Como a reformulação radical de Andy Sieg deu ânimo à divisão de wealth do Citi

Um ano após sua chegada, head da área demitiu gerentes, fez contratações externas, pressionou clientes a trazer mais de suas carteiras e renovou o impulso para atualizar a tecnologia do banco

Por

Bloomberg — O Citigroup se preparava para declarar seu negócio de wealth como peça-chave da estratégia de crescimento do banco, mas, nos bastidores, a tecnologia continuava a causar problemas.

Os clientes ultrarricos reclamavam de plataformas desatualizadas que não se comparavam às da concorrência, e os banqueiros de relacionamento concordavam em conversas privadas.

Repetidamente, dois executivos de tecnologia baseados em Dallas tentavam amenizar essas preocupações, viajando para Nova York para fazer apresentações sobre o quanto eles iriam conseguir com dois anos e mais de US$ 1 bilhão.

Leia mais: De saneamento a saúde, Citi mira financiar mais projetos sociais no país e em LatAm

Mas, para a irritação dos gerentes mais experientes, pouco foi entregue.

Em meio a essa disfunção, a CEO Jane Fraser recorreu à rara medida de recrutar um executivo de alto nível de fora do banco, designando-o para liderar uma divisão de patrimônio recém-independente e para se reportar diretamente a ela.

Um ano após sua chegada, Andy Sieg - um nativo da Pensilvânia que dirigiu a agência de wealth brokerage Merrill Lynch, do Bank of America - demitiu gerentes, preencheu cargos seniores com contratações externas, pressionou os clientes a trazerem mais de suas carteiras e renovou o impulso para atualizar a tecnologia.

Neste ano, sua equipe também autorizou o pagamento de bônus especiais de retenção para dezenas de funcionários, para tentar conter as saídas durante o turnaround. Os resultados recentes, disse ele em uma entrevista, mostram que a estratégia começa a surtir efeito.

Leia mais: Citi mira dobrar negócios de wealth em LatAm no médio prazo, diz head para região

‘Chegada da cavalaria’

“Essa é uma estratégia de crescimento - não se engane”, disse Sieg, 57 anos, em uma entrevista à Bloomberg News. Antes de sua nomeação, “não havia uma estratégia unificada de patrimônio, não havia necessariamente uma filosofia operacional sobre o que estávamos tentando fazer”.

Um executivo sênior de outra parte do Citigroup comparou Sieg à chegada da cavalaria em uma batalha, sugerindo que ele tem uma visão mais sofisticada do que seus antecessores. Foi uma mudança incomum: um salto de um dos maiores departamentos de wealth do país para uma empresa retardatária do setor.

Leia também: XP contrata ex-executivo do banco suíço EFG para liderar wealth internacional

O negócio de patrimônio do Citigroup tem ficado atrás de seus principais rivais do setor bancário desde as consequências da crise financeira de 2008, quando o banco concordou em vender sua corretora de varejo Smith Barney para o Morgan Stanley, hoje o líder entre os grandes bancos dos EUA.

Sieg encontrou-se com Fraser pela primeira vez em um café da manhã na sede do Citi menos de um mês antes de entregar seu aviso prévio ao Bank of America no início de 2023. Desde sua chegada, ele fez um balanço e afirmou publicamente que sua nova franquia tem o potencial de se tornar a melhor do mundo.

"Eu assumi essa função com os olhos bem abertos sobre a situação do negócio e com a máxima confiança em nossa capacidade de torná-lo bem-sucedido", disse ele. "Estou ainda mais otimista hoje do que no dia em que comecei."

Leia também: Etti Partners avança em parcerias regionais para crescer no segmento de wealth

Legado em jogo

Sua missão é fundamental para o legado da própria Fraser.

Ela comanda o único grande banco de Wall Street cujas ações são negociadas abaixo do patamar em que estavam há cinco anos.

Para aumentar a receita, Fraser quer que o Citigroup alavanque seus relacionamentos com empresas de todo o mundo, lidando com mais fluxos de caixa e negócios, ao mesmo tempo em que ajuda seus fundadores e executivos a cuidar de sua crescente riqueza.

Fraser estabeleceu uma meta ambiciosa para a área de wealth - uma divisão composta de três partes que inclui o private banking que ela já dirigiu. O objetivo é produzir um retorno sobre o patrimônio comum tangível - uma métrica de lucratividade - de 15% a 20% até o final de 2026. Isso seria um grande aumento, acima dos 8,5% registrados no terceiro trimestre.

Leia também: A Warren chegou a R$ 22 bi em ativos inspirada em wealth. Agora mira o trader

Em sua apresentação de resultados do terceiro trimestre com analistas em outubro, Fraser elogiou o aumento dos ativos de clientes no banco e disse que estava animada com “o grande potencial de nossa franquia”.

‘Campo de batalha’

Esse é um momento de competição acirrada por talentos e clientes no setor de wealth. Praticamente todos os principais rivais do Citigroup nos EUA estão investindo pesadamente.

Em setembro, o CEO do Goldman Sachs, David Solomon, disse que a principal restrição ao setor de patrimônio era a falta de recursos. Solomon disse que a principal limitação de seu negócio de fortunas era conseguir contratar assessores financeiros em número suficiente.

Leia também: Citigroup endurece regras e passa a monitorar e punir quem não for ao escritório

“O setor de wealth é um campo de batalha”, disse o analista bancário da Wells Fargo Mike Mayo, que acrescentou que os retornos do Citigroup eram “abomináveis” em comparação com os rivais nos últimos anos. “Está ficando cada vez mais difícil para o Citi, em um momento em que eles já ficaram aquém do esperado.”

Sieg realizou mais de 350 reuniões com clientes desde que entrou para o banco em outubro passado, com viagens a Hong Kong, Riad, Paris, Florença, São Paulo e outros lugares.

Ele também criou um conselho consultivo de 26 membros, composto por executivos de todo o mundo, para que possam agir mais rapidamente no aprimoramento da estratégia e na solução dos problemas.

O Citigroup tem uma vantagem sobre seus rivais norte-americanos no que se refere a atingir empresários e bilionários na Ásia, onde tem maior alcance. Cerca de metade da receita da divisão já provém de fora dos EUA, principalmente da Ásia e da Austrália.

Leia também: Para CEO do Citigroup, ‘novo S’ em ESG é de segurança

Estratégia de relacionamento

Uma das principais iniciativas de Sieg é persuadir os clientes do banco privado a transferir mais de seus ativos de investimento para a empresa.

Isso inclui uma linha mais dura com aqueles que são ricos o suficiente para se qualificarem para os níveis mais altos de serviço, mas que mantêm grande parte de suas carteiras em outro lugar, de acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto. Eles podem acabar tendo suas vantagens rebaixadas, uma vez que são potencialmente transferidos para outro segmento do negócio.

Ao mesmo tempo, o banco reduziu o tempo de abertura de contas de semanas para dias. Quando alguns colegas mencionaram que estavam com problemas com a DocuSign, Sieg conversou com o CEO da empresa. O software logo foi atualizado.

"Tivemos o trimestre mais forte dos últimos anos em termos de fluxos de investimento", disse Sieg.

Suas mudanças abruptas de pessoal irritaram alguns executivos, fazendo com que alguns banqueiros desertassem. Em resposta, o Citigroup ofereceu bônus de retenção aos funcionários, especialmente na unidade Wealth at Work e a alguns no private banking, recompensando-os por permanecerem no próximo ano, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto.

Leia mais: Citigroup planeja cortes de empregos e adota nova estrutura para o alto escalão

Êxodo

Essa medida foi tomada após o êxodo de cerca de 20 pessoas da Wealth at Work, que atende clientes de serviços profissionais, como escritórios de advocacia.

Seu líder, Joe Ryan, foi nomeado chefe interino da franquia após a demissão inesperada de sua chefe, Naz Vahid. Mas Ryan foi para o BMO Financial Group depois de não ter sido entrevistado para substituí-la permanentemente, disse uma pessoa informada sobre o assunto.

O private banking, que atende os clientes mais ricos, perdeu cerca de 10% de seus banqueiros mais experientes na América do Norte no último ano, reduzindo sua equipe para cerca de 120.

As saídas incluíram o principal profissional de captação de recursos, Luke Palacio, que atendia aos bilionários da Flórida. Ele se juntou ao Bank of America, que anunciou mais duas contratações do Citigroup no final da semana passada.

Leia mais: Citi contrata Antonio Gonzales, ex-JPMorgan, como head de private bank em LatAam

Mesmo alguns dos recém-chegados não duraram muito tempo.

Apenas quatro meses depois que Sieg nomeou Don Plaus, seu ex-vice no Merrill Lynch, para substituir Halé Behzadi como chefe do setor de private banking na América do Norte, Plaus deixou o cargo pelo que a empresa chamou de razões pessoais.

Em um nível mais baixo, o banco tem contratado mais corretores para seu segmento de patrimônio básico, o Citigold, com melhores acordos salariais e aperfeiçoamento da plataforma de investimento online.

“Ela não tem os recursos que uma Schwab pode ter, mas isso está no plano”, disse o diretor David Poole. Os ativos investidos por meio dessa plataforma aumentaram 70% neste ano, disse ele.

A diretora da unidade Wealth at Work, Kris Bitterly, procura expandir-se nos Emirados Árabes Unidos, em Cingapura e em Hong Kong, e facilitar processos complicados.

“No passado, havia um preconceito de que todos queriam um serviço pessoal e de luvas brancas”, disse ela. “Mas os clientes querem poder escolher.”

Tentativas de atualização

A tecnologia e os dados continuam sendo uma dor de cabeça.

Os sistemas do Citigroup estão desatualizados há anos. Porém, com o aumento dos investimentos dos clientes durante a pandemia, dois executivos de Dallas - Japan Mehta e Shadman Zafar - prometeram aos gerentes que um novo conjunto de ferramentas estava sendo desenvolvido.

Ambos já haviam trabalhados juntos na Verizon, no Barclays e no JPMorgan Chase antes de chegarem ao Citi.

Os banqueiros e seus gerentes receberam bem as apresentações da dupla em Nova York, aguardando ansiosamente um substituto para o portal de desktop In View e um aplicativo para agilizar os processos.

O desespero foi tão grande que uma equipe chegou a realizar sua reunião externa em Dallas para garantir que os profissionais de tecnologia não se esquecessem deles.

Leia também: Como o Brasil se tornou um destino atraente ao investidor nórdico, segundo o Citi

Com o passar do tempo, os executivos do setor de patrimônio se ressentiram de como os custos citados para eles aumentavam sem que houvesse muito o que mostrar, o que gerou piadas sobre o “tamanho de camisetas”, a abordagem do Vale do Silício para a elaboração de orçamentos, de acordo com um ex-banqueiro.

Enquanto isso, as equipes de risco e conformidade detectaram deficiências na precificação, nos cálculos de desempenho do portfólio e nos dados fiscais, escreveu um grupo de ex-diretores executivos no mês passado em uma carta não assinada ao conselho, descrevendo uma série de problemas na empresa.

A Bloomberg News não conseguiu verificar as identidades de todos os autores da carta, que o Citigroup contestou por considerá-la imprecisa, com “uma série de declarações equivocadas”.

No final, os projetos prometidos não se concretizaram. As pressões dos acionistas para manter o controle dos custos de toda a empresa e dos órgãos reguladores, que exigiam correções rápidas nos sistemas internos, não ajudaram.

Sem distrações

Desde então, Mehta foi transferido para outra área do banco, e Zafar agora é codiretor de informações de toda a empresa.

A divisão de patrimônio designou Joe Bonanno e contratou Eric Lordi, do JPMorgan, para supervisionar as plataformas de dados e tecnologia. A empresa disse que já começou a simplificar essas operações para criar melhores plataformas de aplicativos móveis e de desktop.

Ainda assim, as exigências dos órgãos reguladores para que o banco conserte controles mais amplos de dados e riscos estão atrasando as iniciativas de crescimento.

Para a divisão de patrimônio, isso significa que mais de US$ 100 milhões de seu orçamento discricionário para o próximo ano estão sendo desviados para corrigir esses problemas, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto.

Leia mais: Como o erro de um trader fez o Citigroup perder US$ 48 milhões em 15 minutos

“Sinto-me confortável com o fato de que temos um amplo orçamento de tecnologia para executar nossa estratégia”, disse Sieg. O mantra, acrescentou, é “sem hobbies” - sem distrações do negócio principal da empresa.

Até agora, os cortes incluíram o cancelamento de uma implementação planejada de cartões de débito no Reino Unido e a venda do negócio de trust do banco.

Novo ânimo

Muitos dos que permaneceram no banco têm esperança de que o esforço de Sieg para se concentrar nos clientes trará resultados. Pessoas de dentro do banco dizem que ele incentiva os clientes a comunicarem suas necessidades e estimula a equipe a conversar entre si e com outras divisões.

“Os últimos anos não têm sido muito divertidos para o pessoal da divisão de patrimônio”, disse Dawn Nordberg, ex-executiva do Morgan Stanley contratada por Sieg para construir um “tecido conectivo” com outras partes da empresa, como, por exemplo, oferecer consultoria a clientes de bancos de investimento com fortunas recém-adquiridas.

Depois de registrar ganhos no terceiro trimestre, seus colegas pareciam mais otimistas, disse ela. “Estamos vendo um pouco de ânimo.”

Ainda é difícil avaliar o quanto dessa melhoria pode ser atribuída a Sieg. Grande parte do setor relatou saldos de clientes mais altos. Os observadores, inclusive Mayo, estão atentos para ver se o Citigroup consegue reduzir a diferença.

“Andy Sieg não tem onde se esconder”, disse Mayo. “Ou ele será mais um gestor de patrimônio a fracassar no Citigroup, ou será o equivalente a um mágico.”

-- Com a colaboração de Katherine Doherty.

Leia também

PicPay contrata Citi para buscar IPO no mercado americano, segundo fontes

Veja mais em Bloomberg.com