Como esta gigante europeia decidiu encarar as chinesas na briga dos carros elétricos

Montadora Renault, fundada há 125 anos, espera ganhar terreno no mercado de veículos movidos a eletricidade com novos modelos acessíveis

Renault
Por Stefan Nicola - Albertina Torsoli
24 de Novembro, 2023 | 02:01 PM

Bloomberg — Quando foi fundada, a Renault iniciou suas atividades com uma aposta ousada. Na véspera do Natal de 1898, um jovem mecânico chamado Louis Renault acreditou que o pequeno automóvel que construiu venceria os carros da época na estrada mais íngreme de Paris. A façanha foi tão bem sucedida que ele garantiu as encomendas para sua voiturette naquela noite.

Agora, a montadora francesa embarca em outra grande aposta, 125 anos depois, calculando que poderá alcançar algo que a indústria automotiva ainda não conseguiu atingir: produzir veículos elétricos acessíveis e ganhar dinheiro com eles.

No último dia 15, a Renault revelou um modelo do Twingo movido a bateria que custará menos de 20.000 euros (US$ 21.700) na Europa. O carro urbano redesenhado toma emprestados elementos do modelo popular criado na década de 1990 e estará posicionado para competir com ofertas semelhantes da Stellantis, Volkswagen e das montadoras chinesas que crescem no mercado europeu e mundo afora, diante do aumento dos custos de vida.

“Isso será um game changer, mais uma vez, como foi há 30 anos”, disse o CEO da Renault, Luca de Meo, sobre o Twingo, que estará à venda em 2026. “Queremos tornar os elétricos acessíveis e rentáveis nesta parte do mundo.”

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O Twingo e outros modelos elétricos – incluindo uma nova versão de 25.000 euros do subcompacto Renault 5, que começará a ser vendido no ano que vem – representam o núcleo da Ampere, o negócio de veículos elétricos e software que Luca de Meo deseja levar à bolsa no próximo ano para levantar capital para o plano de reinvenção da montadora.

Num evento para investidores, o CEO elogiou o planejamento da Ampere para atingir o breakeven em 2025 e, em seguida, obter uma margem operacional de cerca de 10% aproximadamente cinco anos depois.

A empresa pretende chegar lá reduzindo o número de peças de veículos que adquire, acelerando a produção e contando com a escala existente de produção e aquisição da Renault.

As parceiras de longa data Nissan e Mitsubishi investirão um total de até 800 milhões de euros na entidade. A Qualcomm (QCOM) também considera aderir, com um acordo a ser revelado em breve, disse o diretor financeiro da Renault, Thierry Pieton, a repórteres na ocasião.

Mas, para realizar uma oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês) da Ampere, a Renault terá de conquistar os investidores num ambiente de mercado difícil para as ações, com o agravante de uma brutal guerra de preços de elétricos.

Concorrência

Os analistas têm se mostrado céticos quanto à capacidade da Renault de lançar rapidamente veículos elétricos baratos no mercado e apontam para desenvolvimentos preocupantes para a indústria automotiva em geral.

Com as baterias ainda caras e a produção de veículos elétricos em processo de ganho de escala, os carros baratos têm sido limitados principalmente a subcompactos de curto alcance na China, que provavelmente não serão populares em grande parte do resto do mundo.

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A Tesla (TSLA) não deu continuidade ao desenvolvimento de um modelo de US$ 25.000. A Volkswagen, que prepara um elétrico que deve custar menos de 25.000 euros para os mercados europeus em 2025, demitiu trabalhadores temporários e cortou turnos porque a procura pelos seus elétricos ficaram aquém das expectativas.

A única grande montadora que ganha muito dinheiro com carros elétricos é a chinesa BYD, e não está claro se seus modelos totalmente elétricos mais baratos são lucrativos.

A Renault construiu muitos carros com motor a combustão acessíveis. O seu 4CV, desenvolvido secretamente sob a ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial, foi comercializado como um “carro pequeno para todos” quando as vendas começaram em 1947 e tornou-se o primeiro automóvel francês a vender mais de um milhão de unidades.

A empresa teve ainda mais sucesso com o R4 – o primeiro hatchback produzido em massa do mundo – e carros subcompactos como o R5, que foi o modelo mais vendido em França durante grande parte das décadas de 1970 e 1980.

Para continuar essa tradição, a Renault comercializou durante anos o seu Dacia Spring – que custa a partir de 20.800 euros na França – como o elétrico mais acessível da Europa, embora a empresa o tenha montado na China.

O novo Twingo deverá ser fabricado na Europa, possivelmente na Eslovênia, disse de Meo à Bloomberg Television.

A reação dos analistas

Alguns investidores permanecem céticos. Embora o plano de Ampere esteja bem estruturado, ainda não existem provas suficientes de que os novos veículos elétricos com preços entre 20.000 e 25.000 euros possam ter sucesso e com rentabilidade, escreveram em relatório analistas do UBS.

Daniel Roeska, da Bernstein, elogiou o novo Twingo e chamou a Ampere de “negócio altamente impressionante”, mas a sua equipe continua questionando a necessidade de um IPO.

De Meo não descarta a possibilidade de adiar os planos da listagem da Ampere se a sua expectativa de uma avaliação do negócio entre 8 bilhões e 10 bilhões de euros não for cumprida.

“Estar listado também é importante para nutrir uma cultura de desempenho, de transparência para a Ampere”, disse de Meo. “Mas não vamos fazer isso a qualquer preço.”

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