Como a cerveja sem álcool se tornou a aposta do mercado até na Olimpíada

Segmento é o que mais cresce e ganha relevância para grandes grupos como AB InBev, Heineken e Carlsberg, a ponto que uma delas, a Corona Cero, será marca oficial nos Jogos de Paris

A Olimpíada de Paris, que começa em 26 de julho, marca a volta do público às competições depois de oito anos (Foto: Bloomberg)
Por Sarah Jacob - Sabah Meddings - Andy Hoffmann
14 de Junho, 2024 | 06:37 AM

Bloomberg — Garrafas de cerveja estampadas com os cinco anéis olímpicos já estão saindo da linha de produção da fábrica da AB InBev (BUD) na Bélgica em preparação para os Jogos de Paris, que começam em 26 de julho.

Faz 100 anos desde que a capital francesa sediou uma Olimpíada pela última vez, e a cidade quer deixar sua marca depois que a covid-19 fez com que os Jogos de Tóquio fossem realizados em estádios praticamente vazios devido às restrições impostas para o público.

E agora, pela primeira vez, haverá um patrocinador de cerveja para um evento que exibe o auge das conquistas esportivas humanas. Mas, neste caso, a bebida - a Corona Cero - não contém álcool.

A maior cervejaria do mundo escolheu anunciar para bilhões de fãs de esportes um produto sem álcool lançado na Europa há apenas dois anos. A AB InBev espera usar os Jogos de Paris - que devem ser um dos maiores eventos de marketing que as Olimpíadas já viram - para melhorar sua posição no único segmento da indústria global de cerveja que realmente está em crescimento.

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De olho em um mercado de US$ 13 bilhões “e crescendo”, marcas como Heineken, Guinness e agora Corona Cero miram um grupo de consumidores conscientes com a saúde, muitos deles jovens, outros de gerações anteriores mas que querem sair ou reduzir a cultura do álcool.

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Mestres cervejeiros têm trabalhado em fórmulas para tentar replicar o sabor e a textura da cerveja tradicional. Heineken, Guinness e Budweiser já estão disponíveis em versões sem álcool, enquanto centenas de cervejarias artesanais e novas marcas surgem para atingir esse mercado.

Para Michel Doukeris, CEO da AB InBev, é uma questão bem simples: “O consumidor mudou.”

A cerveja sem álcool, ou com teor alcoólico inferior a 0,5%, representa ainda uma pequena fatia do mercado. Seus 31,4 milhões de hectolitros produzidos por ano são insignificantes em comparação com o 1,93 bilhão de hectolitros de cervejas alcoólicas, segundo a GlobalData.

Mas o segmento teve uma taxa de crescimento anual composto de 3,6% desde 2018, ante 0,3% da cerveja alcoólica tradicial. Nos Estados Unidos, o número de adultos de 18 a 34 anos que dizem beber caiu de 72% no início dos anos 2000 para 62%, segundo a Gallup. E isso indica uma tendência.

The Big Growth Market for Beer Is Zero-Alcohol  | The world's biggest brewers are pushing hard to win customersdfd

São números que as empresas não podem ignorar, especialmente a AB InBev, maior cervejaria do mundo, controlada pelos brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. A companhia tem ficado para trás no segmento e disse que não atingirá a meta de ter 20% das vendas provenientes de cervejas com baixo teor ou sem álcool até 2025.

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“Há muitos eventos esportivos, como as Olimpíadas, nos quais as marcas principais são frequentemente aquelas de versão 0%”, disse Susie Goldspink, chefe de insights de bebidas sem álcool ou com baixo teor da consultoria de mercado IWSR. “Isso acontece em parte porque é uma área em crescimento, mas também ajuda na agenda de moderação do consumo responsável.”

Associação com o esporte

Há também um benefício mais amplo para as empresas de cerveja. Como suas versões sem álcool geralmente compartilham o mesmo nome e rótulo da cerveja original, as campanhas ajudam no reconhecimento da marca e permitem que as empresas contornem restrições cada vez mais rígidas em torno da publicidade de bebidas alcoólicas.

As Olimpíadas fazem parte de uma tendência do setor promover as cervejas sem álcool por meio do esporte, assim como ocorre com a Heineken 0.0 na Fórmula 1 e a Guinness 0.0, da Diageo, no torneio de rugby Six Nations. A Carlsberg distribuiu 400 mil latas da cerveja francesa sem álcool Tourtel Twist no Tour de France no ano passado - a competição mais importante do ciclismo mundial.

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Não são só grandes eventos que atraem a atenção das grandes marcas. No Brasil, por exemplo, a Heineken 0.0 tem sido associada a corridas de rua - e empresta o nome como uma das parcerias da Run&Fun, uma das principais e maiores assessorias esportivas voltadas para essa modalidade.

Em um sinal da competição crescente entre marcas, a Carlsberg decidiu também tentar posicionar a Tourtel Twist como a cerveja sem álcool preferida nos Jogos Olímpicos de Paris.

“Nós somos a cerveja oficial de Paris e da França”, disse Jacob Aarup-Andersen, CEO da Carlsberg. “Eles [a Corona Cero] são a cerveja oficial do movimento olímpico.”

A Athletic Brewing, com sede nos EUA, que vende apenas bebidas sem álcool, disse que um patrocínio olímpico beneficia toda a categoria.

“Às vezes, para fazer a diferença, você precisa de grandes players que possam ajudar a aumentar a conscientização”, disse John Walker, cofundador da empresa.

Necessidade de adaptação

Para as empresas de bebidas, há uma necessidade urgente de acompanhar as tendências que já provaram ser o fim de muitas empresas.

Mais de 7.000 bares no Reino Unido fecharam na última década, segundo a Associação Britânica de Cerveja e Pub. Embora impostos sobre álcool, aluguéis, custos e regulamentações tenham desempenhado um papel na retração, as mudanças nos hábitos de consumo também contribuíram.

À medida que os consumidores, particularmente os grupos demográficos das mídias sociais dos millennials e da Geração Z, procuram moderar sua ingestão de álcool, é melhor contar com uma oferta viável - e atraente - do que vê-los recorrer a uma marca rival ou a outras bebidas naturais.

A Heineken 0.0 é a líder de mercado no segmento de cervejas sem álcool globalmente, segundo a GlobalData. Outros grandes vendedores são a japonesa Suntory All-Free e a Brahma 0.0%, da Ambev (ABEV3), parte da AB InBev.

Na cervejaria mais antiga em operação contínua do mundo na Alemanha, as cervejas sem álcool estão em produção desde o início dos anos 1990.

Mas em 2020, graças à crescente demanda, a Weihenstephan, de propriedade da Bavaria, mais que dobrou sua capacidade de produção de cerveja sem álcool, em aposta no crescimento futuro. Hoje, sua cerveja de trigo sem álcool representa quase 10% das vendas e é seu terceiro produto mais vendido.

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Mas toda a publicidade do mundo só pode fazer a cerveja sem álcool crescer até certo ponto se ela não for boa em gosto e qualidade.

Até relativamente recentemente, a cerveja sem álcool comparava-se desfavoravelmente com a original, o que deixava os bebedores insatisfeitos. Para os cervejeiros, havia um dilema técnico: como conseguir a profundidade do sabor sem álcool? Eles deveriam interromper a formação de álcool durante o processo de fermentação ou removê-lo após a produção tradicional?

Segundo Jim Koch, presidente da Boston Beer Company, que produz a Samuel Adams, avanços no sabor só foram possíveis nos últimos anos, quando os cervejeiros descobriram um processo de destilação em baixa temperatura. A cervejaria lançou seu próprio produto sem álcool, Just The Haze, em 2021.

Lançada em 2017, a Heineken 0.0 é feita com água, malte de cevada, extratos de lúpulo e levedura - os mesmos ingredientes usados para a Heineken. O álcool é então removido com uso de destilação a vácuo, após o que sabores e aromas naturais são misturados novamente para que o sabor se assemelhe mais ao original.

“Por alguns anos, me recusei a começar a desenvolver a Heineken 0.0″, disse Willem van Waesberghe, mestre cervejeiro global da Heineken. “Porque eu nunca tinha provado uma boa.”

A pouco mais de 40 dias da cerimônia de abertura da Olimpíada de Paris, a AB InBev começou a revelar a sua campanha para a Corona Cero, que espera “acelerar o crescimento da cerveja sem álcool”.

Além disso, obter cerveja sem álcool na torneira - o chopp - é esperado para proporcionar o próximo salto em termos de volumes, aumentando as vendas em bares ao tornar as bebidas mais socialmente aceitáveis. É mais um desafio técnico, mas um que os cervejeiros estão enfrentando.

“É como rosé no sul da França, que é sempre melhor do que em casa”, disse Waesberghe. “E em um bar, você gosta do chopp, ele dá a impressão de autenticidade.”

- Com informações da Bloomberg Línea.

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