IA generativa vai acirrar competição global no ensino, diz CEO do Coursera

Em entrevista à Bloomberg Línea, Jeff Maggioncalda diz que uso da tecnologia para traduzir cursos para diferentes idiomas reduz a vantagem competitiva de players locais

Jeff Maggioncalda,
13 de Novembro, 2023 | 04:45 AM

Bloomberg Línea — O Coursera, uma das maiores plataformas de cursos online do mundo, listado na Bolsa de Nova York, tem usado a Inteligência Artificial generativa para disponibilizar seus cursos de forma global, “não importa o idioma que você fala”, disse o CEO Jeff Maggioncalda em entrevista à Bloomberg Línea.

De acordo com o executivo, a plataforma tem se apoiado na rápida evolução da tecnologia, particularmente com inovações como o ChatGPT-4, que podem suplantar a tradução tradicional na competição com plataformas locais de aprendizado cujo diferencial até então estava no idioma.

Maggioncalda disse que, apesar do fato de muitas startups educacionais na região terem a sua especialização feita nos respectivos idiomas locais, a capacidade do Coursera de oferecer cursos em múltiplas línguas poderia diminuir a vantagem competitiva de empresas locais menores.

Ele disse esperar que a IA tenha papel significativo tanto na receita do Coursera quanto na produtividade, impulsionando a abertura de novos mercados por meio de traduções de idiomas e melhoria do valor de serviços pagos, como o tutor de IA, que aumenta a retenção e a conclusão dos cursos.

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Há inclusive uma API de tutor em português para os alunos.

“Posso tirar dúvidas sobre esse curso e ele vai me dar uma resposta personalizada, como em um bate-papo no ChatGPT, mas, em vez de acessar toda a Internet, ele fica restrito para informar sobre o curso. É quase como se você estivesse na faculdade e houvesse um monitor pessoal esperando para ajudá-lo a responder perguntas”, disse.

Ele também destacou o que apontou como impacto transformador da IA generativa no trabalho, com a automação de tarefas e a criação de novos empregos, o que, por sua vez, impulsionaria a procura por requalificação e o aprendizado de novas habilidades na plataforma.

Segundo ele, a plataforma conta atualmente com cerca de 130 milhões de alunos globalmente e ao longo dos anos o Brasil se tornou o quarto maior país do mundo em termos de alunos.

Um dos desafios para o crescimento no Brasil era justamente o fato de que muitos poucos dos 6.000 cursos estavam disponíveis em português. “Historicamente, era muito caro traduzir um curso para outro idioma, cerca de US$ 10.000. Mas a IA generativa é muito boa na tradução de idiomas”, disse Maggioncalda. Até o final do ano, a empresa promete traduções em 17 idiomas.

De acordo com o executivo, a empresa está fazendo uso de um novo tipo de IA, com uma API para traduzir os cursos. “Agora temos 4.000 cursos traduzidos para o português do Brasil e achamos que isso realmente criará mais acesso para iniciantes fazerem cursos no Coursera.”

Atualmente, o Coursera trabalha no Brasil com mais de 60 empresas que usam a plataforma para capacitar funcionários, além de 40 universidades que oferecem acesso à plataforma para os alunos. E está começando a atender agências governamentais do país.

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Veja abaixo a entrevista completa com o CEO da Coursera, editada para fins de clareza:

Qual a contribuição da IA para a receita do Coursera e o que você espera que ela represente em termos de receita no futuro?

A McKinsey estima uma economia de produtividade global de US$ 4,4 trilhões apenas por causa da IA generativa, sem falar da IA tradicional. No que se refere ao Coursera, seria difícil colocar um número exato.

Mas, se alguém me perguntasse nos próximos três anos como posso gerar mais receita para o Coursera, eu diria que as traduções de idiomas abrirão o público global de alunos, incluindo aqueles que não falam inglês. Isso será muito útil, especialmente para programas governamentais, porque os governos muitas vezes têm orçamentos para executar programas de treinamento de cidadãos em grande escala, mas querem ter certeza de que o conteúdo está no idioma de seus cidadãos.

Portanto, acho que a tradução de idiomas deve abrir novos mercados para o Coursera, à medida que atendemos uma parte maior da população mundial.

Não cobramos nada a mais pelo tutor de IA, mas você só consegue usar o coach se comprar a assinatura do Coursera. De graça você pode assistir os vídeos, mas você não consegue o tutor nem os certificados, não faz as avaliações. Acredito que, quanto mais valor pudermos criar no serviço pago, maior será a probabilidade de as pessoas quererem comprá-lo.

Outro elemento disso também é se o coach realmente ajuda as pessoas a aprender, posso imaginar que a retenção será mais longa. Assim, as pessoas permanecem mais tempo nos programas e concluem os cursos em maior número.

Provavelmente o maior benefício seja o fato de que a IA generativa vai mudar muitos empregos e vai automatizar muitas tarefas que tradicionalmente não podiam ser automatizadas.

Os bots de linguagem podem fornecer respostas muito personalizadas às perguntas das pessoas, às vezes até melhores do que os humanos. Acho que o maior impacto no Coursera provavelmente serão os de empregos impactados, empregos que são substancialmente automatizados.

E as pessoas precisam de um novo emprego. Acho que a ruptura completa dos mercados de trabalho e as transformações dos empregos provavelmente farão com que muitos indivíduos e instituições venham ao Coursera para dizer: ‘Tudo bem, preciso aprender novas habilidades’.

Esse treinamento para a nova geração de trabalho poderia compensar a desaceleração do aprendizado remoto que vimos durante a pandemia?

A Covid-19 acelerou o aprendizado online e a IA generativa também vai acelerar, mas por motivos diferentes.

A Covid-19 acelerou o aprendizado online porque você não podia ir à escola porque ela estava fechada. Acho que a IA irá acelerar o aprendizado online porque o trabalho está mudando e as pessoas precisam aprender novas habilidades.

Há uma nova tecnologia que está automatizando grande parte da escrita e muito do som, grande parte da geração de imagens, muita geração de vídeos etc.

Se você pensar sobre o valor do aprendizado online, há quatro anos, se morasse em uma pequena cidade no Brasil e aprendesse habilidades em ciência de dados, não conseguiria necessariamente um emprego nessa área.

Mas o trabalho remoto é a grande virada do jogo. Você pode estar em uma pequena cidade no Brasil, pode aprender as habilidades de um cientista de dados e conseguir um emprego como cientista de dados.

Você pode comentar sobre a parceria com o Google para os certificados?

Isso não é tão novo. Trabalhamos com o Google há vários anos, eles foram nossos primeiros parceiros do setor a criar esses certificados profissionais, que são elaborados de acordo com regras de trabalho.

Se eu for para o que chamamos de Career Academy, é um segmento em que você vai para se requalificar para uma nova função. E o que acontece com a Career Academy é que todos esses cursos são contas com certificação profissional: são programas de treinamento e vêm de Google, Salesforce e IBM.

Eles estão organizados por trabalho e cada um desses empregos é um trabalho digital de alta demanda e bem remunerado. Não requer diploma universitário ou qualquer experiência profissional anterior. E você pode filtrar por tipos de empregos. Então, se você quer um emprego em vendas e marketing, aqui está um programa de marketing de mídia social que pode fazer no Coursera.

O Google foi o primeiro a construir esses certificados de carreira e agora eles têm certificados em segurança cibernética. Existe o certificado de analista de dados do Google. O de gerente de projeto do Google e o de designer UX do Google. Esses são os certificados que o Google possui. E há todos os cursos de treinamento on-line com certificados específicos para vários empregos.

Quem faz esses cursos do Google obtêm uma prévia das ofertas de emprego. Portanto, se você terminar o design UX do Google, verá novas vagas de emprego antes de outras pessoas.

Então a estratégia do Coursera na América Latina, no Brasil, é principalmente por meio de parcerias. A empresa não procurou nenhum M&A no país?

Não fizemos nenhum M&A. Eu poderia imaginar que faríamos fusões e aquisições em algum momento. Somos uma empresa pública e temos muito dinheiro. Não temos nenhuma dívida. Mas o cenário está mudando muito rapidamente e não acho que vamos comprar nada no curto prazo.

Vimos tantas pequenas empresas criarem um produto e, antes que ele realmente decole, o ChatGPT-4 é lançado e agora entrega tudo o que aquele produto faz e ainda melhor. Nos estágios iniciais, a tecnologia está se movendo tão rapidamente que acho que o que mais interessa às pessoas é comprar talentos.

Há algum conselho para brasileiros que queiram aprender novas habilidades?

Se eu estivesse aconselhando empreendedores brasileiros, eu diria que tentem construir uma boa empresa, mas a verdade é que muito do valor serão as pessoas. Quero dizer, as empresas querem muito contratar talentos do Brasil.

Vimos uma boa aceitação em Buenos Aires, em Bogotá, na Cidade do México, e o percentual de pessoas na América Latina que trabalham remotamente para empresas internacionais está realmente aumentando.

Há uma série de empresas de tecnologia educacional na América Latina que são realmente especializadas: elas eram capazes de fazer a tecnologia, é claro, mas se especializaram no idioma local.

Bom, agora a tecnologia pode disponibilizar esses cursos e você terá 17 idiomas para 4.000 cursos do Coursera até o final do ano. Se você é um pequeno player local e o valor que você realmente estava trazendo era o fato de poder fazer isso no idioma local, isso é não será mais tão distinto.

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups