalho como também na vida pessoal. Há também uma identificação com valores como disciplina, resiliência e superação para alcançar os seus objetivos de prova e na carreira.
“A corrida oferece vários fatores para te ajudar a melhorar. Não vai ser a solução, não é o Santo Graal. Você precisa saber usar”, disse Awad, que faz um paralelo dos treinos com sua atuação agora como sócio-fundador e CIO da 3R Investimentos, uma gestora independente de investimentos.
Para ele, a disciplina e a humildade para reconhecer e aprender com os erros são a chave tanto para o esporte e a maratona como para a vida profissional.
Como Falar Faria Limês
A conversa com Tomás Awad e Marcos Paulo Reis faz parte do videocast “Como Falar Faria Limês”, nova série da Bloomberg Línea que é gravada nos estúdios da B3, em São Paulo. A série com oito episódios tem como convidados profissionais de diferentes áreas para mergulhar no coração do mundo financeiro e corporativo brasileiro de forma divertida, acessível e esclarecedora.
Os debates abordam desde conceitos fundamentais de negócios até questões sociais e culturais, incluindo a presença de mulheres na Faria Lima e o espaço da comunidade LGBTQIA+. O primeiro episódio, sobre startups e venture capital, também está disponível no YouTube e no Spotify.
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