Como a retomada de conta bancária pode aliviar a recuperação judicial do Dia Brasil

Rede espanhola consegue acesso aos recursos retidos pelo banco Daycoval e inicia processo de fechamento de lojas e venda de ativos

Rede Dia, loja em liquidação, em São Paulo
09 de Abril, 2024 | 09:00 AM

Bloomberg Línea — A rede supermercadista Dia Brasil, que completará três semanas da recuperação judicial na próxima sexta-feira (12), conseguiu retomar o acesso às contas mantidas no banco Daycoval, um dos seus credores financeiros, graças a uma ordem judicial de desbloqueio dos recursos retidos pela instituição financeira.

O desbloqueio é visto como um fator favorável à continuidade das operações do Dia, que está fechando 343 das 587 lojas no Brasil, limitando sua presença ao estado de São Paulo, onde chegou em 2001.

Em seu pedido de recuperação, a operação brasileira da rede espanhola informou ter tomado R$ 61,765 milhões em dois empréstimos e tinha R$ 23,965 milhões em CDBs (títulos de renda fixa) aplicados no banco.

Procurado pela reportagem, o Daycoval esclareceu, por meio de sua assessoria de imprensa, que o Dia Brasil retificou no processo o valor da dívida com o banco para o montante de R$ 16 milhões e que “informações acerca de garantias das operações e eventuais ações judiciais são protegidas por sigilo bancário”. O Dia Brasil não quis se manifestar sobre a decisão judicial.

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O juiz Adler Batista Oliveira Nobre, da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais, no Foro Central de São Paulo, determinou que o Daycoval se abstenha de se apropriar de valores detidos pela empresa em suas contas bancárias, sejam contas correntes ou de aplicações financeiras, sob pena de uma multa diária de R$ 50 mil em caso de desobediência, segundo a decisão publicada na quarta-feira (3).

“Esta medida evita a paralisação das atividades empresariais, possibilitando a geração de receitas e a manutenção do fluxo de caixa, aspectos cruciais para a sobrevivência da empresa no curto prazo e para o cumprimento das obrigações estabelecidas no plano de recuperação”, avaliou à Bloomberg Línea Leonardo Roesler, advogado empresarial e tributarista, sócio da RMS Advogados, sem ligação com o caso.

Sobre o impacto da crise de liquidez do Dia na prateleira do Daycoval, a Nord Investimentos, casa de análise, avaliou que a dívida de R$ 61,7 milhões do Dia não deve ser capaz de causar grandes problemas ao banco, considerando a grandeza da carteira de crédito de empresas do Daycoval, a qual ultrapassa R$ 40 bilhões, a provisão do segmento de empresas de R$ 638 milhões e o caixa e equivalentes de R$ 2,8 bilhões.

O comentário consta de uma relatório intitulado “CDB do Daycoval ficou arriscado com recuperação judicial da rede Dia?”.

“Apesar de ser uma notícia ruim em termos de crédito, não a vemos como um risco para suas aplicações em ativos de renda fixa do banco Daycoval”, conclui a Nord, lembrando que a lista de credores do Dia inclui ainda o Banco do Brasil (BBAS3), o Santander Brasil (SANB11) e o Banco Sofisa.

A lista de credores, divulgada no site da Expertisemais, administradora judicial, aponta os seguintes valores do endividamento financeiro do Dia Brasil: Daycoval com crédito de R$ 16.504.812,56; Santander Brasil com dois créditos (R$ 85 milhões e R$ 90.999.713,13); BB com R$ 27.333.333,34, e Sofisa com R$ 3.556.111,61.

Venda de bens em andamento para reforçar operação

O Dia Brasil também conseguiu a autorização para a venda de bens presentes nas lojas em processo de encerramento das lojas.

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“Ao converter ativos em capital de giro, a empresa pode financiar suas atividades operacionais e investir na melhoria de sua eficiência operacional e rentabilidade”, observou Roesler, da RMS Advogados.

Já a sugestão da administradora judicial (Expertisemais) de realizar mediação em relação aos créditos decorrentes de rescisões contratuais de locação foi interpretada como uma abordagem que pode facilitar a resolução de conflitos e agilizar o processo de recuperação, segundo o especialista.

“A mediação pode proporcionar um ambiente mais favorável à negociação e ao entendimento entre as partes, reduzindo o número de litígios e permitindo um foco maior na reestruturação da empresa”, apontou o advogado.

Desde o início da onda de recuperação judicial no varejo brasileiro, ganhou visibilidade a estratégia de credores de tentarem bloquear recursos, o que alonga o período de negociação entre as partes sobre a reestruturação da dívida.

Isso acaba levando o plano de reestruturação a exigir compromisso dos credores com a desistência de litígios na esfera judicial como um dos requisitos para reduzir danos no recebimento do crédito.

Esse foi o caso, por exemplo, da Americanas (AMER3), que entrou em recuperação judicial no começo de 2023 com recursos bloqueados pelo Safra (R$ 98 milhões), BV (R$ 366 milhões) e BTG Pactual (R$ 1,2 bilhão).

Impacto no varejo

A crise de liquidez do Dia representa mais um capítulo nos abalos do varejo de proximidade no Brasil. Em janeiro de 2023, o segmento foi sacudido pela recuperação judicial da Americanas (AMER3). Uma das reações da empresa foi desfazer uma sociedade com a Vibra Energia (VBBR3) em 1.300 lojas da bandeira Vem Conveniência.

A exemplo do que ocorre no varejo de moda com a chegada dos marketplaces asiáticos como Shein, Shopee e AliExpress, o setor supermercadista também enfrenta ofensiva entre players estrangeiros, como o mexicano Oxxo e o francês Carrefour, e um dos precursores do formato de lojas de proximidade, o Grupo Pão de Açúcar (PCAR3), que deixou de ser controlado pelo grupo francês Casino (de 40,9% para 22,5% de participação), após um aumento de capital de R$ 704 milhões no mês passado causar diluição na base acionária.

“Há uma mudança estrutural em curso no varejo de conveniência no Brasil e no mundo, reflexo da inflação de alimentos nos últimos dois anos e da mudança do consumidor, que busca alternativas de novos canais, bandeiras e formatos, dos mercadinhos de condomínio às plataformas de compra digital de alimentos”, contextualizou Eduardo Yamashita, diretor de operações da Gouvêa Ecosystem, consultoria especializada em consumo e varejo.

Ele descreve o modelo de negócios do Dia como focado em produtos com marcas próprias, ofertas de valor com melhor relação custo-benefício para o consumidor de baixa renda e lojas de menor dimensão, próximas de áreas residenciais. Cerca de 25% das vendas do Dia Brasil são de produtos de marcas próprias, de alimentos até produtos de higiene pessoal, segundo a petição.

Para Yamashita, os clientes das lojas que serão fechadas devem migrar para players que adotam outro modelo de negócios, como atacarejos, Oxxo e pequenos mercados locais, restritos a um determinado bairro, que podem se beneficiar da saída do Dia de determinados mercados. O Grupo Pão de Açúcar (PCAR3) e o Carrefour Brasil (CRFB3) também têm presença no varejo de proximidade.

Em 2013, a Rede Dia começou abrir unidades fora de São Paulo, primeiro por Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, onde chegou a ter 41 lojas em julho de 2023. Depois, inaugurou lojas no Rio Grande do Sul, Bahia, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Em 2021, incrementou lojas com padaria e setor de perecíveis (frutas, verduras, legumes), com algumas unidades atraindo público com Caixas 24 horas, da TecBan, e lavanderia de autoatendimento.

“Parte dos consumidores não entendeu muito o formato do Dia. No Oxxo e atacarejos, a jornada de consumo é diferente: as lojas são maiores, há amplitude do sortimentos e outros serviços. Esses são os candidatos naturais para absorver e capturar os clientes que eram atendidos pelo Dia”, diz o diretor de operações da Gouvêa.

Análise sobre Oxxo

Já Marcelo Antoniazzi, CEO da Gouvêa Consulting, empresa da Gouvêa Ecosystem, avaliou que a operação do Oxxo no Brasil ainda é recente e deverá enfrentar desafios no seu plano de expansão no segmento, bastante pulverizado por pequenos varejistas, lojas de conveniência de postos de combustíveis e redes regionais.

“O Oxxo está entrando com agressividade muito grande para ser majoritário, vai ter de provar no longo prazo se esse modelo de negócios é rentável e fica em pé ou não. Para racionalizar seus custos, o Dia manteve apenas as lojas em São Paulo, onde o Oxxo está avançado muito”, observou Antoniazzi.

A marca Oxxo iniciou sua operação em 2020 com lojas em Campinas, interior paulista, após a criação de uma joint venture (Grupo Nós) entre a Raízen, licenciada da marca Shell Combustíveis, e a Femsa Comércio, multinacional do segmento de lojas de conveniência na América Latina e engarrafadora da Coca-Cola.

Atualmente, o estado de São Paulo abriga 500 lojas do Oxxo, com presença em 15 dos 645 municípios e plano de expansão para outras regiões do país.

“Não foi o impacto do Oxxo que levou ao pedido de RJ pelo Dia, que vinha com prejuízo grande e problemas de rentabilidade antes de o Oxxo acelerar sua expansão, que ainda tem pouco tempo para ter ainda um impacto veemente no mercado”, disse Antoniazzi.

O Dia sustentou que a decisão de pedir RJ não impactou sua situação financeira na Espanha e na Argentina. Sobre o fechamento das unidades, a empresa explicou que busca “tentar dar maior estabilidade ao seu funcionamento” e que as lojas fecham conforme acabarem os estoques.

“Desde sua chegada ao Brasil em 2001, o grupo Dia realizou grandes investimentos e esforços no país, sem que tenha obtido o retorno esperado, situação que desencadeou, por fim, na decisão do processo de RJ como potencial para gerar mais estabilidade do Dia Brasil”, justificou a companhia, em nota divulgada no dia 21, quando deu entrada no pedido de RJ, aprovado pela justiça no dia seguinte (22).

Na Espanha, o grupo Dia avaliou que a operação no Brasil “continua a ser fortemente afetada pelo contexto do mercado, afetado pela deflação alimentar que desencadeou uma concorrência acrescida e pela agressividade promocional do setor varejista”, ao comentar o resultado financeiro de 2023, que apontou crescimento de 3,1% nas vendas brutas (€ 7,,6 bilhões) na Espanha, Argentina, Portugal e Brasil, com destaque para a liderança em Buenos Aires e o desempenho do seu e-commerce.

(Atualiza às 17h15, do dia 9/4, com nota do Daycoval e às 19h30, do dia 10/4, com valores da lista de credores)

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.