Bloomberg — A família Brenninkmeijer personifica a elite reclusa e endinheirada da Europa há mais de um século: há as contas fechadas da varejista de moda C&A (ainda que no Brasil a empresa tenha decidido abrir o capital em 2019), a cautela com a publicidade e a estrutura corporativa opaca, tudo supervisionado a partir de um parque de escritórios anônimo em Zug, o polo de riqueza da Suíça.
E então veio a crescente percepção de que uma das maiores fortunas de dinastias do mundo precisava de uma reformulação radical, enquanto a C&A lutava contra a concorrência online.
Uma nova geração de líderes cada vez mais assume o império empresarial dos Brenninkmeijers e acelera um esforço para diversificar ativos e romper com uma longa tradição de apenas administrar o patrimônio da família. Há um impulso para atrair mais capital institucional, contratar seletivamente mais talentos externos e fazer apostas mais arriscadas.
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O império dos Brenninkmeijers na C&A remonta a 1841, quando dois irmãos abriram um depósito de roupas na cidade holandesa de Sneek.
Hoje, eles acumularam cerca de € 35 bilhões (US$ 39 bilhões) em ativos, desde imóveis até private equity, por meio da empresa suíça que supervisiona seus principais ativos, a Cofra Holding.
O CEO Boudewijn Beerkens busca dobrar esse valor em ativos na próxima década, de acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto que conversou com a Bloomberg News, e precisará atrair maiores somas de capital de investidores externos para atingir essa meta.
A Redevco, a unidade de real estate da família, expande o alcance para crédito privado e busca negócios mais arriscados, após se abrir na última década para outras famílias ricas e empresas institucionais.
A Anthos Fund & Asset Management, divisão de gestão de ativos, também firmou sua primeira parceria com pares externos após se tornar a mais recente unidade dos Brenninkmeijers a captar recursos externos em 2022.
A empresa corteja fundos de fundações, family offices e outros investidores de longo prazo. O braço de private equity Bregal, que abriu capital externo em 2016, também cresce.
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A colisão entre o antigo e o novo se desenrola sob o olhar atento de Beerkens, ex-diretor financeiro da Wolters Kluwer e da SHV Holdings, e de alguns executivos de alto escalão de fora da família com experiência em empresas institucionais.
Eles enfrentam o difícil equilíbrio entre expandir os negócios e administrar investidores externos, mantendo ao lado uma família normalmente desacostumada a compartilhar informações publicamente.
Mudança de mentalidade
O patrimônio da família por meio dos ativos da Cofra é de pelo menos US$ 18 bilhões, de acordo com o Índice de Bilionários da Bloomberg, o que rivaliza com algumas das maiores fortunas de dinastias familiares do mundo.
“Não foi fácil”, disse Jacco Maters, 52 anos, CEO da Anthos, sobre a decisão da empresa de se abrir para capital externo.
“Realmente exigiu uma mudança de mentalidade. Trata-se de sair de uma cultura fechada para uma cultura em que você precisa compartilhar o que está fazendo e como estão seus portfólios.”
A empresa tem contratado para ajudar a divulgar a iniciativa.
A Anthos FAM e a Redevco recentemente contrataram ex-executivos da Amundi e do Credit Suisse para liderar os esforços de relações com investidores, juntando-se a mais de uma dúzia de novos funcionários nas duas empresas sediadas em Amsterdã desde o início de 2024.
“Historicamente, não tínhamos uma equipe adequada de capital externo”, disse Neil Slater, 48 anos, CEO da Redevco, que ingressou em 2023 vindo da Abrdn, em uma entrevista à Bloomberg News. “Já tivemos pessoas nos contatando, de family offices suíços a fundos de pensão japoneses.”
A Cofra está em uma onda de grupos de investimento para famílias bilionárias que buscam capital externo, à medida que suas atividades rivalizam cada vez mais com empresas institucionais em tamanho e sofisticação.
Poucas, porém, apresentam uma mudança de foco tão marcante: e as mudanças não foram todas fáceis.
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Alguns funcionários da Anthos FAM inicialmente ficaram inseguros sobre o que poderiam divulgar a clientes externos nos primeiros dias em que a empresa recebeu recursos, disse Maters.
Outros funcionários das unidades da Cofra que ingressaram nos últimos anos sabiam pouco sobre o grupo, o que deixou alguns hesitantes em mudar de cargo. E pessoas de fora continuam a ter percepções equivocadas sobre as atividades dos maiores grupos de investimento familiar do mundo.
“As pessoas ainda dirão: ‘Ah, você entrou para um pequeno family office’”, disse Slater, da Redevco. Mas “isso está mudando agora”.
Com raízes na Holanda e na Alemanha, seis gerações da dinastia lideraram seu império empresarial por meio de um grupo acionário coeso que se baseia na fé católica da família para seus princípios.
15 anos de aprendizado
Os filhos dos atuais acionistas enfrentam um aprendizado de aproximadamente 15 anos antes de deter uma participação na Cofra.
O grupo acionário é composto por menos de 100 membros da dinastia. Alguns têm mais funções na linha de frente do que outros.
Martyn Brenninkmeijer, ex-executivo da C&A, é o presidente do conselho e entregou a liderança da Cofra ao atual CEO, Beerkens, um parente próximo da dinastia que completa 62 anos neste ano.
Johanna Brenninkmeijer, membro da sexta geração da família, ingressou no conselho de administração da Cofra no ano passado, após também ter trabalhado na C&A. Johanna, que completa 43 anos este mês, é managing director de investimentos de impacto na Anthos FAM.
Os membros mais jovens da dinastia agora também assumem cargos executivos na Cofra. Florian Brenninkmeyer — uma variação holandesa do sobrenome da dinastia — tornou-se CFO do grupo em janeiro, após trabalhar por mais de uma década em divisões da Cofra, incluindo a C&A.
Em outros lugares, os membros da família também ocupam cargos seniores na Bregal, a maior unidade de investimentos da dinastia, que agora tem mais de € 19 bilhões em ativos sob gestão.
“Eles são uma das dinastias familiares europeias mais bem-sucedidas”, disse Marc Debois, fundador da FO-Next, uma empresa de consultoria para family offices. “Eles estruturaram sua governança de forma muito sólida.”
Os descendentes dos fundadores Clemens e August Brenninkmeijer aproveitaram a ascensão da classe média europeia em expansão para se tornarem líderes em roupas prêt-à-porter a preços acessíveis.
As margens de lucro eram pequenas, mas os altos volumes e o reinvestimento dos lucros permitiram que construíssem um negócio na Europa, na América Latina e no Ásia.
O boom do comércio eletrônico e das compras online nas últimas décadas interrompeu o crescimento da C&A de modo geral, levando os Brenninkmeijers ainda mais para o caminho da diversificação. Eles já haviam estabelecido seu braço de gestão de ativos em 1929 para administrar sua fortuna.
A Redevco foi desmembrada da divisão imobiliária da C&A sete décadas depois. No início dos anos 2000, a Bregal foi fundada. Nesse período, eles também fundaram a Cofra.
A C&A consolidou a reputação de sigilo dos Brenninkmeijers ao divulgar poucos detalhes públicos ao longo dos anos e — ao contrário de outras grandes empresas familiares — ainda não publica demonstrações financeiras consolidadas.
Raro IPO no Brasil
A varejista tomou a rara iniciativa de recorrer aos mercados públicos em 2019 para listar sua unidade no Brasil. O preço das ações caiu cerca de 30% desde então sob efeito de juros mais altos, embora, por outro lado, a rede seja apontada por analistas como um case de sucesso do varejo frente a concorrentes asiáticas. Como reflexo, as ações se valorizaram perto de 300% nos últimos dois anos.
Fiel às suas origens humildes, a família normalmente abriga seus escritórios em áreas discretas de Amsterdã e Zug, na Suíça.
O esforço da família para se abrir dá sinais de resultados.
Os ativos da Redevco quase dobraram na última década, após apostas em shopping centers franceses, hotéis portugueses e no icônico Mercado de San Miguel, em Madri.
Durante esse período, firmou parcerias com empresas como a gigante de Wall Street Ares Management. A Bregal relatou crescimento semelhante desde o início de 2021.
Com parte do nome Brenninkmeijer, a divisão de software e tecnologia da empresa de private equity comprou uma participação no mês passado na empresa estoniana de software de transporte Ridango por um valor não divulgado.
A Redevco busca agora captar até € 500 milhões de fontes externas até o final do próximo ano e está em negociações iniciais com potenciais investidores da Ásia-Pacífico e da Europa, disse a pessoa familiarizada com as operações da Cofra.
A empresa também concluiu seu primeiro investimento em 1º de abril, em uma plataforma de crédito privado lançada no início deste ano, somando-se a uma unidade anunciada no ano passado para a aquisição de imóveis em dificuldades na Europa.
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A Anthos FAM também está em movimento.
A empresa busca abrir um escritório na Alemanha para impulsionar a captação de recursos de investidores europeus que refletem os valores dos Brenninkmeijers, como fundações religiosas, disse a pessoa, que pediu para não ser identificada, pois os detalhes são confidenciais.
A empresa, que administra entre € 5 bilhões e € 10 bilhões, firmou uma parceria no ano passado para que uma empresa espanhola tivesse acesso às suas estratégias de investimento e, anteriormente, recebeu € 300 milhões de uma fundação com vínculos com a realeza holandesa, em parte devido ao seu foco em impactos sociais.
Em mais um sinal da transformação da Cofra, a Anthos está agora em processo de lançamento de um fundo de fundos para investimentos em private equity com a Bregal, o primeiro veículo conjunto das empresas.
“Somos bem conhecidos nos mercados em que atuamos”, como Áustria, Suíça e Holanda, disse Maters, ex-executivo da Allianz que assumiu seu cargo atual em 2018. “Agora é hora de ganhar força e converter isso em novos clientes.”
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