Bloomberg Línea — Desde que assumiu como CEO da Cogna há três anos, mas antes disso à frente da Kroton, Roberto Valério cita o conceito de ambidestria ao explicar a transformação de médio prazo que julga ser necessária para um dos maiores grupos de educação do país.
No caso da Cogna, o conceito que remonta a teorias dos anos 1970 consiste em investir simultaneamente em estratégias que possam tanto sustentar o negócio atual como levar a novas teses de negócios, que conduzam a empresa à vanguarda da transformação de modelos de ensino.
Os resultados divulgados nesta quarta-feira (12), depois do fechamento do mercado, revelam uma nova dimensão do estágio - perseguido - que a companhia alcançou na frente de resultados financeiros e operacionais, ao mesmo tempo em que avança no que enxerga como futuro.
A Cogna encerrou o ano de 2024 com Ebitda ajustado de R$ 2,174 bilhões e geração de caixa operacional (GCO) de R$ 1,045 bilhão, números acima do guidance apresentado ao mercado no fim de 2020 (R$ 2,100 bilhões e R$ 1,000 bilhão); e que representam um crescimento anual composto (CAGR) de 33,3% e 44,4%, respectivamente, desde o anúncio das projeções.
A margem Ebitda saltou de 11,7% em 2020 para 33,9% no ano passado.
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A empresa cresceu a receita líquida perto de dois dígitos (+8,9%), para R$ 6,422 bilhões no ano inteiro, voltou a gerar lucro líquido, de R$ 879,9 milhões, depois de cinco anos, em reversão ao prejuízo de R$ 492,9 milhões em 2023, e reduziu a alavancagem de 1,58x para 1,35x o Ebitda - estava em 3,23x em 2020.
São métricas que coroam uma jornada de quatro anos, desde que a empresa então comandada por Rodrigo Galindo - Valério era o CEO da Kroton, empresa de ensino superior do grupo - estabeleceu guidances com vistas ao fim de 2024 para guiar um turnaround profundo. Galindo segue como presidente do conselho de administração.
“Mais do que um ano e um trimestre excelentes - e foi o 15º trimestre com crescimento em geração de caixa e em aumento de Ebitda -, os números representam um marco depois de quatro anos de construção”, disse Valério em entrevista à Bloomberg Línea.
“E vem acompanhado da melhora de indicadores qualitativos”, disse o executivo, citando, por exemplo, que o percentual de cursos de ensino superior com a nota máxima do Ministério da Educação (MEC/Inep) quase dobrou em dois anos, para 25,1% no ano passado.
Outros 68,1% dos cursos têm a nota 4 na escala que vai de 0 a 5, uma pontuação que ainda denota qualidade do ensino.
Houve aumento do NPS (Net Promoter Score, métrica universal de satisfação) de alunos, clientes (escolas que usam sistemas de ensino da Vasta) e colaboradores, na casa de 20 pontos ou mais.
O executivo, há mais de dez anos em posições de liderança no setor de educação (entre Cogna, Kroton e Anhanguera), apontou que as métricas foram superadas por meio de uma estratégia de busca de eficiência operacional e crescimento orgânico, sem aquisições.
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“Era uma estratégia simples, mas correta, do que nós sabemos fazer e executar”, disse o CEO da Cogna.
“Nós sabemos operar ensino superior, educação à distância, faculdade de medicina, sistemas de ensino, tanto o que chamamos de core como os complementares, e fazer o trabalho de editora de livros [para escolas]. E buscamos construir novas oportunidades”, completou, em alusão ao conceito de ambidestria.
Ao longo dos quatro últimos anos, a Cogna avançou em medidas como a venda das escolas de ensino básico, a redução do número de campi e do tamanho de equipes, ganho de eficiência na execução de marketing digital para reduzir o custo de aquisição de clientes (alunos) e melhoria em políticas de recuperação de crédito em casos de atrasos de pagamento, entre outras.
“No começo do ano passado, analistas diziam que nós já tínhamos reestruturado campus, melhorado o marketing, reduzido a PDD [provisão para devedores duvidosos] e questionavam se ainda havia espaço para aumentar a margem”, contou o executivo.
A margem Ebitda recorrente da Kroton aumentou 3,6 pontos percentuais em 2024, para 35,0%.
Impacto crescente de IA
A melhora da qualidade do ensino é fruto também de investimentos em tecnologia para aumentar o aprendizado e o engajamento dos estudantes, o que inclui novas ferramentas de IA (Inteligência Artificial). Tudo isso se reflete, no fim do dia, em queda dos índices de evasão ao longo dos cursos.
O uso de IA tem sido crescente, segundo o executivo. Inclui agentes de IA voltados para atendimento, cobrança, tutoria e secretaria, entre outras áreas. Ou seja, para diferentes processos inerentes ao negócio.
“No ensino superior, já são mais de 100 mil alunos que contam com agentes de IA para auxiliá-los não só a esclarecer dúvidas mas para fazer perguntas e provocações durante o processo de consumo de conteúdo, o que acaba aumentando o engajamento”, contou o executivo.
Na Kroton, tais medidas ajudam a explicar a expansão de 10,5% na base de alunos em 2024, dado que houve também aumento da captação. As receitas líquidas dessa unidade de negócios subiram 11,4%, para R$ 4,056 bilhões.
Na educação básica, agentes de IA ajudam não só o aluno mas também professores a montar, por exemplo, um plano de aulas para a semana que começa, com ganho de produtividade e qualidade.
“A IA nos permite avançar cada vez mais na direção de uma educação em massa personalizada”, disse Valério.
Ele contou como exemplo que o uso de IA para ler o histórico escolar de um aluno recém-matriculado permite identificar eventuais dificuldades em disciplinas e subsequente direcionamento de aulas e conteúdo de reforço para o mesmo.
Há também mudanças em processos.
Como parte do plano de desenvolver a Cogna do futuro, e relacionado ao conceito de ambidestria, a empresa passou há cerca de dois anos a descentralizar os processos de inovação aberta, o que foi descrito como Valério como crucial para que os times conquistassem autonomia e para a evolução dos resultados em escala.
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São avanços em inovação e tecnologia que acontecem em paralelo com a evolução dos resultados operacionais e financeiros acima citados e que estão, no fim do dia, interconectados.
Eles ajudaram, portanto, a Cogna a superar desafios nos últimos anos, desde os particulares ao setor de educação no país, como a redução da dependência do Fies, o programa nacional de financiamento para alunos de ensino superior, e as mudanças na regulação do EAD (Educação à Distância); mas também aqueles mais amplos, como a pandemia e a alta das taxas de juros.
Nessa trajetória, Valério e as lideranças da Cogna enfrentaram o ceticismo de investidores e de analistas do sell side diante de guidances que pareciam inatingíveis, principalmente no começo, mas depois com questionamentos sobre a sustentabilidade de resultados então alcançados.
A evolução da visão do mercado - leia-se investidores e analistas - se refletiu em larga medida no preço da ação (COGN3), que durante os anos de 2021 a 2023 e, depois, em 2024, operou em queda na maioria do tempo, sob impacto também de ciclos de elevação das taxas de juros.
A exemplo do que aconteceu em 2022, neste ano de 2025 a ação tem se recuperado: a valorização se aproxima de 60%, e o papel conta com recomendação de compra ou equivalente de seis dos onze bancos cujos analistas acompanham a empresa, segundo o terminal da Bloomberg; outros cinco têm recomendação neutra.
Na avaliação do executivo, parte do mercado ainda enxerga a Cogna como uma empresa de ensino superior, ainda que o grupo tenha diversificado a atuação para plataformas e sistemas de ensino e outros negócios que hoje, somados, respondem por 40% das receitas.
Apesar do ganho mais recente, as ações ainda estão cerca de 60% abaixo do patamar de dezembro de 2020, quando o plano de turnaround de quatro anos foi apresentado.
Questionado sobre eventuais novos guidances ao mercado, o CEO da Cogna disse que o mais provável é que o grupo opte por apresentar “direcionamentos” para o ano, em vez de projeções de prazo tão extenso como foram aquelas relativas ao último quadriênio.
“Esperamos que este seja um ano melhor do que em 2024. Vamos continuar a fazer o simples, com o time bem focado, com os bons ativos que temos, e estamos confiantes de que os resultados virão.”
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