Como a eleição de Trump deve impactar a indústria do petróleo na América Latina

Do Brasil à Argentina, a região tem desafios de buscar novas reservas e escoar a produção, em um cenário que deve ser agravado com incentivos prometidos pelo próximo presidente dos EUA à indústria local

Vaca Muerta
14 de Novembro, 2024 | 06:03 AM

Bloomberg Línea — “Drill, baby, drill” – ou “perfure, baby, perfure”. Um dos slogans de campanha de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos neste ano deixou claro que o republicano deve voltar a promover a produção doméstica de petróleo. A expectativa é que a indústria de shale gas ganhe tração, segundo consultorias globais.

Diante de um cenário global de incertezas econômicas - o que impacta diretamente os preços do barril e a decisão de investimentos dos projetos -, os países produtores da América Latina devem enfrentar desafios que vão desde a busca por novas reservas até o escoamento da produção.

Múltiplos fatores devem permear a evolução do mercado global de óleo e gás nos próximos quatro anos. Por um lado, a perspectiva de uma economia norte-americana mais fechada e protecionista durante a segunda administração de Trump na Casa Branca pode levar a uma queda na demanda global de petróleo, afirmou em relatório o analista-chefe da consultoria Wood Mackenzie, Simon Flowers.

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“Proteções tarifárias podem desacelerar o crescimento econômico dos Estados Unidos e do mundo, reduzindo a demanda por petróleo em até 500 mil barris por dia (bpd) em 2025″, disse no documento.

Isso tem potencial de reduzir os preços do petróleo em US$ 5 a US$ 7 por barril em relação aos patamares atuais, de aproximadamente US$ 75, destacou a consultoria - e desde que não haja outros riscos, como uma escalada do conflito entre Israel e Irã.

O aumento das tensões no Oriente Médio poderia sustentar os preços do barril perto dos níveis atuais por mais tempo. Segundo a Wood Mackenzie, uma resposta mais agressiva do Irã - algo que não aconteceu até aqui - poderia levar Israel a atacar as instalações nucleares e de infraestrutura de petróleo do país persa.

Na visão do vice-presidente sênior e head para América Latina da consultoria Rystad Energy, Schreiner Parker, a indústria de shale gas nos Estados Unidos depende diretamente do patamar de preços do barril.

“Boa parte da produção norte-americana ainda é lucrativa com preços em torno de US$ 45 a US$ 50. Se as cotações caírem 20%, ainda assim a indústria de óleo e gás teria muita resiliência”, avalia.

Embora o especialista não vislumbre incentivos diretos à indústria do shale durante o novo governo Trump, ele disse acreditar que haverá uma flexibilização da emissão de licenças de perfuração de poços em terras federais. No governo Biden, esse tipo de licenciamento ficou praticamente paralisado, contou.

“No médio e no longo prazo, devemos ver menos regulação nesse sentido. Provavelmente teremos um aumento das perfurações e, consequentemente, da produção”, disse.

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O relatório da Wood Mackenzie pondera, entretanto, que é improvável que haja um crescimento da produção do shale gas no curto prazo, apesar da perspectiva de ajustes das políticas para agilizar a autorização de perfuração de poços, estimulando a produção em terras federais.

Um papel fundamental para o mercado será a estratégia de membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e aliados e sua decisão de manter ou não a política vigente de cortes de oferta, especialmente a Arábia Saudita, responsável pelos maiores níveis de redução.

“Não sabemos por quanto tempo os sauditas estarão dispostos a absorver esses impactos”, disse Parker.

Gás natural e Vaca Muerta

Analistas também preveem um impulso para o segmento de gás natural liquefeito (GNL) nos Estados Unidos sob o novo governo dos republicanos. Parker lembrou que a administração de Joe Biden pausou a emissão de licenças para a construção de novas usinas de liquefação de gás.

Com o retorno dessas licenças, a indústria norte-americana deve elevar a exportação do insumo por navios cargueiros, em um contexto de guerra na Ucrânia - o que elevou a demanda pela commodity na Europa, onde os países tiveram historicamente forte dependência do gás russo.

“Os Estados Unidos vão se tornar dominantes no fornecimento global de GNL sob o governo Trump, com um provável aumento de capacidade nos próximos quatro anos”, disse Parker.

A Wood Mackenzie alertou, porém, que eventuais proteções tarifárias pela nova administração Trump representam um risco, já que poderiam tornar as exportações de GNL dos Estados Unidos um alvo para retaliação.

Por outro lado, a consultoria salientou que, de todos os setores de energia e recursos naturais, a indústria de GNL norte-americana “sem dúvida se beneficiará mais com o resultado da eleição”.

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O relatório lembrou que Trump prometeu que, em seu primeiro dia do segundo mandato (20 de janeiro de 2025), encerraria a pausa de emissões de novas licenças de exportação de GNL para países que não têm acordo de livre comércio com os Estados Unidos, o que ocorreu no governo Biden.

Isso teria repercussões nos mercados globais e pode atrapalhar a ambição da Argentina de se tornar um grande player global de GNL com seu megacampo de gás de Vaca Muerta, afirmou Parker.

“As margens do GNL devem ficar muito mais apertadas, o que impacta as decisões de investimentos. Fica difícil pensar que a Argentina terá competitividade em relação aos Estados Unidos, porque os volumes se tornam um problema para viabilizar investimentos”, avaliou.

Se os produtores argentinos não tiverem escala suficiente para fechar contratos de frete de longo prazo para o GNL, a alternativa será buscar cargueiros no mercado spot (à vista), o que, segundo Parker, deixaria as margens do negócio em Vaca Muerta em uma espécie de “área cinzenta”.

“Não conseguimos enxergar como monetizar o gás em Vaca Muerta [nesse cenário]”, acrescentou o especialista.

Outra alternativa seria transportar o gás diretamente pelo Brasil por meio de gasodutos, mas para tanto seria necessária a construção de toda a infraestrutura, o que demandaria um investimento bilionário.

A Rystad também acredita que o novo governo de Trump deve colocar “pressão máxima” sobre a Venezuela, considerando como o republicano se comportou durante seu primeiro mandato.

“Vimos como a eleição foi frágil na Venezuela e como o país se tornou uma ditadura. Trump vai querer corrigir essa situação. A Chevron, por exemplo, deve perder a licença para operar por lá”, disse Parker.

Com isso, a produção média de 200 mil barris por dia da petroleira norte-americana na Venezuela deve ser encerrada rapidamente, impactando a já fragilizada economia do país latino.

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Cenário para o Brasil

Embora a indústria de óleo e gás do Brasil não deva sofrer efeitos diretos da eleição americana, ainda há incertezas sobre a trajetória de preços do barril no médio e no longo prazo, o que é crucial para as decisões de investimentos.

Executivos da Petrobras (PETR3, PETR4) – responsável por 90% da produção brasileira de petróleo – vêm reforçando o discurso de que a companhia apostará na busca de novas reservas tanto no Brasil quanto fora do país.

Na semana passada, a diretora executiva de exploração e produção, Sylvia dos Anjos, disse, que além da reposição de reservas nas Bacias de Santos e Campos, a estatal já avalia ativos na África.

“Nossa meta é buscar oportunidades que sejam economicamente viáveis e lucrativas para a Petrobras”, disse dos Anjos a investidores na sexta-feira (08), citando as recentes aquisições da companhia em São Tomé e Príncipe e na África do Sul, bem como a avaliação de campos na Namíbia.

Para Parker, da Rystad, um grande risco para a Petrobras seria de fato se limitar à exploração dentro das fronteiras brasileiras. “A companhia ainda não recebeu as licenças necessárias para explorar a Foz do Amazonas e não há garantias de que haverá outro pré-sal para a empresa explorar.”

“Sabemos que o pico de produção da Petrobras deve ocorrer em meados de 2030. Para repor reservas, a companhia terá que buscar ativos internacionalmente para continuar produzindo daqui a dez anos.”

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Juliana Estigarríbia

Jornalista brasileira, cobre negócios há mais de 12 anos, com experiência em tempo real, site, revista e jornal impresso. Tem passagens pelo Broadcast, da Agência Estado/Estadão, revista Exame e jornal DCI. Anteriormente, atuou em produção e reportagem de política por 7 anos para veículos de rádio e TV.