Bloomberg — Com um caixa cheio e um valor de mercado de US$ 15 bilhões em 2017, a Atos estava fazendo ofertas por tudo o que podia. A empresa de tecnologia da informação (TI), por meio de uma série de grandes aquisições, parecia estar prestes a se tornar um raro campeão europeu do setor.
O atual Comissário Europeu, Thierry Breton, que liderou a Atos na época, gabava-se de a empresa ter um balanço sólido e celebrava como havia navegado por todas essas fusões e aquisições sem dívidas.
Até que tudo o que poderia dar errado aconteceu.
Breton pulou do barco para entrar na política da União Europeia (UE), os investidores começaram a questionar o apetite sem fim da Atos por fusões e aquisições, e os auditores descobriram erros contábeis das empresas dos Estados Unidos que ela havia adquirido.
Uma constrangedora sequência de troca de CEOs — em média um a cada seis meses desde 2021 — destacou a crescente disfunção do grupo.
Agora, a Atos tem quase 5 bilhões de euros (US$ 5,4 bilhões) em empréstimos que não pode pagar. A crise de dívida forçou a empresa a ceder ao governo francês uma participação acionária em seus ativos mais estratégicos em troca de um financiamento provisório, dando ao Estado o direito de preferência em qualquer acordo para vendê-los.
O acordo é um golpe para o presidente francês Emmanuel Macron, que gostaria que o mundo visse Paris como o Vale do Silício da Europa.
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O governo foi compelido a intervir por razões de segurança nacional, dada a função chave da Atos como fornecedora de serviços de TI para os setores nuclear e de Defesa do país, bem como para a cibersegurança na Olimpíada de Paris neste ano.
Agora, a Atos vale US$ 200 milhões, uma queda de cerca de 98% desde o seu pico em 2017. As ações caíram 14% na terça-feira (9), depois que a empresa alertou que precisa reduzir pela metade sua dívida e disse que um acordo para evitar a falência acionará uma “diluição significativa” nas participações dos acionistas. No acumulado de 2024, o papel acumula queda de 74,5%.
A participação acionária do governo francês teve um custo de apenas 50 milhões de euros, enquanto a Atos conseguiu mais 400 milhões de euros em financiamento provisório de um grupo de bancos e detentores de títulos.
Como surgiu a Atos
A própria Atos surgiu de uma megafusão supervisionada por Thierry Breton — quando, em 2010, a Atos Origin anunciou um acordo para comprar a unidade de TI da Siemens em um negócio que o CEO da empresa alemã disse que criaria “um campeão europeu”. Na época, Breton disse que a aliança abriria “um amplo campo de novos negócios”.
Mais fusões se seguiram, incluindo a compra da empresa francesa de supercomputação Bull e da Xerox ITO em 2014. Essas aquisições impulsionaram a Atos para o índice de elite CAC 40 da França em 2017, quando sua capitalização de mercado atingiu o pico.
No ano seguinte, em 2018, a empresa fechou seu maior acordo até então, desembolsando US$ 3,4 bilhões pela Syntel para obter mais acesso aos clientes financeiros dos EUA.
Mas logo depois, as coisas começaram a desmoronar. A Atos foi atingida por uma série de contratempos, levando alguns executivos e observadores a apontarem para uma campanha de desestabilização, e tornando a empresa um alvo principal para os vendedores a descoberto.
Os problemas começaram em janeiro de 2021, quando notícias de uma proposta para adquirir a concorrente americana DXC Technology por até US$ 10 bilhões fizeram as ações despencarem, enquanto os investidores questionavam o propósito do acordo.
Os problemas foram agravados pela descoberta de erros contábeis em duas de suas entidades nos EUA naquele ano, levando a uma perda de mais de 1 bilhão de euros em valor de mercado em um único dia. Em um incidente estranho, um homem falsamente afirmou que possuía uma participação de 5%, quando na verdade não possuía uma única ação, aumentando a impressão de que ninguém sabia o que estava acontecendo.
Sem escolha
À medida que as ações continuavam a perder valor, a Atos anunciou um plano de spin-off elaborado por consultores da McKinsey e apoiado pelo então chairman Bertrand Meunier. O objetivo era separar seu combalido negócio de terceirização de TI de suas atividades mais promissoras de nuvem, big data e cibersegurança.
Mas até mesmo esse plano estava fadado ao fracasso. O CEO Rodolphe Belmer, que se opunha à divisão, disse que isso o deixou “sem escolha a não ser renunciar” apenas cinco meses após assumir o cargo.
Mesmo assim, ele apresentou o conceito para uma plateia perplexa de analistas e jornalistas reunidos em um auditório em Paris. As ações despencaram 23%.
Enquanto isso, as negociações para vender as duas unidades fracassaram. A EP Equity Investment, do bilionário tcheco Daniel Kretinsky, encerrou as conversas para comprar o negócio de TI em fevereiro, enquanto a Airbus desistiu no mês passado das negociações sobre os negócios de big data e cibersegurança da Atos.
Desacordos sobre estratégia e uma série de alertas sobre os resultados mantiveram as trocas frequentes na gestão. Paul Saleh, o antecessor do atual CEO, durou apenas três meses no cargo.
Queda na receita
Os problemas também se refletiram nos clientes. A receita é projetada em 9,9 bilhões de euros este ano, ante 11,3 bilhões de euros em 2022.
Os analistas apontam como a Atos, apesar de todas as fusões e aquisições de Breton, não estava preparada para o grande movimento na indústria de manutenção de TI em direção para a nuvem pública, o que impulsionou o crescimento da concorrente SAP, da Alemanha.
Críticos dizem que a rápida expansão da empresa por meio de aquisições deixou-a com um mosaico de negócios díspares que tiveram dificuldades para se adaptar às mudanças na indústria de TI.
Breton, no entanto, permanece inabalável.
“Não tenho responsabilidade, zero”, disse ele em março, afirmando que deixou a empresa sem dívidas e bem posicionada para se beneficiar do crescimento da indústria de nuvem.
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