Como a alta do frete marítimo se tornou um novo risco para empresas brasileiras

Atrasos e encarecimento do transporte nas rotas de contêineres atingem importadoras e exportadoras, com efeitos que podem atingir do e-commerce ao agronegócio, segundo especialistas

navio de contêineres
23 de Janeiro, 2024 | 05:05 AM

Bloomberg Línea — A escalada dos conflitos armados no Oriente Médio tem impactado diretamente o custo do frete marítimo global, que dobrou de valor desde dezembro.

Além dos atrasos nas rotas globais, que já ultrapassam 15 dias, os preços do transporte de contêineres no mercado à vista (spot) devem continuar a subir enquanto durarem os confrontos.

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Segundo especialistas ouvidos pela Bloomberg Línea, diferentes setores serão afetados no Brasil, do e-commerce a frigoríficos.

Além do conflito entre Israel e Hamas, que se estende desde outubro passado, ataques dos rebeldes Houthi a navios no Mar Vermelho - incluindo embarcação de contêineres - agravaram os problemas enfrentados pelos armadores na região do Oriente Médio.

Os navios cargueiros estão desviando de suas rotas originais e passaram a contornar o continente africano para fugir de possíveis emboscadas.

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Segundo levantamento da MTM Logix, empresa especializada em monitoramento de embarques internacionais, hoje o preço do contêiner (à vista) está em torno de US$ 5.000 no corredor China-Estados Unidos/México, uma das principais rotas globais. “O mercado spot é muito volátil. Quando acontece esse tipo de evento, o impacto é imediato”, disse o CEO, Mario Veraldo.

Por ora, a empresa projeta um aumento médio de 5% a 10% no preço do frete em 2024, mas tudo dependerá do tempo que os conflitos vão durar. Ele ressaltou que é difícil estimar se os preços do frete vão chegar a US$ 10.000, como aconteceu no auge da pandemia.

“Começamos a ver as curvas de preços subindo e os armadores estão trabalhando para tirar os contêneires da China antes do Ano Novo Chinês [em 10 de fevereiro]. Quanto mais tempo durarem os conflitos, mais o frete vai subir”, disse o executivo.

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Ele acrescentou que, se os conflitos e as restrições persistirem, haverá uma mudança dos padrões de serviços, com os setores que lidam com mercadorias a granel, produtos de consumo e eletrônicos sendo os mais afetados.

Segundo a MTM Logix, a reorganização das rotas provocou novamente uma escassez de contêineres na Ásia. Os primeiros portos impactados estão na China, apontou o levantamento.

A expectativa é que os problemas se alastrem para Singapura e outros portos do Sudeste Asiático, da Europa e dos Estados Unidos. Os aumentos de custos serão visíveis tanto no percurso principal dos navios quanto no retorno das embarcações.

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Na logística brasileira, um dos grandes pontos de gargalo deve acontecer na exportação de proteínas, disse Veraldo. Ele disse que os contêineres refrigerados acabam sendo bastante afetados em crises como essa.

De acordo com a CEO e sócia-fundadora da consultoria Agrifatto, Lygia Pimentel, o seguro de cargas disparou em meio à instabilidade na região do Oriente Médio. Os navios estão usando a rota da África via Cidade do Cabo, adicionando mais dez dias de navegação.

Em paralelo, o baixo nível de água do Canal do Panamá também reduziu e limitou o tráfego de navios, o que contribui para o aumento do preço do frete marítimo, apontou.

Pimentel disse que a tendência é a de encarecimento do frete para as exportadoras de proteína animal, notadamente carne bovina, com empresas como JBS (JBSS3), Marfrig (MRFG3) e Minerva (BEEF3) sendo afetadas.

Na visão de Veraldo, empresas da cadeia automotiva – montadoras e fabricantes de autopeças -, de e-commerce e de setores industriais, incluindo a indústria de transformação, devem ser os principais afetados pelo aumento do preço do frete por contêiner.

Segundo o executivo, os setores industriais que produzem itens de baixo valor agregado e que dependem amplamente de insumos da China enfrentarão pressão adicional, já que em muitos casos o frete mais alto passa a não valer a pena.

Ele ponderou que, durante a pandemia, os grandes clientes passaram a ampliar os estoques, desde insumos até mercadorias. Posteriormente, as empresas voltaram a trabalhar com inventários ajustados (o chamado sistema just in time), o que no cenário atual acaba sendo o modelo de operação mais afetado pela disrupção das rotas marítimas globais.

‘Tempestade perfeita’

À medida que a crise no Oriente Médio se prolonga, o “efeito cascata” na cadeia logística global se agrava, em uma espécie de “tempestade perfeita”. Um dos primeiros aumentos de custos verificados nesse contexto é o do seguro dos navios, mas não só das embarcações que circulam nas zonas de conflitos, uma vez que os prêmios – mais altos – são diluídos pela frota inteira.

Embora o preço do petróleo esteja controlado, uma parcela significativa da produção de combustível de navegação (bunker) está localizada no Oriente Médio.

“O mercado global tem determinada capacidade de refino de bunker. Várias refinarias estão na zona de conflitos”, alertou Veraldo, acrescentando que o consumo do combustível está subindo porque os navios estão desviando de suas rotas tradicionais, o que coloca pressão adicional sobre os custos da cadeia.

Navios graneleiros

Os navios graneleiros, que transportam produtos como minério de ferro e soja, ainda não estão sendo afetados pelos conflitos porque os contratos geralmente são de longo prazo, com espaço e preços fechados com antecedência. Essas embarcações - assim como navios petroleiros – têm rotas mais flexíveis, adaptando-se às condições vigentes.

Na avaliação do analista de mineração e siderurgia da Tendências Consultoria, Matheus Ferreira, por ora, a tendência é que os volumes de exportações brasileiras de minério de ferro sejam pouco afetados, uma vez que as rotas impactadas pelos conflitos não são frequentemente usadas pelas companhias brasileiras.

“No entanto pode haver efeito mais indireto decorrente de eventual aumento de custo com frete marítimo”, afirmou o especialista.

Veraldo acrescentou que o aumento do bunker deve afetar os custos dos exportadores de minérios e grãos diante do prolongamento dos conflitos.

“Devemos ter falta de navio graneleiro porque as empresas estão fazendo rotas estendidas. Com a extensão dos conflitos, chega um ponto em que o transporte de grãos por contêiner começa a ficar interessante. Não me surpreenderia ver açúcar e minério sendo transportado por contêiner nas próximas semanas”, disse.

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Juliana Estigarríbia

Jornalista brasileira, cobre negócios há mais de 12 anos, com experiência em tempo real, site, revista e jornal impresso. Tem passagens pelo Broadcast, da Agência Estado/Estadão, revista Exame e jornal DCI. Anteriormente, atuou em produção e reportagem de política por 7 anos para veículos de rádio e TV.