Como a venda da Pismo impacta o mercado de startups na América Latina

Segundo investidores e especialistas, aquisição da Visa por US$ 1 bi reforça os holofotes para techs da região com soluções com potencial de atingir escala global

Por

Bloomberg Línea — A venda da fintech brasileira Pismo para a Visa (V) por US$ 1 bilhão reverberou no setor de venture capital na América Latina.

Investidores e especialistas ouvidos pela Bloomberg Línea afirmam que a aquisição representa um sinal positivo para o setor de tecnologia da região: mostra que há interesse de grandes empresas por startups e fintechs que possuem tecnologia com modelos de negócios com potencial de escala global.

A transação ocorre em um momento de baixa para o setor, o que reforça a sua relevância simbólica. Nos primeiros seis meses de 2023, foram registradas 199 rodadas de investimentos no Brasil, com captação de US$ 778,1 milhões - nos dois casos, com quedas da ordem de 50% na base anual, de acordo com dados da plataforma de inovação Distrito.

O setor de fintechs liderou o volume com US$ 185,9 milhões no semestre. A compra da startup brasileira de infraestrutura de pagamentos marca um ponto positivo para as fintechs da região, que viram o financiamento diminuir para níveis do início de 2019 no primeiro trimestre, segundo o CB Insights.

A venda da Pismo marca também o surgimento do primeiro unicórnio brasileiro do ano, segundo o Distrito, em referência às startups avaliadas em ao menos US$ 1 bilhão.

Para investidores experientes da região, como Hernán Kazah, cofundador da Kaszek, a venda da Pismo para a Visa é um negócio “incrível” e serve como uma validação do ecossistema da região.

“É uma notícia excelente para o ecossistema, uma empresa comprada pela Visa por US$ 1 bilhão, e ainda tinha uma competição com a Mastercard [pelo negócio]. Para mim isso é maravilhoso, felicidades pelo o que eles construíram. É ótimo para todos, para os empreendedores e os investidores”, disse Kazah em entrevista à Bloomberg Línea.

Nilio Portella, cofundador do M&P Group e sócio na Bossanova Investimentos, disse acreditar que a aquisição da Pismo demonstra o potencial e o valor das fintechs no mercado brasileiro, bem como o interesse das grandes empresas globais em adquirir players locais com soluções inovadoras.

“Acredito que abra, sim, uma janela de oportunidades para futuras transações semelhantes e novos investimentos, não só nesse segmento, mas também para martechs e healthtechs”, disse Portella, que classificou o deal como um marco para o ecossistema de investimentos em VC na região.

Para Christel Moreno, sócia do escritório de advocacia Gunderson Dettmer no Brasil, uma saída de grande sucesso atrai a atenção de potenciais compradores, incluindo relevantes corporações estrangeiras, para as empresas de tecnologia no Brasil e suas soluções em desenvolvimento.

“Pode ser uma possível nova tendência para startups, injetando uma dose de ânimo no mercado de M&A, e quem sabe também tenha influência na retomada de um fluxo de investimentos VC e CVC (Corporate Venture Capital) menos tímido do que observamos nos últimos meses. Está claro que há espaço para o retorno dos grandes deals”, afirmou.

Gisele Assis, advogada especialista em meios de pagamento pelo escritório /asbz, disse que a aquisição da Pismo pela Visa desperta interesse do mercado tanto pelo seu valor expressivo quanto pelo contexto atual de cautela de investimentos internacionais em relação às empresas de tecnologia.

“Essa aquisição reforça um modelo de atuação já observado anteriormente, em que os investidores tech estão cada vez mais direcionando seus recursos para soluções verdadeiramente únicas e inovadoras, que possam resolver problemas específicos, como é o caso da Pismo”, disse Assis.

No entanto, em sua avaliação, ainda é difícil afirmar com certeza se essa tendência se manterá no mercado tech em razão da conjuntura econômica atual.

Janela de oportunidade

É uma visão semelhante à de Felipe Barreto Veiga, sócio-fundador do BVA Advogados e especialista em M&A (fusões e aquisições), private equity, venture capital e direito societário, com foco em startups.

Para ele, apesar de o apetite por aquisições continuar alto, há desafios a serem enfrentados no mercado de tecnologia, como o alto custo de mão-de-obra e a dificuldade de receber financiamento.

“Percebe-se que as empresas seguem com uma agenda de aquisições de companhias e soluções de tecnologia, a exemplo da Visa e de várias outras gigantes, como a Totvs, que recentemente anunciou a aquisição da Exact Sales”, disse Veiga em comunicado.

“Algumas companhias brasileiras de tecnologia listadas em bolsa ainda têm sido precificadas a valores inferiores aos recursos disponíveis em caixa”, exemplificou Veiga sobre a situação.

Por outro lado, a formação de um consenso sobre a queda da taxa Selic pode gerar impacto positivo nos valuations e, portanto, um aumento no custo de aquisição para compradores, segundo Veiga. “Diante desses fatores, acredito que podemos entrar no final da janela de oportunidades de aquisição no Brasil”, disse.

Aquisições em 2023

No primeiro semestre, foram realizados 61 negócios de fusões e aquisições no Brasil, o que representou uma redução de 27,4% em relação ao semestre anterior (o segundo de 2022) e de 48,7% em comparação com o primeiro semestre de 2022, segundo dados do Distrito.

Na análise por trimestre, no entanto, as fusões e aquisições de abril a junho se mantiveram estáveis em relação aos trimestres anteriores.

A venda da Pismo se destaca na comparação mais recente, de até um ano, de startups adquiridas, mas fica aquém de outros negócios que envolveram valores mais altos em anos recentes já de pandemia:

  1. Auth0 (Argentina): A empresa americana de tecnologia Okta adquiriu a argentina Auth0, de serviços de autenticação, por aproximadamente US$ 6,5 bilhões em ações em 2021.
  2. iFood (Brasil): Em agosto de 2022, a Prosus, um grupo de investimentos holandês, pagou US$ 1,8 bilhão por uma participação de 33% na empresa brasileira de entrega. Com a operação, tornou-se controladora do iFood, que acabou avaliado em US$ 5,4 bilhões.
  3. Cornershop (Chile): Em 2021, a Uber assumiu o controle da plataforma de entrega de compras de supermercado Cornershop por US$ 1,4 bilhão.

Histórico da Pismo

A Pismo é uma empresa que fornece plataformas bancárias e soluções de pagamento na nuvem, com operações na América Latina, na região da Ásia Pacífico e na Europa.

Ricardo Josua, CEO e co-fundador da Pismo, formou-se em negócios pela Fundação Getulio Vargas (FGV) em 1997. Ele trabalhou no Banco Garantia e no Credit Suisse antes de atuar na empresa do pai, em que havia um pequeno grupo que desenvolvia uma plataforma de processamento de pagamentos.

O projeto cresceu e se tornou um negócio, a Conductor, que co-fundou em 1999 e no qual ficou por 13 anos com o cargo de CEO. Foi lá que ele conheceu seus sócios Daniela Binatti, Marcelo Parisi e Juliana Binatti Motta. Juntos, eles fundaram a Pismo em 2016.

Josua participou da negociação com a empresa de private equity que adquiriu 51% da startup Conductor, hoje renomeada Dock e sob a liderança de Antonio Soares. A startup atingiu um valuation de US$ 1,5 bilhão em rodada de financiamento em 2022, o que a elevou ao status de unicórnio.

Em comunicado à Bloomberg Línea, a Pismo disse que continuará a ser neutra em relação a fornecedores e marcas. “Nossa oferta de produtos permanece inalterada, abrangendo cartões, serviços bancários e empréstimos. Mantemos nossa equipe executiva e de gestão atual”, disse.

A transação de venda da Pismo para a Visa está sujeita a aprovações regulatórias e está prevista para ser concluída ao final de 2023.

Entre os concorrentes da Pismo estão fintechs como Mambu, 10x Future Technologies, Thought Machine e Temenos, de acordo com o CB Insights.

Leia também

Techfin Pismo levanta US$ 108 mi com Softbank, Amazon e Accel

Americanas já estuda venda da Ame, fintech que é a ‘joia da coroa’ do grupo