Como a escalada do ouro deve estimular a consolidação do setor em LatAm

Aumento dos preços do metal para níveis recordes deve impactar as grandes mineradoras, que buscam novos projetos para sustentar o crescimento no longo prazo

Operação de mina de ouro no interior do Peru, uma das regiões produtoras na América Latina (Foto: Dado Galdieri/Bloomberg)
12 de Dezembro, 2024 | 05:08 AM

Bloomberg Línea — O mercado considera que a indústria do ouro só passou por ciclos de alta – o chamado bull market – em duas ocasiões: em meados da década de 1970 e nos anos 2000. A recente escalada dos preços da commodity tem se mostrado um novo momento histórico amplamente positivo para o setor de mineração, que deve ganhar tração e passar por um movimento de consolidação com fusões e aquisições (M&A).

A escalada consistente ocorre em um ambiente de aumento da inflação global, que atraiu a demanda principalmente de bancos centrais em busca de proteção e melhora dos balanços.

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Nesse contexto, o metal saiu de uma cotação média de US$ 1.800 por onça troy (31,1 gramas) no início de 2023 para cerca de US$ 2.660 atualmente, em níveis recordes.

E a tendência é que os preços mantenham uma trajetória ascendente no médio e no longo prazo, disseram especialistas à Bloomberg Línea.

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“Já estamos em um bull market do ouro. Os bancos centrais estão fazendo aquisições do metal de uma forma que não víamos havia muito tempo e a tendência não deve mudar diante do endividamento global”, disse Otavio Costa, sócio e portfolio manager da Crescat Capital, com sede em Denver, nos Estados Unidos.

Ele disse acreditar que o ciclo inflacionário global deve perdurar até o fim da década, embora com altos e baixos. “Isso deve levar a um fluxo de capital para o ouro”, acrescentou.

Para Mateus Figueiredo, sócio da KPMG especializado na indústria de mineração, há uma corrida por reservas que vem desde 2022. “A aquisição de ouro não é só por parte dos bancos centrais. Há também uma demanda por ETFs [fundos de investimento passivo] de ouro”, disse.

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De acordo com dados da World Gold Council, o segmento de negócios que mais demanda ouro no mundo é o de joias, seguida de bancos centrais, investimentos e tecnologia.

Figueiredo disse que mesmo os projetos de mineração de ouro que têm custo operacional mais elevado já estão em condições de sair do papel em razão da escalada dos preços. “A demanda de projetos de ouro vem crescendo.”

Diante do aumento dos preços do metal, as ações das mineradoras do segmento também apresentam trajetória ascendente. Os papéis da Anglogold Ashanti (AU), por exemplo, saíram de US$ 16, no início do ano, para US$ 24 atualmente. Já as ações da Aura Minerals (ORA; AURA33) mais do que dobraram no mesmo período, para cerca de R$ 23.

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Expectativa por M&As

Para Costa, da Crescat Capital, as ações de mineradoras ainda estão descontadas. “Vai ser interessante observar a resiliência de algumas ações do setor. As mineradoras estão demonstrando força, o que deve se refletir no aumento de fusões e aquisições nos próximos meses”, afirmou.

A valorização dos papéis cria uma espécie de “moeda de troca” para as empresas do setor.

“As grandes mineradoras utilizam suas ações para fazer acordos com as menores e isso já começa a acontecer, principalmente porque o capex [investimento do setor] permanece muito baixo em relação aos níveis históricos”, afirmou.

“Veremos um bull market diferente, com mais aquisições do que no passado”, acrescentou.

De acordo com o sócio da KPMG, o setor de mineração como um todo está aquecido. “No segmento do ouro ainda existe algum movimento de consolidação a ser feito, principalmente em relação às empresas menores que estão na fase de exploração”, afirmou.

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Segundo a World Gold Council, volumes significativos de produção de ouro vêm da África, da América Latina e Caribe, da Oceania, da América do Norte e da Rússia; e parcelas menores, do Oriente Médio, da Europa e da Ásia. A China é considerado o maior produtor global do metal.

Segundo a entidade, a indústria minerária de ouro segue aquecida.

No terceiro trimestre deste ano, a produção global subiu 6% na comparação com igual intervalo de 2023. Parte do crescimento foi puxado pelo México (+24%), principalmente devido à retomada das operações na mina Peñasquito, da Newmont Corporation.

A oferta de ouro aumentou globalmente no terceiro trimestre de 2024: a América do Norte registrou o maior avanço (+16%), seguida por Oceania e América Central e do Sul, cada uma das regiões com ganho de 7% na base anual.

O Peru encerrou 2023 na liderança do ranking de produção de ouro (minério), segundo a World Gold Council, com 128,8 toneladas, seguido do México (126,6) e do Brasil (86,3).

O sócio da KPMG disse que há importantes produtores na América Latina e que o Brasil deve se beneficiar do momento aquecido. “Nosso ambiente regulatório é considerado favorável do ponto de vista ambiental e temos um histórico na mineração, o que pode favorecer projetos.”

Ele reforçou a visão sobre a tese principalmente em um cenário de produção sustentável de ouro. “Isso, somado à busca por operações próximas aos Estados Unidos e à Europa, pode elevar o interesse do investidor pela América Latina e, especificamente, pelo Brasil”, destacou.

Costa, da Crescat, contou que a gestora está em busca de projetos de metais preciosos na América Latina. “Meu foco é a região. Adquirimos uma mineradora na Bolívia recentemente e, desde então, seguimos firmes com esses investimentos. Vamos fazer outra aquisição no Peru e estou à procura de outros ativos no Brasil”, afirmou.

Em sua visão, a região ainda conta com boas oportunidades. “O dinheiro tem que voltar para a América Latina de alguma forma, principalmente no mercado de recursos naturais.”

Riscos sobre a oferta

Figueiredo, da KPMG, afirmou que existe uma preocupação por parte de investidores - especialmente no negócio de ouro - sobre a reposição de capacidade no mercado global.

“Como se trata de um recurso escasso, o investimento em exploração e desenvolvimento de projetos é essencial. Há uma preocupação em viabilizar novas reservas.”

No fim de novembro, o Escritório Geológico da Província de Hunan, na China, anunciou a descoberta de um depósito de 300 toneladas estimadas de ouro, a uma profundidade de 2.000 metros. Segundo o órgão, estudos de viabilidade ainda serão necessários para identificar as reservas reais.

Segundo Figueiredo, atualmente os depósitos de ouro têm teores mais baixos e estão localizados a profundidades muito grandes.

“Se o patamar de preços atual persistir, os projetos acabam valendo a pena, mas o payback é uma dúvida, especialmente com a exigência de aumento de investimentos nas áreas social e ambiental pelas mineradoras.”

O especialista da KPMG disse acreditar que não haverá falta de oferta no mundo, mas ressaltou que o ouro da época colonial, encontrado praticamente a céu aberto, não existe mais.

“Há uma competição pelos melhores projetos. A depender da regulação ambiental, pode haver lentidão dos processos [de aprovação], o que afasta investimentos”, afirmou.

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Juliana Estigarríbia

Jornalista brasileira, cobre negócios há mais de 12 anos, com experiência em tempo real, site, revista e jornal impresso. Tem passagens pelo Broadcast, da Agência Estado/Estadão, revista Exame e jornal DCI. Anteriormente, atuou em produção e reportagem de política por 7 anos para veículos de rádio e TV.