Como a Tupperware passou de ícone dos lares a marca que busca sobreviver

Empresa de potes plásticos entrou com pedido de proteção contra credores na Justiça dos EUA e documentos revelam dúvidas de executivos sobre a viabilidade do modelo de negócios

A Tupperware ainda depende das vendas diretas, mas enfrenta competição com sites e mudanças nos hábitos de consumo (Foto: Steven Church e Eliza Ronalds-Hannon/Bloomberg
Por Steven Church - Eliza Ronalds-Hannon
22 de Setembro, 2024 | 07:03 AM

Bloomberg — A Tupperware era uma marca americana conhecida, em declínio, mas ainda sinônimo de armazenamento de alimentos. Agora, o próprio nome Tupperware está prestes a se tornar ainda mais obsoleto, à medida que credores brigam entre si e com a empresa no tribunal de falências dos Estados Unidos.

A Tupperware Brands (TUP) entrou na última terça-feira (17) com pedido de proteção contra credores no Chapter 11 em Wilmington, estado de Delaware - equivalente à recuperação judicial no Brasil.

A empresa planeja uma venda para um novo proprietário enquanto ainda estiver em operação, de acordo com os registros do tribunal. Enquanto isso, os credores de cerca de US$ 800 milhões em dívidas discutem sobre o futuro dos ativos, um dos quais é a marca que já foi icônica.

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Entre outras questões a serem discutidas está saber se a Tupperware deve mesmo tentar se reestruturar ou se um grupo de investidores agressivos que compram dívidas em dificuldades deve simplesmente executar a hipoteca da marca, seu estoque e outros ativos.

“Enfrentando necessidades de liquidez cada vez mais urgentes e estresse operacional contínuo, a empresa reiniciou os esforços de marketing pela terceira vez após o fim de semana de 4 de julho”, disse o diretor de reestruturação da companhia, Brian J. Fox, em documentos judiciais.

Receita da Tupperware caiu ao longo da última década (em bilhões de dólares)

Os problemas comerciais da Tupperware não são novos, mas ganharam nova vida no tribunal de falências, uma vez que credores já conhecidos, incluindo a Stonehill Institutional Partners e a Alden Global Capital, se envolveram.

A receita da empresa esteve em declínio durante a maior parte da última década, já que o modelo de representantes independentes que organizam “festas da Tupperware” para vender produtos, principalmente nos subúrbios, foi derrubado por opções online mais baratas e mudanças culturais.

Embora a Tupperware tenha alertado sobre uma ameaça à viabilidade do seu modelo de negócios no começo de 2023, a pandemia elevou brevemente as vendas enquanto as pessoas cozinhavam em casa e precisavam armazenar alimentos e sobras das refeições. Um frenesi de meme stocks também em 2023 causou um otimismo fugaz em relação ao futuro da Tupperware.

No entanto nada disso resolveu seu declínio, levando a Tupperware à recuperação judicial nesta semana. Os registros mostram como a empresa e seus apoiadores continuaram a tentar estender sua vida.

Por exemplo, quando a Tupperware suspendeu as restrições sobre a negociação de sua dívida, novos participantes entraram na briga em julho. Os investidores, incluindo Stonehill e Alden, compraram a maioria dos empréstimos sênior da empresa por apenas US$ 0,03, de acordo com os registros.

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Impasse com credores

Os novos credores ofereceram mais dinheiro à Tupperware, mas com algumas restrições. Os US$ 8 milhões que eles emprestaram só significaram na prática à empresa US$ 6 milhões em novos fundos devido aos termos que ajudaram os próprios investidores, de acordo com os registros do tribunal.

Esse empréstimo levou pelo menos um credor a processar a empresa em Nova York, alegando que foi excluído injustamente do lucrativo acordo de dívida orquestrado pela Stonehill e pela Alden.

Enquanto isso, a Tupperware tentou negociar a venda de alguns ativos – inclusive seu famoso nome – com a Stonehill, a Alden e os outros credores. O principal ponto de discórdia era sobre se a empresa deveria reestruturar sua dívida sob proteção judicial ou em uma simples ação de execução hipotecária, de acordo com cartas que a empresa e os credores trocaram nas últimas duas semanas.

Os credores pediram que a Tupperware evitasse a recuperação judicial e, em vez disso, aceitasse uma simples execução hipotecária, segundo documentos judiciais. Os credores alegaram que os executivos da Tupperware estavam pressionando por um caso do Chapter 11 para se protegerem de possíveis processos judiciais, uma proteção comum buscada em falências corporativas.

Representantes da Tupperware e dos credores não responderam a pedidos de comentários da Bloomberg News.

A Tupperware argumentou que uma execução hipotecária entregaria aos credores todos os melhores ativos da empresa e excluiria outros que teriam a receber. Esses credores de nível inferior não teriam a chance de lutar por um pagamento próprio, disse a Tupperware em uma carta aos credores.

Depois de uma troca final de cartas no último fim de semana, a Tupperware entrou com pedido de recuperação judicial e ignorou a ameaça de credores de lutar contra qualquer reorganização segundo o Chapter 11 e, em vez disso, pressionar pela liquidação da empresa.

E culpou sua crise mais recente pelas táticas agressivas promovidas pelos novos credores.

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Selo hermético

O fundador da Tupperware, Earl Tupper, apresentou seus produtos plásticos ao público em 1946 e, posteriormente, patenteou seu lacre hermético flexível. Posteriormente, os produtos da Tupperware inundaram os lares americanos, em grande parte por meio de festas de vendas independentes, que ajudaram a empresa a dominar o mercado por décadas.

Com o desaparecimento das festas e o acirramento da concorrência em plataformas digitais na última década, principalmente, os produtos icônicos da Tupperware enfrentaram uma demanda cada vez menor, pois a empresa não conseguiu acompanhar as mudanças no ritmo do varejo.

A pandemia impulsionou as vendas por um breve período, mas o aumento do número de pessoas que comiam em casa e compravam produtos Tupperware não durou muito.

Em 2022, a Tupperware ainda dependia em grande parte das vendas diretas de um exército de 465.000 vendedores amadores e 5.450 funcionários. Mas os consumidores compravam cada vez mais produtos semelhantes – e muitas vezes mais baratos – online.

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Eles entravam diretamente no site da Amazon ou do Walmart, e aqueles que queriam evitar comprar mais produtos de plástico podiam encontrar recipientes semelhantes feitos com embalagens mais ecológicas.

No ano seguinte, a Tupperware foi pega no frenesi das meme stocks. O preço exorbitante das ações mascarou muitos de seus problemas subjacentes e persistiu, apesar de a própria empresa ter alertado que tinha grandes dúvidas sobre sua continuidade operacional.

Os credores deram à empresa algum espaço para respirar, mas a receita continuou a cair. Em junho deste ano, a Tupperware planejava fechar sua única fábrica nos EUA e demitir quase 150 funcionários.

Depois de anos em busca de um comprador, a oferta mais alta cobriria menos de 20% dos US$ 800 milhões que a Tupperware deve aos credores sênior, de acordo com documentos judiciais.

"Esse processo tem o objetivo de nos proporcionar flexibilidade essencial à medida que buscamos alternativas estratégicas para apoiar nossa transformação em uma empresa que prioriza o digital e a tecnologia e que está melhor posicionada para atender nossos acionistas", disse a presidente e diretora executiva da Tupperware, Laurie Ann Goldman, em um comunicado na terça-feira.

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